Sinais da crise chegam ao bairro da Recoleta

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Publicada em 11 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Caminhar pela ruas e avenidas do bairro da Recoleta é um dos
passeios mais agradáveis na capital da Argentina. Em poucos quarteirões, há
bares e restaurantes badalados, lojas de grifes famosas, diversos pontos
turísticos, hotéis de luxo, shopping center, cinemas e um cemitério famoso.
Nos fins de semana, mulheres e homens com suas roupas elegantes desfilam nos
calçadões e praças bem cuidadas.
Algum sinal de crise? Sim, vários deles.
O Alvear Palace Hotel, o mais bem freqüentado de Buenos Aires, registrou nos
últimos seis meses uma taxa de ocupação média de 55%. Há quatro anos, não
era inferior a 80%. É um engano pensar que a diária média de US$ 295 tem
assustado os clientes. De cada dez hóspedes, nove são estrangeiros. “O
problema não é custo, mas segurança. As imagens de violência no país que
percorreram o mundo assustam”, admite a gerente de Relações Públicas do
hotel, Maria Laura Mata.
Na mesma Avenida Alvear onde está o hotel de luxo, estão localizadas lojas
de marcas internacionais caríssimas. A grife italiana Ermenegildo Zenga é
uma delas. Seus produtos importados têm produzido uma dor de cabeça que
meses atrás seria inimaginável. “Nossos clientes argentinos são ricos, mas
ainda estão se acostumando aos novos preços. O que era US$ 140 agora são 320
pesos”, diz Gustavo Garibaldi, gerente da loja.
Uma quadra depois fica a sucursal argentina da francesa Louis Vuitton, que
vende artigos de couro. Há 16 anos no país, seus vendedores já repararam que
os seus antigos clientes mudaram de comportamento. “Suas compras agora são
mais racionais”, explica o diretor de Marketing Ricardo Reyes. Até o momento
não se trabalha com prejuízo, mas a previsão é de que não haja crescimento.
Por esse motivo, a unidade terá investimentos tímidos este ano. Os franceses
preferem colocar seu dinheiro nas lojas do Brasil, México, Venezuela, Chile
e Uruguai.
Pior situação parece estar o Emporio Armani, uma franquia controlada pelo
grupo argentino Exxel. Com o peso desvalorizado, as próximas compras de
produtos importados da marca sairão bem mais caras e isso vai repercutir nos
preços. “A maioria diz que podemos fechar”, afirmou um dos gerentes da loja
que pede para não ser identificado.
O turista que recorrer ao Guia Buenos Aires do Grupo Clarín imaginará que a
Galeria Alvear continua com suas sucursais de galerias de arte, livrarias e
lojas de roupas. Uma dezena delas já fecharam. Em outra galeria, a
Promenade, a pequena loja Lisis Cueros viu as vendas caírem 70% desde julho.
Há muito poucos compradores para artigos que custam de US$ 80 a US$ 300.
No domingo, o administrador do Hereford Restaurant, Rodolfo Buonocore, teve
de ser delicado para explicar a um grupo de brasileiros que não cobra caro
pela comida que vende. Eles queriam pagar numa taxa de conversão de US$ 1
para 2,80 pesos. Aceitaram converter a moeda americana por 2,50 pesos e
pagaram a conta de 48 pesos (R$ 42) para seis pessoas. “Vivemos uma mentira
comercial. Eu não sei qual é o preço verdadeiro de um prato”, diz Buonocore.
A sorveteria Munchi’s tinha um dos sorvetes mais caros do mundo, a US$ 3 a
menor porção. Hoje, são 3 pesos e as vendas vão bem. No La Biela,
tradicional ponto entre a Avenida Quintana e Calle R. M. Ortiz, as pessoas
ainda sentam para tomar um café e ver o movimento do calçadão. Mas as
diversas mesas do lado de fora passam boa parte do dia vazias.
Melhor sorte tem o Etoile Hotel, vizinho ao La Biela. Depois de um
desastroso 2001, onde a taxa de ocupação média foi de 40%, o hotel começa a
receber turistas. Desde janeiro, 85% dos 96 quartos estão ocupados.
Resultado de uma diária de 200 pesos, o que para muitos estrangeiros é uma
ninharia já que o hotel fica bem no coração da Recoleta.

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