Publicada em 2 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Os bônus em circulação já somam quase 5 bilhões de pesos na
Argentina. É um pouco menos da metade do dinheiro circulante, atualmente na
ordem de 13 bilhões de pesos. Conhecidos como “cuasimonedas” (pseudomoedas),
os lecops, patacones e outros desses papéis emitidos em mais de 15
províncias do país saem das carteiras dos argentinos tão rapidamente quanto
entram. São poucos os que admitem gostar deles, mas a maioria sabe que, se
não existissem, seria pior.
“Quem paga com pesos não quer patacones de volta. É uma moeda de uma via
só”, explica o gerente Martin Urquiza, da loja El Mundo del Juguete, no
Shopping Abasto. “Mas não é o mesmo que um peso de verdade”. Criados pelos
governos provinciais para o pagamento de dívidas e salários, já que a
arrecadação de impostos não era suficiente, os bônus que entraram em
circulação na economia argentina foram vistos pelos comerciantes como um mal
necessário.
Nos restaurantes, por exemplo, os bônus são mais do que bem aceitos. De cada
dez pesos, sete são pagos na forma de patacones na Pizza Box, que começou a
aceitar esse papel a partir de janeiro. “Com eles, as pessoas voltaram a
comprar nossos produtos. Foi uma solução”, afirma a gerente Adriana Zerial.
Em Buenos Aires, os bônus emitidos são os patacones. Em outras províncias,
variam de nome: cecacor (Corrientes), lecor (Córdoba) ou bocanfor (Formosa).
O governo federal emitiu os lecops, que serviram para o pagamento de dívidas
federais com governos provinciais.
O problema é que os dirigentes do FMI torcem o nariz para os lecops e
patacones argentinos. Entre as exigências que os emissários do FMI farão, a
partir de hoje, está a eliminação dessas pseudomoedas. Mas, para os
representantes do Ministério da Fazenda, se forem obrigados a emitir pesos
para cobrir os bônus em circulação, a inflação subirá. “Eles têm razão
porque é uma desvalorização encoberta da nossa moeda”, afirma Hugo
Rocaniere, de 45 anos, morador da Grande Buenos Aires.
Em cidades afastadas da capital federal, a presença dos bônus é maciça. A
psicóloga Sandra Marcela Farchetto, de 36 anos, trabalha no hospital público
de La Plata, a 60 quilômetros de Buenos Aires. Dos 850 pesos de seu salário,
610 são patacones. O município é um dos que mais trabalham com as
pseudomoedas, já que a maioria dos seus habitantes é de funcionários
públicos. Entre eles o hábito é gastar logo o que recebem. Eles têm medo de
um plano econômico que transforme os patacones em pó.
“Não convém guardar os patacones. O próprio governo trata de
desacreditá-los”, afirma Sandra. Segundo ela, é muito difícil encontrar
alguém com os papéis da primeira emissão, os da série A. “Em julho, quem
tivesse esse dinheiro poderia obter mais pesos que a proporção um por um.
Mas como eles não têm pesos, trataram de retirá-los de circulação”. A série
B de patacones só poderá ser convertida em pesos em 2006, uma eternidade
para os argentinos.
Muitas operadoras de cartão de crédito, como a American Express, não aceitam
os bônus para pagamento das faturas. O Banco Provincia de Buenos Aires
também não. O Carrefour permite o pagamento de apenas 30% das compras com
lecops. Para algumas compras, as pseudomoedas não valem nada. Martin
Salvucci, de 25 anos, não recebe os patacones para comprar cigarros. Mas em
La Plata os comerciantes se renderam. O gerente Juan Carlos Copa gastou 30
pesos para fazer adesivos com os dizeres “Aceitamos lecop-patacones, cartão
de débito e se quiser… pesos” e “Acredito no meu país. Aceito patacones”
para as lojas The Mall Street.