Publicada em 11 de março de 2003
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
O roubo de medicamentos ocupa o segundo posto entre as mercadorias mais
visadas em São Paulo, o maior mercado do País. Perde só para os
eletroeletrônicos. No ano passado, foram levados R$ 36,4 milhões. Em 2001, o
prejuízo somou R$ 12,2 milhões e a carga era a quarta mais procurada.
Preocupa porque esse crime diminuiu 7,65% em 2002, levando em conta todos os
tipos de produtos. É um indicador de que as quadrilhas de remédios voltaram
a atuar, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São
Paulo e Região.
Seria também um fator a mais para que indústria, atacado e varejo se unissem
em torno de uma resolução federal que pretende moralizar a comercialização
dos remédios. Mas a simples idéia de fazer com que só cheguem aos
consumidores produtos com procedência garantida ainda sofre resistências.
A resolução 320 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de
novembro, determina que empresas atacadistas, as distribuidoras, informem
nas notas fiscais o número do lote dos medicamentos. Os laboratórios da
indústria farmacêutica já fazem isso, atendendo à Portaria 802, de 1998. A
crença da agência é de que a nova norma fecharia o cerco à sonegação fiscal
e ao escoamento de mercadoria roubada nas prateleiras das farmácias. Hoje,
não é possível diferenciar o que é um remédio roubado e outro de origem
comprovada.
Para a Abrafarma, a medida que afeta a categoria que representa, a dos
atacadistas, não terá efeito. Segundo o diretor-executivo Jorge Fróes, o
roubo de carga ocorre com freqüência no caminho entre laboratórios e
distribuidoras. E arrisca: se a mercadoria for “marcada” só nessas empresas,
nada impedirá que produtos roubados de um mesmo lote continuem chegando às
farmácias. “Quem deve registrar um filho: o pai, a mãe ou o vizinho?”
O pai e a mãe do produto são os laboratórios. Mas, com base numa tabela de
custos, dizem que nada têm a ver com a resolução 320. “A Febrafarma estudou
a proposta de um sistema de código de barras a ser aplicado em cada caixa de
medicamento. A conclusão é de que os custos são enormes, em muitos casos
inviabilizando a operação do produto ou das empresas”, disse o presidente da
entidade representante da indústria farmacêutica, Ciro Mortella.
“Poderíamos soltar uma norma para todos, mas no curto prazo já teríamos um
resultado muito bom se a aplicarmos nas distribuidoras”, explicou o diretor
da Anvisa Luiz Milton Veloso da Costa. Funcionou em Minas. Projeto feito
pelas Secretarias da Saúde e da Receita Estadual aumentou o controle sobre a
distribuição dos medicamentos nesse Estado. E a arrecadação cresceu 14%
entre janeiro e fevereiro deste ano e o mesmo período de 2002. “Com o número
do lote nas notas fiscais, será possível rastrearmos o produto”, afirmou a
diretora da Superintendência de Fiscalização Maria do Carmo Silveira
Nascimento.
O atual código de barras usado pela indústria não permite armazenar muitos
dados. Com isso, as distribuidoras terão de introduzir um código adicional,
já que boa parte da operação é automatizada pelas empresas do setor,
responsáveis por 70% do volume entregue às lojas. As redes de farmácias, que
compram das indústrias e vendem 4 milhões de remédios por mês, temem que a
introdução de outro código leve a erros. “Mensalmente, poderão ser 640 mil
unidades de erro, já que o processo de etiquetagem será manual”, disse
Sérgio Mena Barreto, da Abrafarma. Em 2002, a indústria entregou ao mercado
1,6 bilhão de unidades de medicamento.
Para um País em que há mais farmácias (55 mil) do que padarias (52 mil),
descobrir os caminhos de um remédio da indústria às lojas é tarefa quase
impossível. Quem rouba medicamentos os distribui nas farmácias. Por isso, a
resolução da Anvisa prevê que esses estabelecimentos obtenham autorização
federal para funcionar. Já há 32 mil pedidos pendentes na agência.
Dificuldades – O presidente da Associação Brasileira do Comércio
Farmacêutico, Pedro Zidoi, criticou a medida. “As distribuidoras vão ter
dificuldade de separar os lotes e as farmácias terão de parar de atender
para verificar o recebimento dos produtos.” Uma loja mediana recebe cerca de
700 medicamentos por dia. Segundo ele, a Anvisa está certa em querer
aperfeiçoar o setor, mas “exagera” ao entrar em áreas de atuação das
vigilâncias sanitárias. “Também queremos moralizar e por isso fazemos várias
denúncias de farmácias que vendem com preços até 70% mais baratos.”
As secretarias estaduais da Fazenda têm interesse na resolução, já que
prevêem aumento da arrecadação caso a norma seja cumprida. Em São Paulo, que
editou um decreto nesse sentido, 4% da arrecadação vem da área de
medicamentos. São cerca de R$ 2 bilhões por ano.
A resolução entraria em vigor em janeiro, mas foi adiada para o dia 27.
Segundo o gerente-geral de inspeção e controle da Anvisa, Antônio Carlos
Bezerra, a punição pode variar de multas de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão até o
fechamento de atacadistas.
Segundo a Abafarma e a Abrafarma, as distribuidoras e redes de farmácias
cumprirão a medida com dificuldades. Zidoi pediu mais prazo para o varejo
obter o autorização de funcionamento. A Anvisa já avisou que a fiscalização
será intensificada em abril, quando a norma entrará efetivamente em vigor.