Supletivos a distância, no jeitinho brasileiro

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Publicada em 29 de abril de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
e RENATA CAFARDO
Na semana passada, o Conselho Estadual de Educação (CEE) acreditou ter dado
um basta à farra dos cursos supletivos a distância em São Paulo. Com a
edição da norma que determina a adoção de um exame sério para oferecer o
certificado de 2.º grau, esperava-se acabar com um esquema de facilitação de
diplomas, no qual vale mais o dinheiro e menos o aprendizado. A bala acertou
o alvo, mas de raspão. O conselho não teve tempo de comemorar e já começam a
surgir formas de driblar a nova regra, como a formação de caravanas de
alunos enviados para outros Estados, papéis sem validade legal e até a venda
de certificados.
A maioria das escolas que oferecem cursos supletivos a jato ainda tenta
entender a medida do CEE. O aluno acima de 15 anos podia, até duas semanas
atrás, obter um certificado de 1.º e 2.º graus em 90 dias, tempo mínimo para
fazer um curso a distância. A um custo entre R$ 400 e R$ 600, o aluno podia
comprar apostilas ou só questionários e realizava uma prova elaborada e
corrigida pela própria escola. As questões eram praticamente iguais às do
material fornecido. Nada mal para recuperar o tempo perdido.
Por causa das facilidades, São Paulo tornou-se a meca dos diplomas fáceis.
Jovens e adultos de outros Estados chegaram a vir para a capital e cidades
do interior para realizar as provas de supletivo nos fins de semana. Com a
nova norma do CEE, os certificados das escolas serão menos úteis que uma
folhinha do calendário. Se quiser ter seu diploma, o aluno precisará prestar
uma prova autorizada, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “O
modelo ideal é este em que a prova é feita por uma entidade diferente da que
deu o curso”, diz o presidente do CEE, Arthur Fonseca Filho.
O vaivém de estudantes pelos Estados deve aumentar, só que no sentido
contrário. Na semana passada, já estava sendo organizada uma “excursão” para
Mato Grosso. Por R$ 1.500, o interessado poderia inscrever-se na caravana
que leva os jovens para esse Estado às sextas-feiras, com retorno no sábado.
O curso preparatório Politec, na Vila Esperança, zona leste, garantia a
validade dos certificados.
A reportagem do Estado ligou na quinta e sexta-feiras para o Politec
demonstrando interesse no supletivo rápido. Além de confirmar a excursão, a
atendente disse que haveria uma forma mais rápida de obter um diploma de
supletivo, este com carimbo da Secretaria da Educação paulista. Pagando-se
R$ 4 mil para cada nível, o diploma ficava pronto em 7 dias. Para os 1.º e
2.º graus juntos, haveria o preço ficaria em R$ 5 mil. A atendente, que se
identificou como Mara, insistia para que o interessado fechasse o negócio o
mais rápido possível. Ela ainda se oferecia para responder à prova. “Você só
precisa assinar.” (Veja abaixo).
Sem valor – “Isso é crime”, diz o presidente do conselho. “Foge até da
esfera da educação e passa para a policial.” Segundo ele, os “vendedores de
diploma” devem estar adulterando documentos e cadastrando os novos alunos
como se tivessem se matriculado há 90 dias. A secretaria deu prazo até
amanhã para que seus supervisores fossem aos supletivos identificar os
alunos que se matricularam antes da nova regra.
Procurado pela reportagem, o gerente do Politec, Levi Souza de Andrade,
negou que a escola venda diplomas por R$ 4 mil. “Não tem isso. Eu gostaria
de saber, porque até daria mais por eles”, ironizou. Andrade criticou a
norma do conselho, dizendo que houve pouco tempo para a reestruturação dos
supletivos. “O governo deveria ter dado prazo de 3 meses para colocarmos a
casa em ordem.” Ele confirmou que estão organizando uma excursão para Mato
Grosso, como opção, mas não informou o preço.
Com a indefinição do futuro dos cursos supletivos, muitos podem começar a
emitir certificados que não valem para continuar os estudos, mas até servem
para procurar emprego. São os chamados “cursos livres”. Uma empresa ou
associação cria apostilas, realiza uma prova e afere a escolaridade do
aluno. Em seguida, entrega o diploma de “curso de ensino médio,
assistemático, modalidade suprimentos”.
Sem registro – Formado no magistério, na década de 50, Osair de Campos
Pacheco, de 63 anos, tenta ser reconhecido e registrado pelo CEE há mais de
duas décadas. Nesse período, ele já formou mais de 2 mil alunos. “Dou só o
ensino básico, o esqueleto da matéria e fim de papo.” Muitos já arrumaram
emprego graças a esse papel que o conselho prefere ignorar. É o caso de
Arlete Maria da Cruz, de 35 anos. Desempregada, ela comprou as apostilas por
R$ 250 e tirou o certificado com o carimbo da Associação Brasileira de
Consumidores Democráticos (ABCD). Ela apresentou o papel e conseguiu uma
vaga de segurança. “Vale para o emprego, mas não para minha aprendizagem.”
O encarregado de depósito Alcionir Mendes, de 31 anos, preferiu jogar no
lixo o certificado da ABCD, uma instituição criada em 1985 com a finalidade
de “fazer compras em conjunto de alimentos/remédios/utensílios/serviços”.
Mendes explica: “Vi que não tinha muito significado. Não vale a pena.” Ele
optou por um caminho mais longo: voltou a freqüentar a escola. No fim do
ano, deve obter o diploma do 2.º grau. “Pretendo cursar faculdade no ano que
vem.”
Pacheco explica aos interessados que seu certificado não vale para dar
continuidade nos estudos. Ele tem uma coleção de documentos e requisições
feitas a órgãos públicos, incluindo um parecer do extinto Conselho Federal
de Educação, de 1972, que prevê a criação dos cursos livres de suprimento.
Ninguém lhe dá a menor bola.
Há duas semanas, Pacheco recebeu nova resposta do CEE: o órgão nada tinha a
ver com os cursos livres. Fonseca Filho reitera que o conselho só
supervisiona cursos regulares, que precisam cumprir exigências como carga
horária definida e título de professor. Segundo o presidente, os cursos
livres podem ser dados por qualquer pessoa, desde que deixe claro que o
certificado não serve como documento oficial. “Só lamento porque eles podem
induzir ao erro pessoas menos informadas.”
“Hobby” – Numa galeria do centro da capital, funciona a Central Única
Federal dos Detetives. Na sede, cartazes anunciam os “cursos livres
assistemáticos” para 1.º e 2.º graus. O detetive particular Evódio Eloísio
de Souza é o diretor-presidente do Instituto Educacional VI de Maio (Insema).
“O elemento vai instruir-se, de semi-analfabeto ele vai ter conhecimentos
gerais”, explica. As apostilas foram criadas por sua filha, pedagoga. “O
curso livre é apenas um hobby, só para preencher espaço e dar instrução a
nossos detetives. Vale para enriquecer o currículo”, afirma Souza, com
experiência de 40 anos na carreira de detetive e de um mês como educador.

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