Sol, mar, praias e muitos canteiros de obras

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Publicada em 23 de dezembro de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Quem visitar o litoral paulista neste verão encontrará sol, praias e muitos
canteiros de obras. Haverá caminhões e tratores circulando pelas ruas, mas a
recompensa nos próximos anos – e não nesta temporada – será traduzida em
saneamento básico. Um dos maiores problemas para os prefeitos, eterna dor de
cabeça para moradores e preocupação constante para ambientalistas, o esgoto
vai deixar de poluir rios e mares para ser tratado. Só no litoral norte, o
investimento no setor de 2000 a 2002 será de R$ 230 milhões, quase o dobro
do gasto de 1995 a 1999.
Os atuais índices de saneamento básico no litoral paulista são dignos das
regiões mais subdesenvolvidas. Em Ilhabela, menos de 2% dos imóveis contam
com redes coletoras de esgoto. Em Ubatuba, duas em cada dez casas não
dependem das fossas. No Guarujá, pouco mais da metade tem o serviço. A meta
do programa estadual é elevar esse índice para 85%.
Historicamente, pouco ou nada foi feito para cuidar do problema. Vários
fatores determinavam o imobilismo das ações públicas na área. O custo para
criar uma rede de esgotos no litoral é o principal motivo para o atraso,
como mostra uma série de reportagens que o Estado inicia hoje.
No planalto, lençóis freáticos são mais profundos e uma estação de
tratamento já é capaz de dar conta de uma grande área. Ao nível do mar, a
realidade é outra. A água do subsolo é mais próxima da superfície, tornando
caros os sistemas de coleta e tratamento de esgoto.
Em São José dos Campos, uma única estação de tratamento de esgoto é capaz de
expandir a rede em 40%. Em São Sebastião, construir uma só estação seria
jogar dinheiro fora. No projeto em andamento, estão previstos 11 centros de
processamento. “No litoral, as obras fogem do padrão de outros lugares”,
explica o prefeito Paulo Julião (PSDB).
O lixo, outro problema crônico do litoral, sobretudo na temporada, começa a
receber um tratamento mais adequado. Além da retomada tímida da coleta
seletiva, os lixões estão dando espaço para aterros sanitários – muitos
limitam-se a empilhar sujeira sobre sujeira.
A multidão que invade as praias na temporada deixa um rastro de sujeira
muito maior do que as prefeituras podem suportar. O volume mais que triplica
nos meses de verão. “Há dois anos, quase não entrava lixo aqui. Hoje, já
estamos com falta de espaço”, diz José Antônio Rodrigues Mesquita,
encarregado do aterro de Ubatuba.
Por causa disso, a prefeitura está derrubando a mata vizinha do local para
ampliar a capacidade. Por duas temporadas, o problema será adiado.
Para triplicar a vida útil de seu aterro, São Sebastião importou tecnologia
alemã. O sistema de tratamento mecânico-biológico faz com que a sujeira seja
consumida em um prazo bem menor de tempo. Nos aterros tradicionais, a
chamada estabilização dos resíduos leva 20 anos para ser concluída. No novo
método, apenas nove meses.

Tratamento não garante água menos poluída
UBATUBA – A Praia de Itaguá, na região central de Ubatuba, é uma síntese da
ocupação desenfreada do litoral paulista. A prefeitura corre contra o tempo
para entregar as reformas do seu calçadão. É o que há de melhor para ser
desfrutado. Poucos se arriscam a entrar no mar: o Rio Tavares está poluído.
“Dá vergonha de ver o que estão fazendo com este rio”, diz Marcia da Silva
Moraes, de 32 anos, que desde os 2 cresceu numa casa vizinha ao leito do
Tavares. “Antes, quando era menina, nadava nessa água. Hoje, não tenho nada
para mostrar aos meus filhos.”
A ironia é que Marcia mora ao lado da Estação Central de Tratamento de
Esgoto do município, chamada Estufa 2. No quintal de sua casa, observa o
duto que leva os efluentes diretamente para o rio. Ela culpa a Sabesp pelo
aumento da poluição, mas segundo o gerente da companhia Gustavo Sousa Diniz,
essa é uma cobrança injusta. Sem esse tratamento primário, os turistas
veriam chegar à areia da praia camisinhas, absorventes, sacos plásticos e
pontas de cigarro – materiais separados na estação.
A Estufa 2 só vai estar concluída em dezembro de 2002. Mas mesmo com a
finalização das obras não há garantia de que a poluição desaparecerá. A
margem direita do Tavares transformou-se num córrego onde o esgoto corre a
céu aberto e não há rede coletora. Uma favela passa por ele e os dejetos das
casas e barracos são lançados diretamente na água. Condomínios também fazem
ligações clandestinas que deságuam ali.
O avanço dos empreendimentos imobiliários ocorre, na maioria das vezes,
muito antes da chegada da infra-estrutura básica. Tome como exemplo os
loteamentos Mar Verde 1 e 2, em Caraguatatuba. Na portaria do condomínio, à
beira da estrada, há uma placa que pede economia de água. Mas nenhum cano da
Sabesp entra nas casas do loteamento. Os atuais 320 imóveis têm de recorrer
aos poços semi-artesianos.
Promessa – “Em janeiro, disseram que a água viria em 2001 e o esgoto no ano
que vem. Até agora, nem sinal da água”, diz Helcio de Loyola, de 70 anos,
presidente da Sociedade Amigos do Mar Verde. Os loteamentos estão embargados
na Justiça porque a Promotoria do Meio Ambiente questionou a degradação de
uma área verde que fica dentro do lote.
“Pleiteamos o esgoto porque não queremos poluir a praia”, acrescenta Loyola.
É um risco em potencial. Como o esgoto é direcionado para as fossas, que não
têm controle rígido, o lençol freático pode ser atingido e a poluição pode
chegar até o Rio Mococa, que cruza os dois loteamentos. Do outro lado da
estrada, fica o condomínio Costa Verde Tabatinga, uma fortaleza onde vários
famosos têm casas de verão. Nele, há um sistema próprio de captação da água
do rio e tratamento de esgoto.
Exatamente um ano atrás, sete organizações não-governamentais reuniram-se na
Barra do Saí, uma praia de São Sebastião, para reivindicar tratamento de
esgoto no litoral norte. Apesar de grande parte dos imóveis servir de casa
de veraneio dos turistas, a coleta e o tratamento de resíduos sempre foram
relegados a segundo plano. Ubatuba possui 19% dos imóveis com rede de esgoto
e Caraguatatuba, 20%. São Sebastião tem o melhor índice, 30%, e Ilhabela o
pior, 2%.
Estudos provam que quanto maior o recolhimento de esgotos, melhor a
balneabilidade das praias. A Praia de Martim de Sá, em Caraguatatuba, é
prova disso. Com uma estação de tratamento em funcionamento há dois anos,
ela voltou a ser freqüentada pelos banhistas.
Enquanto as obras de saneamento básico não atingem todo o litoral, as
soluções de comunidades mostram que a população tem pressa nos resultados.
Presidente da associação de pescadores Acaju, Pedro Paes Sobrinho, de 65
anos, reúne uma vez por mês seus amigos para limpar o Rio Juqueriquerê, que
deságua numa praia central de Caraguatatuba.
Nesta temporada, os associados já estão pensando em realizar o mutirão
semanalmente. Em cada operação, os barcos recolhem mais de meia tonelada de
lixo. “Mas de que adianta tudo isso se ainda tem muito esgoto caindo
diretamente no rio? Depois de acabar com ele, não há dinheiro que vá
devolver a vida dele”, diz Paes Sobrinho.

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