Protestos seguem em La Paz após renúncia de Mesa

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Publicada em 8 de junho de 2005
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Enviado especial
LA PAZ
De um lado cartuchos de dinamite, do outro bombas de gás lacrimogêneo. Todos
explodindo para desespero dos bolivianos. Uma imagem que está longe de ser a
paz pretendida pelo presidente Carlos Mesa, que ontem apresentou ao
Congresso sua renúncia formal anunciada na véspera. O aumento dos
enfrentamentos na capital da Bolívia, La Paz, torna imprevisível se hoje
será realizada a sessão no Congresso que pode decidir se aceita ou não a
renúncia de Mesa. Fontes políticas disseram que “há um certo consenso” para
que a renúncia seja aceita.
No vazio de poder vigente no país, rumores vão desde um golpe de Estado até
a ascensão de um líder revolucionário de esquerda à presidência (ler
abaixo).
La Paz está isolada por bloqueios, marchas e choques violentos entre
manifestantes e a polícia, que ontem agiu com mais energia. Desde cedo, eram
realizados vários protestos convocados por líderes sociais que agora querem
a nacionalização do gás, a convocação de uma Assembléia Constituinte e
eleições gerais – já que eles próprios manifestaram que não vão aceitar,
novamente, manter Mesa na presidência.
Ontem, dezenas de mineiros de Oruro, a 230 quilômetros a sudeste da capital,
chegaram a La Paz. Os camponeses que bloqueiam as principais estradas de
acesso da maioria das pessoas liberaram facilmente sua passagem. Os mineiros
vieram carregados de explosivos. O aeroporto que fica em El Alto,
cidade-dormitório de La Paz, está isolado com os bloqueios. A reportagem do
Estado teve de atravessar três barricadas de pedras e pneus queimados.
Passou por uma marcha e se desviou de inúmeras barreiras policiais.
Os ônibus pararam de rodar e há pouquíssimos carros circulando. Gasolina
somente no mercado negro e por quase o dobro do preço normal. Falta comida e
água no comércio e sobra bom senso para os comerciantes que mantiveram suas
lojas fechadas para não vê-las depredadas.
Militares ocuparam a Praça Murillo, onde ficam o Palácio de Governo e do
Congresso. Uma rádio aconselhava à população a ficar em casa, assim como
evitar olhar pelas janelas. As escolas permaneceram fechadas e o governo
anunciou que as férias de inverno dos estudantes serão antecipadas.
Esta é a segunda renúncia de Mesa. Na primeira vez, em março, o presidente
conseguiu com seu ato reverter a onda de protestos e seguiu fortalecido no
poder até cerca de 20 dias atrás, quando os protestos foram retomados na
Bolívia. Líderes sociais e oposição já indicaram que não pretendem deixar
que os presidentes do Congresso, Hormando Vaca Díez, o primeiro da linha
sucessória, ou da Câmara de Deputados, Mario Cossío, assumam a presidência.

Congresso se reúne amanhã em Sucre
LA PAZ
O presidente do Congresso da Bolívia, Hormando Vaca Díez, anunciou ontem à
noite que os parlamentares se reunirão amanhã de manhã na cidade de Sucre
para discutir se aceitam a renúncia do presidente Carlos Mesa. Os
congressistas decidiram transferir a sessão para a capital constitucional do
país – que fica no sul, em Chuquisaca – por causa dos protestos violentos em
La Paz, que deixaram a cidade isolada.
Vaca Díez pediu às autoridades policiais que dêem garantias de segurança
para a realização da sessão em Sucre. Em Santa Cruz de la Sierra, o cardeal
Julio Terrazas se reuniu com os líderes dos protestos para encontrar uma
saída para a crise.
Em meio à crise, rumores de que militares assumiriam o poder num golpe de
Estado circularam entre os manifestantes em La Paz, o que aumentou ainda
mais a inquietação nas ruas. Já partidários do Movimento Ao Socialismo (MAS)
voltaram a cogitar a possibilidade de o líder cocaleiro Evo Morales assumir
a presidência da Bolívia. Na opinião deles, isso aconteceria se as eleições
gerais realmente fossem convocadas.
Segundo analistas, Morales é um forte candidato e tem o apoio de 25% do
eleitorado. Ele é mais um entre os representantes dos quíchuas e dos
aimarás, as duas etnias indígenas que somam quase 60% da população.
A última onda de protestos começou depois que o Congresso aprovou uma nova
lei de energia, que eleva os impostos das companhias estrangeiras que
exploram sobretudo o gás boliviano. A Lei de Hidrocarbonetos atinge
diretamente a companhia brasileira Petrobrás, que já investiu cerca de US$ 1
bilhão no gasoduto Brasil-Bolívia. A quebra de contratos deve ser contestada
judicialmente pelas empresas internacionais. Como o presidente Mesa se
recusou a sancionar a nova lei, ele acabou perdendo apoio tanto dos
parlamentares quanto dos manifestantes.
O desgaste de Mesa tornou-se ainda maior com a sensação de falta de pulso
para lidar com a retomada dos protestos em várias cidades bolivianas.
Partidos radicais de esquerda ampliaram os bloqueios nas estradas e passaram
a defender a nacionalização do gás. Na segunda-feira, Mesa viu-se obrigado a
abandonar o palácio por causa da fúria dos manifestantes e só voltou para
anunciar sua renúncia.
Mesa era vice de Gonzalo Sánchez de Lozada e assumiu o poder em outubro de
2003, quando uma onda de protestos tomou conta do país por causa dos planos
de exportar gás através do Chile. Mais de 70 pessoas morreram nos
confrontoscom a polícia. Isolado, Mesa espera a hora de deixar seu posto,
orgulhoso por ter evitado o derramamento de sangue durante seu mandato. E.N.

Morales e Mesa pedem eleições
LA PAZ
Um dia após decidir apresentar sua renúncia ao Congresso, o presidente da
Bolívia, Carlos Mesa, uniu-se ontem aos chamados de vários setores sociais
para que os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados renunciem à
sucessão constitucional a fim de permitir a realização de eleições
antecipadas.
“Esta é a hora de renunciar, pelo bem da Bolívia”, disse Mesa em
pronunciamento transmitido pela TV, referindo-se aos presidentes do Senado,
Hormando Vaca Díez, e da Câmara, Mario Cossío. “A única saída para evitar
uma guerra civil é um processo eleitoral imediato.” Mesa disse ainda que sua
renúncia “é definitiva”.
Horas antes, o líder cocaleiro Evo Morales, do Movimento ao Socialismo
(MAS), declarou que Vaca Díez e Cossío devem renunciar à sucessão
constitucional para permitir que o presidente da Suprema Corte, Eduardo
Rodríguez, assuma o governo. Essa é a linha sucessória segundo a
Constituição, e o presidente da Suprema Corte é o único dos três que pode
convocar eleições gerais.
“Somos um movimento democrático e vamos apostar em soluções democráticas e
soluções constitucionais, e é importante que os dois presidentes do
Congresso apresentem sua renúncia à sucessão constitucional”, declarou
Morales. “Se Vaca Díez não renunciar, a sucessão só vai polarizar a
Bolívia”, disse o líder cocalero.
O presidente da Federação de Associações de Moradores de El Alto, Abel
Mamani, se pronunciou no mesmo sentido, apesar de sustentar que a renúncia
de Mesa busca desmobilizar os setores que pedem a estatização do gás e uma
Assembléia Constituinte.
“Não concordamos que Hormando seja o próximo presidente, nem que seja
Cossío. Com certeza as eleições serão antecipadas através de Rodríguez”,
declarou o líder comunitário.
Se Vaca Díez ou Cossío assumirem o poder, governarão até agosto de 2007 –
quando terminaria o mandato de Mesa –, mas, se Rodíguez assumir, as eleições
seriam convocadas provalmente para dezembro.
Mamani disse que as associações de moradores de El Alto avaliarão qual será
o curso das mobilizações e das greves realizadas desde meados de maio para
ameaçar o Estado a atender seus pedidos. Por sua vez, Luis Eduardo Siles,
membro do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), cujo líder é o
ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que reside nos EUA, assegurou que
seu partido apoiará a renúncia do presidente Mesa e depois a sucessão
constitucional. Com EFE e DPA

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