Publicada em 30 de março de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Para ganhar os aplausos da platéia vale tudo, até passar o
chapéu. O tradicional teatro argentino, que movimenta US$ 20 milhões todos
os anos, rendeu-se à crise e agora busca meios de superá-la. O ator Osvaldo
Santoro criou coragem e é o primeiro profissional a adotar o teatro “a la
gorra” da Argentina, onde não se cobra nada mas se espera a boa vontade dos
espectadores no fim do espetáculo. É um sucesso e um símbolo da resistência.
Segundo a Associação de Empresários Teatrais, o número de espectadores
diminuiu quase 50% no ano passado e se espera um primeiro semestre de 2002
ainda pior. Algumas casas da avenida Corrientes, um dos principais pontos de
concentração em Buenos Aires, fecharam ou viraram templos evangélicos. Com a
classe média empobrecida, as salas estão ficando cada vez mais vazias.
A peça Pequeños Fantasmas, dirigida por Manuel González Gil, estreou em
fevereiro num outro teatro, o Multiteatro, com um público médio de 50
pessoas e ingresso a 20 pesos. No início do mês, mudou para uma sala que
estava fechada havia oito anos e adotou o método “a la gorra”.
A platéia saltou para cerca de 300 pessoas. A renda praticamente se manteve,
já que algumas pessoas deixam entre 5 e 10 pesos. Mas são os muitos que não
deixam nada que alegram Santoro. “São pessoas que iam ao teatro, a classe
média, mas que agora não podem mais. Elas vêm bem vestidas só que sem
dinheiro. Cada um de nós deve ser solidário nesta crise, e essa é minha
contribuição”, afirmou o ator. Aos 54 anos, Santoro diz que nunca viveu uma
situação como a atual e sua decisão foi um ato de protesto.
Na peça, o personagem Miguel é um médico de 40 anos que se recorda do
passado e compara com o seu momento presente. Contracenando com
atores-mirins, que recebem 500 pesos por mês, ele se reencontra com a
criança que era e entende por que a situação atual é tão ruim. “A Argentina
é um país que vai para trás, quando nós vamos para a frente.”
Para superar a crise, os teatros argentinos estão reduzindo seus preços. Os
ingressos que antes custavam 30 pesos, ou US$ 30, podem ser encontrados hoje
por 10. No fim do ano passado, o governo iniciou uma campanha com a emissão
de 5 milhões de cupons de descontos valendo até 5 pesos para cada entrada,
que podem ser usados num outro espetáculo.
“Existe uma crise que não é do teatro, mas do negócio teatro”, assegurou
Carlos Rottemberg, um dos principais empresários do setor na Argentina.
O governo aposta ainda no teatro argentino como um ingrediente a mais para
atrair os turistas estrangeiros, sobretudo se a moeda continuar
desvalorizada. O alvo são os países hispânicos vizinhos, como Chile,
Uruguai, Paraguai e até Bolívia, onde não existe a barreira do idioma. De 10
a 14 de abril, em Buenos Aires, começará o ciclo “Todos al Teatro”. Em 70
salas da cidade, haverá apresentações de peças novas e outras que já saíram
de cartaz. Uma pechincha a 3 pesos.