Superprodução adia planos da capital da mamona

0
314

Publicada em 12 de março de 2006
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
ENVIADO ESPECIAL
IRECÊ, BAHIA
O bom senso faria de Irecê, cidade do sertão baiano conhecida como “capital
mundial da mamona”, um dos primeiros lugares para montar fábricas do projeto
biodiesel. A matéria-prima é o ganha-pão de mais de 30 mil famílias de
pequenos agricultores que há quase seis décadas manejam o produto. Só que,
para eles, a realidade da política fez com que os maiores especialistas de
mamona do Brasil ficassem de fora do programa xodó do governo Lula.
A região de Irecê tem 22 municípios cuja economia é fincada no tripé feijão,
milho e mamona. Planta-se primeiro o feijão. Se vingar, é garantia da
reforma da casa ou da economia para comprar uma máquina. Depois vem o milho.
Também se vingar, vira o cuscuz e ração dos animais. Já o mamoneiro, que
vinga sempre, é a cultura de subsistência que faz o produtor se fixar no
campo.
Em muitos cantos, mamona é erva-daninha. As sementes explodem no galho, voam
pelo terreno baldio e viram outro pé. Quem se diverte é a molecada, que faz
“guerras” com a pequena bola espinhuda. Em Irecê, a criançada sabe que o
cultivo tem de ser levado a sério. Os grãos viram um óleo de usos múltiplos,
torta de mamona e são moeda de troca.
A produção de Irecê é a maior do Brasil – a região tem condições ideais para
o cultivo. Na safra 2004/2005, foram produzidas 600 mil toneladas. A área
plantada foi de 200 mil hectares, mas já atingiu 250 mil hectares na década
de 80. Esse volume representa 80% da mamona nacional. Nos anos 70, o País
tinha a maior produção mundial. Hoje, está em terceiro lugar, atrás da Índia
(com 50% do mercado) e China ( 30%).
Neste ano, contudo, houve uma queda brutal na área plantada, que ficou em 40
mil hectares. Lavouras foram erradicadas. Em novembro, agricultores
revoltados queimaram o fruto em praça pública. Ato compreensível quando se
descobre que o preço da saca de 60 quilos na época do plantio da safra
passada superava os R$ 85 e na venda despencou para menos de R$ 20. A lei da
oferta e da procura explica só em parte essa gangorra dos preços.
“Os produtores, pela força da propaganda do governo, voltaram ao hábito de
plantar muita mamona”, diz o prefeito Joacy Nunes Dourado (PMDB), de Irecê,
que cultiva o produto e teve de estocar mais de 500 sacas. O Banco do
Nordeste, órgão federal de fomento, enviou técnicos para estimular e
promover o produto. A empresa estadual de apoio ao agricultor, EBDA, foi
generosa no auxílio técnico. O presidente Lula virou garoto-propaganda.
“Todo mundo achou que ia ganhar dinheiro”, diz o prefeito, que, embora faça
críticas, é defensor do programa federal.
O projeto do biodiesel não vingou na região de Irecê e nem mesmo uma fábrica
de processamento (a de esmagamento, que transforma a baga em óleo) foi
instalada. Nos últimos meses, só se ouviram notícias de unidades privadas de
produção de biodiesel sendo montadas no Piauí, Ceará, Pernambuco e Rio
Grande Norte. Os reis da mamona vão perdendo as esperanças.
“Moço, não sei se vai dar certo esse tal biodiesel. Mas seria a solução da
gente aqui”, diz Rosa Alves dos Santos, de 43 anos. Ela tem 16,5 tarefas, ou
7,2 hectares de terra. Vive com cinco filhos em Alto Bonito, na cidade de
Presidente Dutra. Recebe o Bolsa-Família, mas o sustento vem da
aposentadoria do marido, Fausto Ferreira dos Santos, de 70 anos, e da
lavoura de milho, feijão, mandioca e mamona. Quando o dinheiro acaba, vai à
venda com alguns sacos de grãos e troca por mercadoria. Para 1 quilo de
arroz, são necessários 5 de mamona.
A mamona do platô de Irecê é comercializada numa cadeia predatória para os
agricultores familiares. Um quilo do produto de dona Rosa vale R$ 0,40 na
vendinha de Maria de Fátima Vieira. Uma saca de 60 quilos custa, então, R$
24. Ao juntar muitas sacas, consegue vendê-las a atravessadores da Rua do
Feijão, em Irecê, a R$ 28 cada. Estes revendem a fábricas como Bom Brasil,
de Salvador, e A. Azevedo e Bioleo, de São Paulo, por preços que variam de
R$ 37 a R$ 42. São as grandes empresas que ditam os preços, já que abastecem
o mercado nacional ou exportam. A mamona é uma commodity.
Seus derivados são muito cobiçados. Servem para produzir lubrificantes de
alta performance, xampus e batons, próteses mecânicas, óleo de rícino,
vermífugo animal e até antrax, o pó tóxico. O biodiesel não é considerado um
uso nobre. Até a palha seca é mais útil. Estima-se que um quilo nesse estado
seja capaz de remover 750 gramas de carbono da atmosfera. Ou seja, a mamona
interessaria também no comércio mundial de crédito de carbono (quando um
país poluidor paga para outro manter áreas verdes intactas).
Essas informações podem ser obtidas numa visita a Irecê. Políticos,
sindicalistas e produtores repetem os dados como um mantra, e não se
conformam em terem ficado a quilômetros de distância do biodiesel. “O
governo poderia ter acelerado o programa se tivesse trazido os meios para
instalar uma unidade na região”, diz Antonio Jorge Oliver, assessor da
Prefeitura de Lapão, a primeira a construir com dinheiro do Ministério do
Desenvolvimento Agrário uma fábrica de esmagamento do produto. Produzirá
óleo, não biodiesel.
Sem mercado e sem apoio, produtores como Carmelina Maria Queiroz, de 74
anos, vivem reféns da chuva, dos atravessadores e da má vontade dos
burocratas. Mãe de 16 filhos, construiu a casa simples de adobe graças à
mamona. Sonhava em melhorar. Por isso, não se conforma quando lembra que o
Banco do Brasil de Cafarnaum lhe negou um empréstimo para comprar um trator.
Em julho de 1998, o candidato Lula visitou Irecê, a maior cidade da região
de mesmo nome, com 60 mil habitantes, e prometeu: “No meu governo não
faltarão incentivos para o pequeno e médio produtor rural”. Hoje, o produtor
Arcelino Alves Neiva diz que Lula “deixou cair uma construção que só faltava
dar um cimento no pé para assentar”. Aos 76 anos, o veterano plantador de
mamona faz as contas e sentencia que não vai ver, em vida, o programa de
combustível alternativo chegar: “A mamona só prestava para ser biodiesel se
ficasse na casa dos R$ 20. Mas isso não paga as despesas do agricultor”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui