Publicada em 24 de dezembro de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Na alta temporada, só o lixo recolhido no litoral norte seria capaz de
erguer por mês uma pilha de 24 metros de altura sobre o gramado do Estádio
do Morumbi. No verão, as prefeituras e empresas terceirizadas recolhem na
região 963 toneladas por dia de resíduos. É mais de três vezes a média dos
outros meses do ano. Um problema que o Estado mostra nesta segunda
reportagem da série sobre o litoral.
O verão é brindado pelos turistas que lotam as praias e pelos comerciantes
que ganham mais. Mas o crescimento da população nesses municípios agrava o
problema do armazenamento e tratamento de lixo. Na última década, a expansão
populacional no litoral foi maior que o do restante do Estado.
As soluções para tratar essa montanha de lixo têm sido levá-los para
aterros. No litoral norte, não há nenhum aterro sanitário construído de
forma adequada. Todos estão se adaptando para evitar os problemas comuns nos
antigos lixões: eliminação do chorume – líquido que escorre do lixo nos dias
de chuva e contamina solo e águas subterrâneas –, mau cheiro e
questionamentos judiciais. Os catadores só foram retirados da maioria deles
nos últimos anos.
Centenas de urubus rondam diariamente o aterro de Ilhabela, que não recebe
nenhum tratamento. No passado, já se cogitou levar as 15 toneladas diárias
para um município vizinho, mas a solução era inviável. Os caminhões teriam
de atravessar a balsa para levar os resíduos, causando outro problema. “O
atual volume ainda permite um rearranjo do local para transformá-lo num
aterro adequado”, explica Edward Boehringer, diretor da Secretaria de Meio
Ambiente.
Banho – Esse é o mesmo raciocínio do chefe de serviços públicos de Ubatuba,
Pedro Paulo Sousa. No município, no bairro Parque dos Ministérios, funciona
um aterro controlado. A diferença com um aterro sanitário é que aquele não
faz o controle do chorume. Em Ubatuba, o líquido poluidor escoa nos dias de
chuva para o Rio Grande, que deságua na Praia de Iperoig. Tanto em um quanto
em outro lugar, banhistas se divertem nas suas águas.
A prefeitura de Caraguatatuba trabalha desde 1997 para transformar seu
antigo lixão num aterro sanitário e quer criar duas outras áreas, mas esses
projetos nunca saíram do papel por terem sido contestados na Justiça. Só no
verão, o lixo gerado pelos turistas aumenta de 70 para 150 toneladas por
dia. “Durante a temporada, é impossível atingir a limpeza de 100% das ruas e
praias. Em 2000, atingimos 70%, mas este ano queremos chegar a 90%”, diz
Gilberto Santos, diretor do Departamento de Limpeza Urbana.
Uma solução defendida por ambientalistas para a diminuição na coleta e no
tratamento de lixo seria a reciclagem. O município de São Sebastião, tido
como exemplo da iniciativa, ainda tenta deslanchar o projeto. Iniciado em
1989, ele teve bons e maus momentos e agora tenta recuperar a credibilidade
da população. Hoje, das 80 toneladas de lixo diárias, menos de 5 seguem para
a cooperativa de coleta seletiva.
São Sebastião cria aterro com tecnologia alemã
SÃO SEBASTIÃO – A poucos metros do asfalto da BR-101, na margem oposta à
Praia da Baleia, fica o aterro de São Sebastião. São 40 mil metros quadrados
que recebem diariamente 200 toneladas de lixo de 36 praias. Tanta sujeira
que em pouco mais de 2 anos o espaço já seria pequeno para os resíduos
sólidos dos 62 mil habitantes fixos e 200 mil nas temporadas. Mas o
município ganhou um tempo extra. Um novo projeto já triplicou a vida útil do
local e promete expansão maior.
Criado em 1985 como lixão, com os resíduos dispostos a céu aberto e
catadores disputando o espaço com as máquinas, o local foi motivo de
inúmeras brigas com os moradores e veranistas porque exalava mau cheiro e
poluía duas praias da região. Nos dias chuvosos, o chorume contaminava o Rio
Saí e seguia até o mar. Para muitos, a solução seria remover o aterro de lá.
Iniciado na administração anterior, o projeto de São Sebastião foi mantido
no local. Mas inovou na tecnologia de cuidar do lixo. Os primeiros
resultados já podem ser vistos por quem – sim, há pessoas que fazem isso –
visita o aterro. Os urubus já procuram outras áreas.
A tecnologia é estrangeira. Em parceria com uma agência do governo alemão, a
GTZ, São Sebastião importa a técnica da empresa também alemã Faber. No
sistema – tratamento mecânico-biológico – caminhões especiais rasgam os
sacos de lixo para tornar a sujeira mais homogênea. A matéria é então
recoberta com 30 centímetros de cascas de árvores, o que afasta urubus e
acelera a degradação. Num aterro convencional, a decomposição leva 20 anos;
neste, 9 meses. Depois, o lixo é compactado e levado ao destino final.
“Se você não sente o cheiro e não vê o lixo, então não é um aterro”, diz o
secretário de Obras e Meio Ambiente, Wander Augusto. “Neste verão, teremos
uma prova de fogo. Nossa meta é chegar a 100% de lixo tratado.” Este mês,
São Sebastião recebeu o Prêmio Quality Brasil por causa do projeto do
aterro, que será adotado por Santo André e Blumenau.
“Ninguém quer um lixão perto de casa. O local não é 100% adequado, mas
melhorou. Nesta época, o cheiro atingia toda a praia”, diz Anderson Poio, de
21 anos, diretor da Sociedade Amigos da Barra do Saí.