Publicada em 4 de novembro de 2007
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Quando a educação brasileira chegar ao Primeiro Mundo, o Nordeste pobre vai estar mergulhado num triste Terceiro Mundo. Em 2022, ano do bicentenário da Independência e quando o País pretende atingir a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) estabelecida pelo governo, só 44 cidades nordestinas da educação infantil à 4.ª série e 58 da segunda fase, da 5.ª à 8.ª série, vão alcançar esse nível. Os outros quase 1.400 municípios do semi-árido brasileiro, sertão que vai do norte de Minas ao interior do Nordeste, ficarão para trás.
O cruzamento das projeções do Ideb sobre a região, feito pelo Estado, mostra que, em dez anos, dois terços das cidades continuarão abaixo do atual nível de ensino brasileiro. Hoje, a média nacional é de 3,8 no primeiro ciclo e de 3,5 no segundo. A do semi-árido está em 2,7 nas duas fases. “Se o Nordeste vai ser de Terceiro Mundo, hoje ele é de Quarto”, arrisca o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, economista que criou o índice.
Só com um esforço maior o Nordeste pode reduzir a diferença. Não por acaso o ministro Fernando Haddad iniciou a Caravana da Educação visitando os Estados nordestinos. Das 1.242 cidades que receberão ajuda do MEC para melhorar mais rapidamente seu índice, 820 são do semi-árido. A reportagem visitou escolas da região, conversou com professores, diretores, pais e alunos. A realidade é dura para quem tem de ensinar ou aprender. Para eles, o Ideb chegou, mas ainda parece um número abstrato.
Ensino ruim, politicagem e Severino larga os estudos
Ele principia a letra S por baixo, vacila no E, titubeia com as pernas de um V, inverte o E, prossegue com o R e o I, leva um tempo no N e finaliza com um O torto. Numa voz encabulada, lê o que rabiscou no chão: “Severino. O resto, ‘Costa de Araújo’, não sei, não”. Aos 13 anos, Severino largou os estudos sabendo ler e escrever o primeiro nome e metade do alfabeto. Mais nada. O sobrenome e o mundão de palavras que a professora riscava na lousa ele ignora. Cansou de sentir-se um ignorante em sala de aula. Foi viver como um dos irmãos mais velhos, Abrão, que também não sabe escrever o sobrenome da família.
A Escola Municipal Felipe André Bezerril Souto, na cidade de Lagoa D’Anta, no Rio Grande do Norte, bem que tenta convencer Luzinete Alexandrino de Lima Araújo, de 54 anos, mãe de Severino, que educação importa. O Conselho Tutelar foi avisado das faltas freqüentes do garoto e de tantos outros que têm deixado de assistir às aulas. Mas não são só com cartas e visitas de diretores e professores que se pode convencer um aluno a não abandonar os estudos. Severino explica: “Não tinha nada de ruim, mas também não tinha nada de bom. Eu ficava com muita preguiça de acordar cedo e ir lá ficar só copiando lousa.”
Severino ainda acorda cedo. Uma vez que não quer estudar, a mãe entendeu que ao menos tem de ajudar o irmão de 30 anos na broca, o roçado visto como o futuro da família. “Ele não estuda porque não me obedece.” O dono dos três hectares cedeu a terra pelos próximos três anos. O que os Costa de Araújo plantarem será deles. Hoje só plantam esperança, porque têm muito que desmatar e capinar. Já às 7 horas, o garoto está escopeando os galhos espinhosos com a foice. Abrão, que ensinou o verbo ao repórter, vai arrancando os troncos retorcidos com o “enxadeco”. Expediente que só termina no fim da tarde. Em nenhum momento o adolescente diz sentir falta da escola.
Severino poderia trabalhar numa das várias casas de farinha de Lagoa D’Anta. Dezenas de alunos fazem isso. Dupla jornada ou única para os que largaram os estudos. Ganharia menos de R$ 100 por mês para descascar mandioca. A outra opção seria “pegar na lei”. O pai, que hoje vive longe, tentou convencê-lo de que era o pior dos mundos. Pegar na lei é virar bandido. Como o irmão mais velho, acredita que no meio do mato fogem desse risco.
A diretora Adezilda Bento de Medeiros, professora de história e na direção desde 2001, admite cansaço e desmotivação. São tantos Severinos. “A evasão é muito grande. A cultura da sociedade local não é motivada para o estudo”, explica.
Nascida em Lagoa D’Anta, Adezilda podia ser uma referência para professores e alunos. Filha de pai analfabeto e agricultora até os 18 anos, ela cursou o ensino superior até a pós-graduação (só 2 em cada 1.000 brasileiros chegam a esse nível). Mas a diretora não é vista como exemplo. E só a política, diz ela, pode servir de justificativa.
Em 2004, a prefeita da cidade teve o mandato cassado. Naquele ano e no outro, os grupos adversários transformaram cada centímetro do município num palanque político, inclusive as escolas. Professores da Felipe Bezerril dividiram-se. Uns apoiavam Adezilda, parte fazia corpo mole. Nos fins de semana e até durante a semana, havia festas regadas a forró e bebida. Na manhã seguinte, a freqüência em sala de aula desabava. Inclusive de educadores.
PAIS AUSENTES
A professora Maria de Fátima Gomes da Costa sente-se desolada. Como se o diploma que tanto se esforçou para obter, educadora com nível universitário, valesse muito pouco. “Sinceramente, sinto-me sufocada”, diz ela, depois de encerrar uma sala de aula. Naquele dia, apenas uma aluna dormiu no turno da manhã. “Está mais difícil ensinar. Antes o professor era respeitado. Hoje os alunos não querem mais escutar.” Segundo ela, os pais deixaram de participar da educação dos filhos. Só fazem mandar as crianças para a escola e mais nada.
A distorção idade/série é outro fator que agrava o baixo desempenho da escola Felipe Bezerril. Mais de três quartos dos alunos enfrentam o problema. Há alunos pequeninos misturados aos grandões. Uns alfabetizados ao lado de outros que apenas copiam as letras do quadro-negro. Parece festa infantil. Uma sexta-feira normal, como a presenciada pelo Estado, tem educadores ensinando o 4.º ano a colar figurinhas numa folha de papel ou liberando a turma do 3.º ano para dançar forró e música brega na sala. “É difícil dar conteúdo. Você tem de ensinar para os que acompanham e fazer atividade extra para os que não acompanham”, admite o professor Renato Soares de Oliveira. “Sim, temos alunos da 5.ª série que não estão sabendo escrever”, admite a diretora Adezilda.
A taxa de evasão da escola é de 26% e a de repetência, 20%. Esta última só melhorou porque foi adotado o sistema de progressão continuada para as três primeiras séries do ensino fundamental. Os estudantes passam mesmo sem saber. São 698 alunos nos três turnos. Cada professor ganha, em média, R$ 740 para uma jornada de 30 horas semanais. Não está, assim, entre as piores remunerações da educação brasileira. Incluídas no Programa de Desenvolvimento do Ensino (PDE), as escolas da cidade torcem para que a ajuda federal chegue rápido. Antes de novas eleições.
Uma cidade que aprendeu a cultuar as letras
O recreio matinal na Escola Municipal Professora Terezinha de Lourdes Galvão tem um sabor especial para a diretora. É a hora de receber abraços dos estudantes. Carinhosos e espontâneos, dizem muito de uma das melhores escolas não só do semi-árido como de todo o País. Ana Maria de Azevedo Silva, a “tia Ana”, e quatro auxiliares agem como vigia, pajem e monitora da criançada, enquanto os professores podem descansar e comer. “Queremos transmitir que estamos aqui para protegê-los. Qual é a criança que não abraça o pai protetor?” Funciona assim a escola chamada por cada um dos que trabalham nela como família Lourdiana.
Em 2001, a família Lourdiana e as outras escolas de Acari, no Rio Grande do Norte, viam seus alunos com dificuldades crônicas de leitura e escrita. Ninguém sabia ao certo o que fazer. A saída foi pedir ajuda ao Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Associação Comunitária. Durante um ano, professores e diretores se envolveram numa terapia educacional, conhecendo novas práticas de estímulo à leitura. “Com uma pedagogia prazerosa, as escolas entraram numa euforia de leitura e escrita”, lembra a secretária de Educação, Marluce Medeiros.
O gosto pela leitura ganhou forma e conteúdo com o Baú da Leitura, a Noite de Autógrafos (um livro de brincadeira feito pelos alunos), o prêmio para melhor resenha literária. As idéias simples de cultuar o livro contagiaram. Pais se entusiasmaram quando seus filhos passaram a ler com mais desenvoltura. Eles próprios quiseram ingressar nesse universo. E assim, como uma bola de neve, a educação foi se agigantando. Se tudo der certo, o município vai ter educação para lá de Primeiro Mundo em 2022.
É ainda mais curioso que a cidade tenha se saído tão bem no Ideb quando se descobre que os professores municipais ganham mal: R$ 494 por 40 horas semanais. No Estado, o salário é de R$ 650 por 30 horas semanais. Município encravado no Seridó, Acari faz malabarismos contábeis para dar merenda com arroz, feijão, macarrão, sopa, cuscuz e cachorro-quente, que ninguém é de ferro. Oferece uniforme e transporte, sem ter ônibus próprio. Na família Lourdiana, reforço escolar está a cargo de Vera Lúcia de Azevedo. Paciente, ela pega alunos como Samuel Tavares, de 7 anos, do 2º ano, que confunde ‘ce-go-nha’ com ‘sem-ver-go-nha’, e os motiva a estudarem.
Em Acari, escolas estaduais e municipais jogam juntas. E ambas cobram a participação da sociedade. Na Escola Estadual José Gonçalves de Medeiros, os alunos têm atividades curriculares no Museu Histórico de Acari, cuja diretora, Francinete Ferreira de Azevedo, é professora de história. Antigos presídio e Casa da Câmara, o museu tem ambientes temáticos do semi-árido. Ali se tem aula até de matemática e física.
ALUNOS FISCAIS
“A nossa filosofia é exigir, e não só dar nota. Cobramos que o professor ensine bem e tenha um aluno que corresponda”, explica a vice-diretora Maria do Socorro da Silva. Para resolver o problema do distanciamento família-escola, a José Gonçalves de Medeiros iniciou uma série de atividades culturais que envolvem pais e filhos. E, na época da entrega dos boletins, se o pai não comparece, a escola vai até ele. Aos sábados.
O diretor José Cavalcanti Filho gosta de dar exemplo. Entra de manhã e todos vão encontrá-lo nos turnos seguintes. Apesar de receber dinheiro para a merenda, o ensino fundamental distribui a comida também para o médio. “Todo mundo não tem fome?” A escola criou a figura do líder da classe. Se um colega faltar cinco dias, o “bedel” avisa e os pais são procurados. Na família Lourdiana, essa missão é do presidente do conselho da escola, Ailton de Oliveira, voluntário e professor.
Acari, como outras escolas do Nordeste, acelerou a formação de professores por meio de cursos de fim de semana promovidos pela Universidade Vale do Acaraú. Nas escolas, faltam computadores conectados à internet. Quem precisa recorre a lan houses. O mimeógrafo está velho, mas ainda é útil. As paredes descascadas ou os tetos mofados dos prédios escolares precisam de pinturas. Educação física é improvisada no terreno das unidades ou no clube municipal. Laboratório de ciências é coisa que só se vê na TV. Adversidades que passam despercebidas diante da qualidade da educação. Certa vez, deram-lhe o título de cidade mais limpa do Brasil. Hoje, não seria um erro se rebatizassem Acari de a cidade das letras.
Quebrar pedras a estudar: uma opção
Alisson dos Santos Souza prefere quebrar pedras a estudar. Ao despertar, já se imagina no garimpo, ganhando dinheiro, e não na escola, que freqüenta quase por obrigação. Às vezes, assiste a uma aula com “ódio”. A palavra é dura. “Quando peço uma resposta para o professor e ele diz ‘cace no livro’, fico com ódio. Sinto raiva dele. O cabra pede um assunto de matéria e ele não quer dar?” Os planos do jovem de 14 anos são chegar até a 3ª série do ensino médio. Faculdade é perda de tempo, porque, para ele, quem fizer vai seguir sua mesma sina, a de quebrar pedras.
Em Pedra Lavrada, na Paraíba, a palavra “mineração” significa emprego. As crianças crescem querendo ser como os pais, agricultores teimosos no semi-árido. Quando jovens, preferem migrar. Se for ficar, o jeito é garantir-se com uma vaga no serviço público ou no garimpo. No primeiro caso, estudo vale ouro, mas dá trabalho para nem todos chegarem lá. No segundo, Alisson já tem as ferramentas de que precisa: um martelo e uma luva de borracha.
Ao acordar antes das 6 horas, para não perder o ônibus escolar que passará 45 minutos depois, o jovem não apanha as ferramentas, mas cadernos, livros, canetas e lápis. Uma hora e meia mais tarde, chega à Escola Municipal Maria Elenita Vasconcelos Carvalho. O sítio Cachoeira da Josefa, onde mora, fica perto do local de estudo. A demora deve-se à quantidade de paradas para apanhar os alunos da zona rural que têm de estudar no centro da cidade.
Nas comunidades de chão de terra, a educação básica só vai até o 4º ano do ensino fundamental. Muitas vezes, em salas multisseriadas, juntando quem não sabe ler com quem sabe. Para quem passou dessa fase, o aluno é quem vai até o grupo escolar. Na volta, quando todos retornam para casa, Alisson pára no meio do caminho, no pé do Morro Alto Branco.
ALTA EVASÃO
Alisson é parte de uma história mais complexa da Maria Elenita. Pelo Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a escola ficou entre as piores do Brasil. E quando o País atingir o ensino de Primeiro Mundo, em 2022 ,como se espera, a unidade vai estar no padrão da educação brasileira de hoje. No dia em que soube dessa notícia pelos jornais paraibanos, o diretor Antonio Cordeiro Rodrigues sofreu um “blecaute”. “É como se dissessem: você é o culpado. Fiquei em choque. Não dá vontade de levantar e caminhar pelo povo”, resume.
O resto da escola sofreu junto. “Onde estamos pecando tanto que não atingimos a qualidade? Alguém tem de vir de fora explicar? Por que o nosso bolo não fica tão fofinho quanto o dos outros?”, indaga a vice-diretora Shelzea Maria Bezerra Oliveira. O secretário de Educação, Diogo Kennedy Dantas do Nascimento, desabafa: “Se somos considerados os piores, já deveríamos ter sido atendidos pelo MEC. Municípios foram visitados antes do nosso. Parece que vai ser o contrário: os piores serão os últimos”.
A escola enfrenta problemas comuns ao semi-árido. Taxa de evasão alta, sobretudo no período noturno, disparidade de ensino entre as zonas urbana e rural, distorção entre idade e série na casa dos 80%, alunos que avançam de ano sem saber ler e escrever.
“Antes havia o querer aprender. Cada geração tem seus valores. Hoje a mídia influencia tudo. Querem ser jogador de futebol ou modelo”, diz Antonia Maria de Almeida Macedo, 50 anos de idade e 15 de magistério. “Se o aluno tem dificuldades de decodificar letras, imagine ler as entrelinhas de uma Prova Brasil? Não tem essa noção de mundo”, diz Claudiane Maciel da Rocha, professora de português.
REPETÊNCIA EM MASSA
A 32 quilômetros de Pedra Lavrada fica São Vicente do Seridó. Wagner Tavares Vasconcelos leciona nas duas cidades. Ele estranha que a primeira tenha ido tão mal perto da segunda, se nesta as escolas têm sérios problemas de estrutura. “E a diferença entre os alunos não é tão grande. Por isso gostaríamos de saber como atacar o problema.” Com 1.324 alunos, professores recebendo R$ 722 por uma jornada de 25 horas semanais, todos com diplomas das universidades Estadual e Federal da Paraíba, a escola Maria Elenita está imersa num profundo ponto de interrogação.
Direção e professores já se reuniram algumas vezes para buscar respostas. Traçaram um diagnóstico contemplando tudo o que vêem como problemas. Lembraram até que estão numa cidade cuja taxa de analfabetismo é superior a 40% entre os maiores de 16 anos, que a mineração surrupia metade dos alunos do período noturno até a metade do ano e, se apertar demais o ensino, a desistência cresce proporcionalmente. “Parece que o professor é culpado de tudo, mas o aluno daqui foge da sala de aula, não se interessa”, lembra Claudiane.
A vice-diretora Shelzea se recorda da última reunião que convocou com cerca de cem pais das duas turmas com maiores problemas de notas e nível de aprendizado. “Só vieram seis. Detalhe: eram os dos alunos que não têm problema algum. E aí? O que faço?” No fim de ano, quando o boletim final indica repetência de grande parte da turma, as famílias comparecem em massa.
O pai de Alisson estudou até a 4.ª série. Começou a trabalhar com 8 anos. Aos 22, largou a escola para se casar. Há 10, herdou 1,2 hectare. De lá para cá, nunca viu vingar uma cultura de milho ou feijão. E o garimpo sempre garantiu a mesa da família. Há dois anos, decidiu arrastar o filho para o mesmo destino. “Não vou deixar ele em casa sem fazer nada”, justifica José Antonio Batista dos Santos, o Zuza, de 40 anos. “Muitas vezes não tive condições de dar o do dia para eles, imagine se posso dar o futuro?”
Alisson poderia protestar, revoltar-se, mas, como o sonho de ser um atacante como Kaká nunca se realizará, a única possibilidade é focar na escola, de que um dia já chegou a gostar. Entre as lembranças que guarda estão “a turma do fundo” e “a fofoca com os amigos”. A rotina impõe-se. Às tardes, depois de comer em minutos uma marmita preparada pela mãe, ele arma uma tenda de papelão e troncos. O garimpo é a céu aberto, o sol inclemente. E há uma carrada de pedras à sua espera. Mais velho de cinco irmãos, Alisson ganha R$ 200 por mês para martelar blocos de quartzo bem mais pesados que os livros e cadernos. Sua tarefa consiste em deixar o mineral branco de doer os olhos.
Pai e filho quebram dez toneladas por semana e Zuza consegue ganhar um salário mínimo e meio por mês. A mãe de Alisson, Joseneide Ferreira dos Santos Souza, merendeira de uma escola rural, ganha um salário mínimo. Faz um tempo, um estrangeiro foi até eles no garimpo e mostrou para que serve o quartzo e o feldspato, outro mineral. Viram um “azulejo de 500 anos de garantia”, vendido na Espanha a uns R$ 400 o metro quadrado. “Foi o que disseram. A vida do nordestino é dura, compadre”, acrescenta o pai, que acredita que o filho estuda numa boa escola.
Escola que está na média nacional vive da tradição
Para encontrar o secretário de Educação da pequena Boa Vista, no agreste paraibano, basta ir à Escola Municipal Francisca Leite Vitorina, mais conhecida como Paulo VI, seu antigo nome. Francisco de Almeida Leite, ex-aluno e ex-professor do grupo escolar, despacha dali. Fica mais fácil acompanhar a rotina de coordenadores, professores e alunos. Não que dê trabalho, é mais por prazer: “O ensino toda a vida foi bom, desde quando estudei no primário”, alegra-se em dizer.
Mérito da ex-escola cenecista (da Campanha Nacional da Escola de Comunidade), que neste ano foi comprada pela prefeitura e virou unidade municipal. O prédio custará 24 prestações de R$ 9.583. A cidade entendeu que era melhor manter a educação do que pagar as bolsas de estudos à entidade filantrópica. Antes, atendia só os alunos da zona urbana. Agora, como pública, recebe também os da zona rural e de outras localidades. São 960. “Tem famílias que foram para São Paulo e Rio e agora estão voltando. Vem estudante de 7ª série que não sabe nem escrever o nome, quase analfabeto”, afirma o secretário. Hoje, a Paulo VI está na média nacional do Ideb.
Os professores, que ganham R$ 700 por 20 horas semanais, discutem com freqüência o que fazem. Isso os têm aproximado mais uns dos outros. A Paulo VI tem luxos restritos a escolas particulares: dentista, assistente social, nutricionista e psicólogo. A prefeitura dá uniforme com tênis, agasalho, bolsa e material escolar para todos. Na educação infantil, a sala de aula tem banheiros com vasos sanitários para os pequeninos. A Constituição manda os municípios investirem 25% em educação. Boa Vista aplica 28%.
DEMOCRACIA PEDAGÓGICA
A cidade vive do minério bentonita – terceira maior jazida do País. Mas a mineração se restringe aos pais. Os filhos têm de estudar. Se o filho deixa a escola, o Conselho Tutelar é acionado. No grupo Santino Luiz de Oliveira, o prédio estava caindo aos pedaços e o atraso escolar era de todos. “Meus filhos Dejair e Diego não puderam estudar. Ficavam em casa porque não havia transporte”, lembra a merendeira Rejane Araújo. Hoje, ela vê as crianças tendo aulas com computadores conectados à internet.
Arthur Borborema Porto, de 10 anos, é aluno da 4º ano da Paulo VI e foi eleito em agosto presidente do turno da manhã. Foi uma eleição simulada, com direito a campanha, palanque e panfletagem. Ganhou de 119 votos a 27 do segundo colocado. A brincadeira despertou o interesse dos estudantes. Não é sempre que um coleguinha como Arthur defende acabar com a papa (mingau) e o biscoito com rapadura da merenda, exigir aula de educação física, torneio de futsal e um recreio de meia hora, em vez dos atuais dez minutos. Ele e os outros presidentes das 14 escolas rurais reúnem-se para decidir quais propostas vão ser levadas a sério. “A escola é boa. Antes estudava no grupo do Estado e não tinha muita aula. Aqui tem, e o sol não bate no nosso rosto”, diz o presidente Arthur.