Publicada em 24 de outubro de 2004
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
O governo tem pouco a comemorar e muito a consertar no primeiro aniversário
do programa Primeiro Emprego. Sobram dificuldades para o jovem que quer
trabalhar, para o empresário que não está recebendo o subsídio prometido e
para as agências intermediadoras da mão-de-obra. E os resultados são
minguados. Da meta de 70 mil vagas, foram criadas 2.192. Das mais de 750 mil
empresas convidadas a participar, só 4.126 se inscreveram. O cadastro
nacional conta com 171.346 jovens de 16 a 24 anos – só a Grande São Paulo
tem mais de 800 mil desempregados nessa faixa etária.
Do lado do governo, o programa é considerado prioridade, exceto pelos
valores gastos. Dos R$ 189,1 milhões do Orçamento 2004, foi pago R$ 1,1
milhão – 0,58%. Desse total, R$ 92,5 milhões deveriam subsidiar empresas que
passaram a contratar jovens. Só R$ 63.300 foram pagos até o dia 8. O
empresário Marcos Galutti, da metalúrgica Austemp, de Santo André, sabe o
que isso representa. Ele contratou um jovem em fevereiro e desde abril não
recebe o subsídio como incentivo pela contratação.
“Já reclamei mandando minha documentação para a Ouvidoria do Ministério do
Trabalho e até agora não tive retorno”, diz Galutti. “Cumprimos
religiosamente o que nos foi cobrado. Queríamos saber se o governo cumprirá
a parte deles.” Para dar o primeiro emprego a um jovem, a Austemp teve de
atender a uma série de regras. Inicialmente, tirou certidões negativas do
INSS, do FGTS, da Receita Federal e da Dívida Ativa da União. Depois,
esperou pela indicação dos jovens. E após meses de idas e vindas da
papelada, assinou o contrato. “Foi uma propaganda enganosa. Em função desse
problema, uma empresa coligada à nossa não vai mais contratar outros dois
jovens.”
A Lei 10.748, de 22 de outubro de 2003, criou o Programa Nacional de
Estímulo ao Primeiro Emprego. Para atrair empresas, previa incentivos que
variavam de R$ 600 a R$ 1.200 por vaga criada – pagos em seis parcelas
bimestrais. Foi o caso da Austemp. Com faturamento inferior a R$ 1,2 milhão,
ela teria direito a R$ 200 de dois em dois meses. Na prática, é um pequeno
desconto no custo da contratação do jovem. Para arcar com o salário de R$
450, a metalúrgica precisa de quase a mesma quantia para os encargos
trabalhistas.
Em maio, quando não passavam de 700 contratos, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva editou uma medida provisória criando um subsídio único de R$ 1.500
e diminuindo algumas restrições para contratação. Virou a Lei 10.940, de 27
de agosto. De lá para cá não houve o esperado salto no número de empresas
interessadas, mas apenas das que passaram a reclamar do programa.
INCENTIVOS
Em São Paulo, o Centro de Solidariedade do Trabalhador, ligado à Força
Sindical, tinha a meta de dar emprego a 1.173 jovens. Obteve a inscrição de
5.160. Os 257 empregadores criaram 283 vagas, mas foram assinados 19
contratos de trabalho por 12 empresas. Destas, só 2 estão recebendo
regularmente o subsídio.
“Lei não cria emprego”, resume o economista Marcel Solimeo, da Associação
Comercial de São Paulo. Segundo ele, enquanto não houver uma recuperação
real da economia, não adianta criar políticas de primeiro, segundo, terceiro
empregos. “O mercado se encarrega naturalmente de contratar os jovens. Basta
dar condição a ele.”
Políticas públicas de criação de trabalho para a juventude são um desafio
para o mundo. E um custo alto para os países que decidem enfrentar a questão
seriamente. O estudioso de Relações do Trabalho José Pastore, professor da
Universidade de São Paulo (USP), cita o caso da França, que gasta 0,8% do
Produto Interno Bruto (US$ 14 bilhões) com um programa do gênero para os
jovens – que perfazem 7% da força de trabalho francês. “No Brasil, esse
valor representa 0,01% do PIB”, diz. “Para a cabeça do empresário, o
subsídio de R$ 250 não compensa toda a fiscalização a que vai ser submetido.”
Essa opinião é compartilhada pela coordenadora do núcleo de ação social da
Federação das Indústrias de São Paulo, Eliane Pinheiro Belfort Mattos. “O
empresário foge da burocracia e não quer mais uma camisa-de-força”, atesta.
Segundo ela, as regras exigidas pelo Primeiro Emprego afugentam os
empresários, ainda mais por exigir como contrapartida uma maior fiscalização
das empresas.
O secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Alencar Rodrigues
Ferreira, afirma que o Primeiro Emprego passou por uma série de acertos, que
facilitarão a vida dos empresários e dos jovens. Em relação às exigências do
programa, afirma que o governo cumpre o que determina a lei, como checar se
as empresas estão com os impostos em dia e cobrar para que elas também
ajudem a exigir do beneficiado a permanência na escola. Mas, para Pastore,
num primeiro momento as regras deviam ser mais flexíveis. “O governo
conseguiu matar uma bela idéia.”
Só persistência não basta. Tem de ter sorte
Aos 20 anos, Suellen Paccanaro já se sentia meio perdida na luta por um
emprego. Considerava-se velha. Tinha a sensação de que perdera a
oportunidade, ainda que esta nunca tenha chegado de fato. Procurou dezenas
de empresas e só ouvia “não há vagas” como resposta. Mas foi graças a um
curso de qualificação profissional bancado pelo Primeiro Emprego que essa
história ganhou um novo rumo. Desde o início do mês, ela é conferente da
loja de roupas Colombo, num shopping do ABC paulista. Com carteira assinada,
para orgulho da família.
“A dificuldade do jovem é a experiência que as empresas exigem e nunca dão”,
resume Suellen. O curso foi promovido pela organização não-governamental
Casa Mateus, sob coordenação da Agência de Desenvolvimento Econômico do
Grande ABC. Durante quatro meses, ela e outros 74 jovens participaram de
cursos de informática, de técnicas de venda, de atendimento ao cliente e de
motivação, entre outros. Para que não desistissem, recebiam uma bolsa de R$
150.
A conquista do primeiro emprego para Suellen é fruto também do seu esforço
pessoal. A idéia do curso era qualificar e inserir os jovens no mercado de
trabalho. Pela agência do ABC, passaram 992 pessoas. Destas, 35% conseguiram
uma vaga – muitas delas no McDonald’s, empresa que aderiu ao programa do
governo. Suellen não estava nesse grupo. Cansada de esperar pela vaga que
não vinha, arriscou e conseguiu um emprego temporário justamente numa
empresa terceirizada do McDonald’s. Ela era atendente nos pontos de internet
que a lanchonete oferece aos clientes. A gerente da Loja Colombo, Solange
Juriatti, percebeu o empenho da jovem e lhe ofereceu um emprego.
A mesma sorte não teve a estudante Tatiane da Silva, de 17 anos, moradora de
Santo André. A renda familiar é de um salário mínimo, obtido pelo pai que
vende sorvete na rua e pela mãe que faz faxina. Ao terminar o mesmo curso de
Suellen, ela fez duas entrevistas, mas não foi chamada. “Só dizem para eu
esperar eles ligarem.” Agora, vai procurar emprego por conta própria. Nesta
semana, começa a distribuir currículos em agências – e vai se deparar com
centenas de jovens já cansados dessa rotina.
“As empresas não vêem nesse jovem um talento, mas uma força de trabalho
bruta. A longo prazo, o que vai ocorrer é a precarização da mão-de-obra”,
analisa o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos, Clemente Ganz Lúcio. É uma lógica perversa: os
jovens mais pobres buscam o primeiro emprego para complementar a renda
familiar, deixando de se qualificar e obtendo uma experiência que pode não
ser útil no futuro. “O melhor dos mundos seria que ele continuasse na escola
e tivesse a chance de um estágio para uma boa qualificação”, diz. E.N.