Publicada em 22 de fevereiro de 2006
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
SÃO PAULO
O que já foi o melhor carnaval de SP virou apenas trampolim para o sambódromo
Alguns vão lembrar de Vila Esperança, de Adoniran Barbosa, um samba de 1968
em homenagem ao bairro da zona leste. “Foi lá que eu conheci/Maria Rosa, meu
primeiro amor/Como fui feliz naquele fevereiro/Pois tudo para mim era
primeiro/Primeira Rosa, primeira esperança/Primeiro carnaval, primeiro amor
criança”, diz. Vila Esperança, 38 carnavais depois, deixou de ser assim
inspiradora. Virou um concurso de escolas de samba para um dia deixarem de
estar ali, onde São Paulo já teve seu melhor carnaval de rua.
O carnaval paulistano evoluiu e Vila Esperança seguiu o bonde. Perdeu a
identidade. Ainda assim espera atrair 150 mil pessoas. No domingo receberá
seis escolas do Grupo 2 da União das Escolas de Samba Paulistanas; na
segunda, dez do Grupo 3; e na terça um desfile com outras quatro. Talvez a
Nenê de Vila Matilde, da região, apareça por lá. Mas o Bloco Chorões da Tia
Gê, nascido e criado na Rua Doutor Heládio, não vai.
No sambódromo, é preciso gastar de R$ 40,00 a R$ 25.800,00 para ver os
desfiles das escolas de samba. Para um pobre, o preço da arquibancada
equivale a 3,5 sacos de cimento e o dos camarotes, a muitos anos de salário.
Resta-lhe os carnavais de bairro. São de graça.
A folia de Vila Esperança nasceu há quase 80 anos com La Murga del Tio
Curro, um conjunto musical de e para a numerosa colônia de espanhóis. Mas
foi só em 1932 que começou o carnaval de blocos, a partir do clube 5 de
Julho. “Aqui não passava de uma zona rural de São Paulo, mas a alegria era
maior que a da cidade”, lembra Augusto Dias Gallera, Augustinho, de 75 anos.
“Cidade”, vale frisar, era o centro. Estendia-se pelo Brás, onde já
prosperavam as fábricas dos Matarazzo e Crespi, e terminava na chácara do
Tatuapé. Tudo aquilo era a área urbana. Vila Esperança ligava-se ao centro
pelo trem. Era um bairro como outro qualquer à beira de uma estrada de
ferro. Só que ali havia os carros alegóricos dos carnavais. A fama
espalhou-se pela “cidade” e pelos bairros.
Augustinho ajudava a fabricar carros alegóricos. O material era bambu e
gesso. Ainda não havia tecnologia robótica, mas os clubes de Vila Esperança
gostavam de criar. “Um dia cismamos em fazer uma águia que movesse as asas”,
recorda. Os protótipos ficavam pesados. Até que alguém deu a idéia: seria
melhor se fizessem com as asas abertas para depois fechar com o sistema de
molas. Fácil, fácil.
Outra atração de Vila Esperança era a disputa entre os blocos. O 5 de Julho,
o Guarany, o Ruve, o Estrela d’Alva, entre outros clubes, falavam da
inflação e dos preços descontrolados, dos bondes que viviam lotados, do
Sputnik, da Copa do Mundo e dos políticos. No fim dos anos 1950, o então
governador Jânio Quadros era um dos personagens preferidos. Um sósia de
Jânio, Ermetrio de Genaro, aparecia com vassoura na mão.
Para Augustinho, o viaduto, a guitarra elétrica substituindo os instrumentos
de sopros, fundamentais nas marchinhas, a vontade de copiar o Rio e a
ditadura enquadraram a folia tradicional. São Paulo viu seu carnaval sair da
Avenida São João, ir para a Tiradentes e, há alguns anos, para o sambódromo.
Vila Esperança virou coadjuvante. Ou nas palavras de Adoniran: “O carnaval
passou/Levou a minha Rosa/Levou minha esperança/Levou o amor criança/Levou
minha Maria/Levou minha alegria/Levou a fantasia/E só deixou uma lembrança.”