RETRATOS DO BRASIL CONSUMO Quando elas vão comprar

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Publicada em 10 de dezembro de 2005
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Ângela costura para a empresária Laura, fornecedora de butiques como a de
Juliana, que revende as roupas a clientes ávidas por ficarem bonitas, como
Alessandra. Para fazer um vestido, a costureira leva um dia inteiro. Tempo
suficiente para ela imaginar quem vai vesti-lo, as festas nas quais a peça
vai brilhar. “Ah, será uma estrela, uma artista de TV”, suspira. Quando o
dia acaba, contudo, pensa na janta do marido ou nos dias que faltam para o
fim de semana, quando pode ir passear num shopping. Coisas banais com as
quais, ela tem certeza, as mulheres dos seus vestidos jamais se preocuparão.
A costureira Ângela Maria Ferrari, de 40 anos, faz parte daquele grupo de
brasileiros classificados entre os 20% mais ricos pela renda familiar. Com
os R$ 1.200,00 que recebe e os R$ 2 mil que o marido ganha pintando paredes,
nada em sua casa alugada reflete isso. Família grande, quatro filhos, a mais
velha casada e ainda dependente, o casal prefere poupar e só compra à vista.
A última aquisição, quatro meses atrás, foi um aparelho de som a R$ 900,00,
com desconto, nas Casas Bahia. A televisão, uma de 20 polegadas, só
sintoniza os sinais abertos, já que eles não têm TV a cabo. Celular, um
pré-pago, para o marido poder ser encontrado.
Levantamento da Ipsos, empresa de pesquisa de mercado, feito com
consumidoras, as donas de casa que definem o padrão de compras da família,
indica que as pobres são mais fiéis aos produtos da chamada linha premium. O
mais simbólico é o sabão em pó Omo. Como sabem que a renda é pouca e não
sobra dinheiro para viajar, a casa passa a ser o universo delas. Daí a
importância de ter na despensa produtos de qualidade.
Ângela foge a essa regra na hora de fazer o supermercado. Para gastar os R$
350,00 da compra do mês, ela pensa no bolso. Sabão em pó é levado pelo
cheiro. Arroz é Tio João. Prefere papel higiênico Suave, creme dental
Kolynos e refrigerante Dolly (“É igual à Coca-Cola”). Não consome produtos
dietéticos e satisfaz os filhos crianças na sessão de bolachas. Danone, só
se tiver na promoção. “Sou gastona”, diz Ângela, que compra roupas na
Riachuelo, nas Pernambucanas e no Magazine Fernandes, no Tucuruvi, onde
mora. “Não vejo marcas de roupa. Bati o olho e gostei, levo.” Qualquer
preço? “Mais que R$ 180,00 não pago. Hoje, roupa virou descartável.”
Laura Tonet Tambosi, de 40 anos, é uma crítica do mundo da moda. “Quando
sobra uma grana, o brasileiro que não tem casa própria vai aos Jardins
comprar uma calça Diesel. Ele é muito deslumbrado.” Poderia até soar
incoerente, já que Laura é uma empresária que vende roupas fashion. Dona da
Corpo Justo, loja multimarcas do Mega Polo Moda no Brás com filial no Itaim,
ela tem o perfil de consumidora exigente. Poderia, mas não freqüenta a
Daslu, por exemplo. “O dinheiro não aceita desaforo.” Ciente de que vende o
supérfluo, o desejo, adota outro padrão para sua família.
A empresária adquire produtos de qualidade por causa do filho de 4 anos.
Toda semana compra frutas e verduras frescas no Natural da Terra, um
hortifrúti do Itaim voltado para as classes A e B. É lá que encontra ameixas
espanholas, nectarinas portuguesas e outros produtos básicos que sabe ter
procedência garantida. No supermercado, ela mudou um hábito muito freqüente
entre os ricos: deixar um cheque em branco para a empregada. Em recentes
blitze, percebeu que as compras do mês poderiam ficar 50% mais baratas.
Como? “Procuro qualidades compatíveis com menores preços e não compro nada
exagerado”, aconselha.
CLIENTES VIPS
Não é essa a filosofia de Juliana Santos Rosera, de 28 anos, cliente de
Laura. Ex-sacoleira do Brás, Juliana ainda se lembra de quando descobriu na
capital paulista um mundo de compras. Gastou tanto da primeira vez que teve
de contar moedas para voltar para casa de ônibus. Hoje, isso é só uma
recordação engraçada. Ama fazer supermercado, Pão de Açúcar ou Carrefour, e
comprar produtos como queijos e vinhos importados. Seu critério de escolha
se encaixa nas teorias dos profissionais de marketing. É seduzida pelas
cores e formas das embalagens. De cabeça, lembra de marcas como Close-Up,
Dove, Leite Moça, Bombril, Coca-Cola, Omo e Pampers (as fraldas de seu filho
de 1 ano). “Confesso, vale mais a aparência que o preço.”
Revendedora exclusiva das roupas da Corpo Justo, Juliana montou uma butique
para grã-finos. “Na Lima Limão não tem mulher comum”, define. Com
faturamento mensal de R$ 100 mil, a loja é um sucesso em Piracicaba. E
permite que a microempresária se esbalde nas compras. “Consumo? Eu a-do-ro,
é o bem-estar da pessoa.” Vestir-se bem, estar com cabelos escovados, unhas
pintadas e corpo em forma é uma necessidade para quem vende diretamente ao
consumidor, explica Juliana. Ela gasta R$ 2 mil com as vaidades.
Nisso, Juliana se identifica com Alessandra Moda, de 33 anos, uma de suas
clientes vips. Estilista, mas hoje dona de casa, Alessandra é assídua
freqüentadora de academias e salões de beleza e estética. Tem dois filhos
crianças e um marido auditor fiscal. Não mede esforços para ficar bonita e
se vestir bem, mesmo em casa. “Já ouvi falar que a pessoa é consumista
porque falta alguma coisa em sua vida. Não sou assim.” Por mês, gasta cerca
de R$ 3 mil com roupas. “Adoro quando me perguntam onde comprei tal peça.”
Sua filha de 11 anos já é viciada em moda e se delicia em provar com a mãe
as roupas que a Lima Limão envia em sacolas todas as semanas.
A família vive num condomínio fechado em Piracicaba, numa confortável casa
decorada por Alessandra. Uma vez por ano, troca parte dos móveis. “Canso
fácil. Meu marido diz que ainda bem que não canso fácil dele.” Tem dois
carros Peugeot trocados há não mais de dois anos – queria ter de outra
marca, mas a violência exige que seja mais discreta. Já viajou para o
exterior, para lugares como Miami, o paraíso das compras. Não liga para
supermercado, a empregada é quem vai. Nem lembra do nome dos produtos, a
empregada sabe. Para satisfazer a todos, tem cinco TVs com sistema a cabo,
DVD, videocassete, home theater, aparelho de som e computador.
Alessandra não é atriz como imaginava a costureira. Detesta modinha de
novela. O importante é ser única, exclusiva. Pelo menos em Piracicaba,
precisa vestir algo que só ela terá. Daí não se importar em pagar R$ 400,00
pelo vestido costurado no Tucuruvi a um preço de custo de R$ 35,00. Ângela
precisaria trabalhar sete dias das 7h30 às 17h30, como faz de segunda a
sexta-feira, para comprar a mesma peça. Mas ela tem outras prioridades para
sua família. Todas elas têm as suas prioridades. Afinal, é disso que é feito
o consumo.

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