Piada? Não é bem o caso

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Publicada em 25 de abril de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Tristeza não tem fim, o Palmeiras sim. E isso pôde ser notado ontem, no
semblante e nas palavras dos torcedores palmeirenses. Eles passaram o dia
tristes, cabisbaixos, envergonhados, humilhados. Depois da goleada de 7 a 2
sofrida na véspera, por obra do Vitória, tudo indicava que teriam de ouvir
gozações dos inimigos corintianos, são-paulinos e santistas. Mas a situação
da Sociedade Esportiva Palmeiras é tão dramática que até os arqui-rivais se
solidarizaram com o sofrimento alheio. Piadas? Não é bem o caso.
“Só posso acreditar que aconteceu um acidente, uma coisa gravíssima. Fico
triste até pelo time que estava em campo e passou por esse vexame”,
desabafou o empresário Giovanni Bruno, de 68 anos, dono do restaurante Il
Sogno di Anarello. Palmeirense por opção, feita no início dos anos 50,
quando a família fugiu da guerra, Bruno tentava encontrar respostas para dar
à neta, que quer saber o que está acontecendo com o Palmeiras. “Dizer o
quê?” Ex-conselheiro do clube, ele pede que todos se unam em torno do time
e, juntos, encontrem um caminho para sair da crise.
Outro que teve de consolar um pequeno palmeirense foi o cantor Moacir
Franco. O menino João Vítor, de 8 anos, estava inconsolável. Por sorte, o
pai desistiu de levá-lo ao estádio. “Como o primeiro jogo que ele viu foi um
2 a 1 contra o Vitória, três anos atrás, pensei que a coincidência poderia
ser uma noite feliz.” Depois de verem o jogo na TV, a solução encontrada
pelo cantor foi mostrar álbuns de fotos e revistas contando os dias
gloriosos do Palmeiras. Mas ele mesmo já se conformou? “Não. É o fim do
mundo. Os dirigentes deviam jogar a toalha, estão dilapidando o nosso
patrimônio, acabando com nosso amor ao clube.”
Indicações – O humorista Chico Anísio tornou-se palmeirense incondicional
quando seu pai, ex-presidente do Ceará F.C., levou o time paulista para uma
série de cinco jogos em seu Estado natal. Ficou maravilhado com o que viu em
campo. Isso há 65 anos. Ontem, estava envergonhado. “Rapaz, nunca vi nada
igual. Foi terrível.” Como amante do futebol, ele sabe que os clubes têm
seus momentos de apogeu e queda. Cita Napoli e Milan, equipes tradicionais
da Itália e em situação igualmente crítica.
Para Chico Anísio, a solução é apostar nos jogadores de base, como os que
conquistaram o vice-campeonato da Copa São Paulo de Juniores. Lembra que o
Santos, com Diego e Robinho, e o São Paulo, com Kaká, estão apresentando
excelentes resultados. Como sugestão, oferece seus serviços aos diretores do
clube. “Já recomendei Leão, Edson Cegonha, Zenon e Luís Pereira. Se
quiserem, tenho dois craques, do Santo Antônio de Jesus de Salvador, para
indicar.” Ironicamente, ele já chegou a indicar Nádson, o vilão autor de
quatro gols na goleada do Vitória contra o Palmeiras, para o Vasco.
Elias Ferreira de Souza, de 68 anos, era o retrato da desolação entre os
torcedores. Sentado no banco de entrada de seu bar, tradicional reduto de
palmeirenses, parecia ter ido a um funeral. Deixou por conta do filho a
inglória tarefa de atender os telefonemas, alguns provocativos, muitos de
solidariedade. “Os jogadores não têm culpa, só não estão entrosados. Só numa
coisa entram em sintonia: quando falha um, falham todos.” Ontem, ele tentava
esquecer as imagens desastrosas da TV. “Já vi o Palmeiras perder por 5 a 4
para o Santos, mas era 1958 e eles tinham Pelé.”
Solidariedade – Um grupo de amigos, todos antipalmeirenses, reuniu-se para
um almoço no Bar do Elias. Entre os assuntos, claro, a derrota do
adversário. Mas as piadas e provocações ficaram em segundo plano. A crise
futebolística era o assunto mais urgente a tratar. “O Palmeiras é um grande
time e é muito ruim para São Paulo ele se encontrar nesse estágio. Um clube
de tradição não merece isso”, disse o engenheiro Walter Gasi, de 52 anos,
corintiano. Seu colega de profissão, Antônio M. Neto, de 67, pensava de
forma semelhante: “É uma pena. Meu filho, minha mulher e meus pais são todos
palmeirenses. Não dá para ficar feliz sozinho.”
Nessas circunstâncias, brincar com a situação dos adversários é até
deselegante. Mas uma piadinha não faz mal a ninguém. “Lógico que quando o
meu São Paulo puder enfrentar o Palmeiras queremos dar a mesma goleada”,
disse Antônio M. Neto. Já Sidney de Souza, filho de Elias, se cansou de
ouvir provocações. “Estão nos aconselhando a nem entrar em campo, aí seria
WO e perderíamos só por 1 a 0.” Foram mais de 100 telefonemas e 220 e-mails,
sem contar as seqüências de sete buzinadas na frente do bar.
O presidente da Torcida Uniformizada do Palmeiras (TUP), Marcelo Moura Lima,
de 36 anos, não escondeu a raiva que sente do presidente do clube, Mustafá
Contursi. “O foco do nosso nervosismo é em cima do presidente, já que ele
tinha de fazer planejamento e trazer jogadores competentes.” A organizada
pretende, nos próximos dias, realizar uma grande concentração de torcedores
na Rua Turiaçu, no Parque Antártica. Os “caras-verdes” querem a saída de
Mustafá. “Se tiramos um presidente da República, por que não o do Palmeiras?”
Urubu – A ira do comerciante Zélio dos Santos, de 40 anos, que há 8 mantém
uma banca de apetrechos palmeirenses no Parque Antártica, era contra o
goleiro Marcos. “Se a defesa não está fazendo a parte dela, ele tem de fazer
a dele”, resumiu. Com a derrota, o que ele mais ouviu foram piadinhas. “Os
palmeirenses gritam ‘Fora, Mustafá’, mas os adversários preferem ‘Viva o
Tabajara’, ‘Vai para a 2.ª Divisão’, entre outras coisas.”
Na tarde de ontem, um urubu pairava sobre uma antena na frente do Centro de
Treinamento (CT) do Palmeiras, na Barra Funda. O ambulante Vandilson Santos
Rocha tinha uma explicação para o fato de a ave estar olhando fixamente para
o CT. “Acho que o urubu só está chegar a hora de se dar bem. Há um clima
tenso no ar.”

Falta ao Palmeiras, o Palestra Itália, planejamento. De preferência rápido e
adequado à situação de emergência em que o time se encontra. A opinião é do
ex-diretor de esportes da Parmalat José Carlos Brunoro, que durante seu
trabalho no clube conseguiu conquistar os títulos do Campeonato Paulista
(1994 e 1996) e do Brasileirão (1994). E nada de inventar a roda, especular
sobre contratações de estrelas ou deixar a 2.ª Divisão do Campeonato
Brasileiro terminar para começar a fazer algo.
“Houve claramente, desde o ano passado, um erro de planejamento no
departamento de futebol”, diz o ex-jogador e treinador de vôlei que em 1997
criou a Bruno Sports, uma empresa de marketing esportivo. Entre as falhas
cometidas pela direção do Palmeiras, ele cita contratações sem critério, o
que provocou a dispensa de jogadores rapidamente. Pior, a má fase do time
acaba criando um ciclo negativo: torcedores pedem reforços, a imprensa
critica a equipe e os jogadores acabam por entrar em campo extremamente
pressionados. “A auto-estima deles vai lá para baixo.”
Brunoro, que atua na área de marketing da Bombril no Santos, da Copersucar
União no time de vôlei Açúcar São Caetano e automobilística na Fórmula
Renault, recomenda que a direção do Palmeiras explicite seus planos para a
campanha na 2.ª Divisão do Brasileiro. “Sejam bons ou ruins. O importante é
que eles se pronunciem, evitando dar margem a mal-estares ou especulações.”
Outra sugestão seria que alguém se pronunciasse pelo clube perante a
imprensa.
Do ponto de vista prático, Brunoro defende a permanência do treinador Jair
Picerni e a valorização do atual grupo. Segundo ele, os jogadores estão
muito tensos e é preciso, com urgência, acabar com essa pressão. “Do jeito
que está qualquer um percebe que o time está com problemas e não se vê
solução para eles. Mas as soluções existem, só é preciso dizer o que se
pretende fazer.”

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