Publicada em 1 de julho de 1997
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Estudantes, professores, músicos, artistas, empresários e profissionais
liberais estão descobrindo, fascinados, uma arte popular em São Paulo. É o
repente, uma disputa poética entre dois cantadores em que sobressaem o
improviso, a inteligência, a gozação, o humor e muita criatividade. O 1°
Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas chega agora à sua fase final
conquistando a simpatia dos paulistanos.
Iniciado em 13 de abril, o campeonato contou com a participação de mais de 130
violeiros – a maioria do Nordeste – e vai definir quem é o melhor repentista do
País. Todos os domingos o teatro da União Municipal de Estudantes Secundaristas
(Umes) vem recebendo centenas de pessoas interessadas em conhecer um pouco mais
dessa arte e em romper o preconceito que ainda persiste com a cantoria popular
nordestina.
O estudante Lucas de Oliveira, de 16 anos, ficou surpreso com a criatividade
dos trovadores modernos. “Essa manifestação é uma forma de se acabar de uma vez
com o preconceito contra o nordestino”, afirmou. “Toda cultura tem de se
expandir”, ressaltou.
Para o músico Sérgio Veloso, o Siba, do grupo pernambucano Mestre Ambrósio, o
evento traz uma “novidade” para a cidade. “São Paulo tem um público que ainda
não é acostumado com a cantoria popular”, afirmou. “Um evento como esse está
furando o bloqueio”, analisou.
O repente, trazido a São Paulo há meio século, ainda luta para romper
resistências do público. “Os repentistas são dignos da mais alta admiração
porque praticam a mais difícil das artes, que é fazer poesia improvisada”,
garantiu o organizador do campeonato Lourinaldo Vitorino, pernambucano
repentista que mora na capital.
Dos oito cantores finalistas, apenas dois residem em São Paulo: o paraibano
Fenelon Dantas e o pernambucano Dedé Laurentino. De Pernambuco, estão Oliveira
de Panelas, Valdir Teles e João Quindingues; da Paraíba, Sebastião da Silva e
João Paraibano; e do Ceará, Ismael Pereira.
E as mulheres? De fato, faltam as repentistas nesse torneio. Maria Alexandrina
da Silva, de 47 anos, participa, mas apenas como jurada. Na verdade, por trás
de Maria Alexandrina está Mocinha da Passira, considerada a rainha do repente.
Assistir ao torneio tem fascinado o casal Lúcia Lima, psicológa de 44 anos, e o
administrador de empresas Carlos Hargreaves, de 46. “É completamente diferente
do que se tem por aqui”, afirmou Lúcia. “Amplia o conhecimento cultural ver
essa arte que antes não tínhamos acesso”, completou Hargreaves.
No domingo ocorrerá a última semifinal, ainda no teatro da Umes. A final, no
dia 13, será no Memorial da América Latina. Na semifinal de anteontem, o
vencedor foi Ismael Pereira. Oliveira Panelas ficou em segundo lugar e garantiu
também um lugar na final. Os organizadores pretendem lançar dois CDs e um
documentário.
Repente mistura provocação e improviso
O repente pode ser comparado a uma tempestade. Em geral, dois cantadores iniciam
os improvisos de forma lenta e fria. É quando eles fazem a apresentação
pessoal, exaltam o seu estilo e elogiam anfitriões e platéia. Mas logo um dos
dois repentistas decide “ameaçar” o seu adversário. É o começo da provocação.
Provocado, o cantador oponente começa a retrucar os versos e o clima começa a
se agitar, ganhando novos ritmos. Nesse momento, a platéia-torcida começa a
participar com aplausos e gritos animados. Os dois pelejadores começam então a
esquentar os ânimos até que chega a tempestade. Depois dela, apenas um
repentista permanecerá aos olhos do público.
Segundo Ismael Pereira, de 36 anos, vencedor da primeira semifinal do 1°
Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas, cada cantador tem um estilo
próprio. “Têm muitos cantadores que partem às cegas e acabam se dando mal”,
explicou. Para o paraibano Fenelon Dantas, de 48 anos, que ficou em terceiro
lugar e não disputará a final do torneio, vale tudo na peleja. “Só não vale
morder a orelha”, brincou.
O campeonato, assim como nos festivais que ocorrem no Nordeste, são disputados
com temas variados, os motes, escolhidos na hora. Anteontem, alguns motes
foram: “Fiz as cenas do filme do repente e o meu Oscar por Deus foi definido”,
“Quando vejo um menor abandonado, sinto raiva dos homens do poder” e “Por
favor, levante a mão quem não sofreu por saudade”.
Escolhido o tema, cada repentista tem três minutos para desenvolver o assunto.
No campeonato, cada peleja é dividida em quatro fases: a sextilha, o mote de
sete sílabas, o decassílabo e um gênero proposto na hora entre os mais de 83
conhecidos. O poeta repentista compõe os versos seguindo a lógica do mote, com
rima, métrica e oração.
Umes – Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista, tel. 289-7940