Por que tudo é tão complicado?

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Publicada em 18 de fevereiro de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Na semana passada, o professor de biologia Marcelo Jorge de Moraes, do
Colégio Magno, preparou-se para um desafio: questionar seus alunos sobre o
genoma. As respostas que recebeu eram, na verdade, perguntas. Uma porção
delas. As dúvidas dos estudantes de 16 e 17 anos não surpreendem. O tema é,
de fato, complicadíssimo. Cientistas do mundo inteiro estão se debruçando
sobre os resultados de pesquisas sobre o DNA e até agora têm mais indagações
do que certezas. O ponto em comum entre o professor Moraes, seus estudantes,
os cientistas e a população em geral é a sensação de que estamos próximos de
desvendar o complexo e enigmático mecanismo da vida.
“Até onde vai isso?”, provocou Moraes. Como os cientistas, os estudantes não
sabiam precisar. Mas o professor arriscou um prognóstico: “Vocês vão ouvir
falar disso pelo resto de suas vidas!” O interesse de todos é compreensível.
Afinal, estamos falando do ser humano. O genoma é uma seqüência de 3,2
bilhões de bases, que os cientistas identificam com as letras A, T, C e G.
Assim como as letras do alfabeto formam palavras, o alfabeto do genoma cria
instruções e ingredientes de proteínas numa receita de fazer gente, capaz de
determinar a cor do cabelo, a altura, a tendência para ser gordo ou magro.
A vida humana depende de 100 trilhões de células – 100 bilhões delas no
cérebro. Essas células formam tecidos que, por sua vez, vão formar o
intestino, o fígado, o pulmão, a pele. Imagine então a célula como um
pequeno computador, cada um com os mesmos programas. Acontece que nem todos
rodam em todas as células e é isso que fará um órgão ser diferente do outro.
Seria como se o intestino executasse um programa X e o fígado, um Y.
Apesar de cada tecido ter os mesmos programas, os genes, eles podem ser
ativados ou não. “É como se cada gene fosse uma palavra: algumas são muito
usadas, enquanto outras caíram em desuso”, explica Gonçalo Guimarães
Pereira, professor de Departamento de Genética da Universidade Estadual de
Campinas. Os resultados do Projeto Genoma Humano divulgados na semana
passada mostraram que podemos ter entre 30 mil e 40 mil genes, todos de
tamanho variados. Se os 3,2 bilhões de letras resultam apenas nesses 30 mil
genes, o que representa o restante do genoma humano?
Essa é uma pergunta a que os cientistas ainda estão procurando responder.
Imaginava-se que ele fosse inútil, apelidado de lixo do DNA. Mais de 95% do
DNA aparentemente não tinha função. Agora, a explicação é outra. Essa parte
pode servir para regular a atividade dos genes ativos. É como se você
tivesse um livro de 100 páginas e em 95 delas haveria um manual de
instruções para ensinar a ler as outras 5 restantes.
Ninguém diz o que um gene deve fazer ou quando deve começar a trabalhar.
Sabemos apenas para que servem alguns deles. Muitos cientistas sabem que
isso já é muito. Com esses dados, poderemos detectar mais facilmente quando
ocorre uma doença relacionada aos genes, herdada dos pais ou não.
Um produto dessa linha de pesquisa será o chip de DNA. Trata-se de uma placa
contendo milhares de genes que é única para cada pessoa. Com ele, será
possível confrontar o genoma de um paciente com o de uma doença que também
já tenha sido seqüenciada. Uma tabela definirá se a pessoa tem ou não
propensão a contrair a doença. “Já é uma terapia madura para entrar na
rotina de hospitais e clínicas”, adianta Guimarães Pereira.
Semelhanças – É duro ter de encarar que um homem pode ter não mais que três
vezes o número de genes do que uma mosca. Mesmo entre pessoas diferentes, há
pouquíssimas diferenças. Infelizmente, é preciso mais que o DNA para fazer
um organismo vivo. O ambiente é um fator determinante para os seres vivos.
Algumas das máquinas internas do nosso corpo só começam a agir se forem
forçadas por fatores externos. Portanto, não acredite em notícias que digam
que estamos próximos de conhecermos como a vida funciona. A vida é bem mais
complicada que a complicada teoria que começa a surgir.

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