Publicada em 10 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – O peso segue desvalorizado na Argentina, enquanto outra de
suas moedas, o tango, mantém seu valor. As casas de espetáculos e clubes de
dança perderam parte do público local mas já começam a rever os turistas que
andavam afastados.
Depois de uma temporada de verão fraca, já que em dezembro e janeiro a
instabilidade institucional afastou os estrangeiros, os esforços estão
concentrados para o próximo inverno. Os empresários do setor não se importam
tanto com o público argentino. A economia deles depende dos estrangeiros e
os brasileiros estão entre os que mais fazem falta. “Metade de nosso público
já foi formado por turistas do Brasil. Vamos rezar para que a situação de
seu país melhore e as pessoas possam vir para cá”, afirmou Ricardo Machi,
dono da La Ventana. A chamada “cena-tango-show” (um jantar seguido do show
de tango) de sua casa custa 75 pesos (R$ 65).
Criado no início dos anos 80, o jantar com tango é voltado para os
estrangeiros e se proliferou em Buenos Aires. O Taconeando, um dos locais
mais tradicionais, fechou as portas, reabriu há três anos e aderiu ao
formato. No sábado, o locutor perguntava o país de origem dos
freqüentadores: Dinamarca, Alemanha, Israel, Espanha, Venezuela, Estados
Unidos, Japão e Brasil. Os mais puristas dizem que nem mesmo se dança tango
nesses locais.
“É muito difícil alguém vir à Argentina e não vir a El Viejo Almacén”, disse
Luis Veiga, presidente da casa que existe desde 1969. Há três anos,
construiu um restaurante para não perder a clientela. Funciona todos os dias
e recebe cerca de 250 pessoas.
Contando com três elencos, formados por músicos, dançarinos e cantores, El
Viejo Almacén pode se dar o luxo de exportar seus shows para outros países.
E foi dessa forma que o tango sobreviveu a uma de suas várias crises.
No começo dos anos 90, a companhia Tango Argentino levou a dança mundo afora
e permitiu o surgimento de uma nova geração de dançarinos e orquestras no
país. O governo estima que hoje o tango pode gerar até US$ 400 milhões como
um produto de exportação. Mas para a economia interna também é importante.
Uma casa como La Ventana, por exemplo, fatura 3 milhões de pesos por ano
(US$ 1,1 milhão).
O empresário Miguel Angel Batista investiu US$ 250 mil para comprar a
Taconeando. Sua “cena-tango-show” é mais barata, 35 pesos. “Trabalho com
turista, e não com turismo. Aqui vem o estrangeiro que lê o jornal e procura
um lugar para ouvir e dançar tango”, afirmou Batista. Em outras casas do
gênero, não se dança.
Quem gosta de dançar tem de procurar lugares como o Bar Sur, do empresário
Ricardo Montesino e de sua ex-mulher Beatriz Mendonça. Localizado em San
Telmo, cobra 15 pesos. Atualmente, a maioria dos freqüentadores é de
turistas. “Os estrangeiros vêm, mas não entendem o tango. Os argentinos,
quando tinham dinheiro, vinham, cantavam e dançavam”, lembrou Pola Maria,
cantora do Bar Sur, o mais antigo de todos.
Montesino trabalha na criação de uma associação de casas de tango. Seu sonho
é que elas se juntem para transformar a dança no carro-chefe do turismo
argentino.