Publicada em 1 de abril de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
De segunda a sexta-feira, sempre às 18 horas, é realizada fielmente a Hora
do Ângelus, um momento de oração nos diversos espaços religiosos da Legião
da Boa Vontade (LBV) espalhados pelo Brasil. O ritual é idêntico. A luz
diminui de intensidade e surgem os primeiros acordes de uma música tocada de
um CD. Uma mesa coberta com um pano branco permanece vazia. Uma foto de
Jesus Cristo iluminada no altar ganha destaque. Apenas um detalhe chama mais
atenção: quase não há fiéis.
A Religião de Deus, o braço religioso da LBV, carece dos chamados “cristãos
do Novo Mandamento”. Eles podem existir, mas aparecem pouco nos templos. Na
segunda-feira, 20 pessoas puderam escolher entre as 561 confortáveis
poltronas do espaço ecumênico da Avenida Rudge, no centro. Às 18 horas de
terça, em São Miguel Paulista, periferia de São Paulo, as 117 cadeiras de
plástico não acomodaram ninguém. O encontro diário da oração das 20 horas só
existe nas placas. Na quarta-feira, os 51 lugares do espaço no Tucuruvi, na
zona norte, ficaram ociosos.
Segundo Antônia, da sede da LBV, quinta-feira é o dia em que eles aparecem.
Pouco mais de 30 compareceram à “reunião de meditação” na semana que passou.
Os templos da Boa Vontade têm entrada franca. São abertos a pessoas de todos
os credos. “O que é religião?”, pergunta uma pregadora, que se prontifica a
dar a resposta: “É o meio pelo qual os homens, independentemente do credo,
buscam harmonizar-se com Cristo.”
Para Paulo Alziro Schnor, porta-voz da LBV e pregador-ministro, a união das
religiões mundiais é irreversível. “A mentalidade do mundo vai amadurecendo
para o ecumenismo. A LBV, ou melhor, a Religião de Deus é um posto avançado
nessa linha. Quando as pessoas chegarem a compreender mais os outros, talvez
a Religião de Deus não tenha mais razão de ser.”
Revelações – O ritual das orações das 18 horas é semelhante ao de uma sessão
espírita, com o perdão da comparação. Quem faz a associação da Religião de
Deus com o espiritismo é o próprio presidente do credo, José de Paiva Netto,
atual dirigente da LBV. Em seu livro Diretrizes Espiritualistas da LBV
Mundial, ele explica que “a Religião de Deus realizou a Unificação
Harmonizada das Quatro Revelações Divinas”. Pela ordem, são elas: os Dez
Mandamentos, apresentados por Moisés; o cristianismo, trazido por Jesus; o
espiritismo, revelado por Kardec e Roustaing; e “a de Deus, do Cristo e dos
Espíritos, proclamada pela LBV, unificando todas as Revelações”.
A Hora do Ângelus dura meia hora. Nesse tempo, um pregador pede aplausos
para a figura de Cristo, orienta as pessoas a viverem harmoniosamente com o
próximo, enfatiza a importância da caridade e reza o pai-nosso, numa versão
psicografada por Chico Xavier. Também, como nas sessões espíritas, os
sensitivos no altar dão os passes, denominados “fluido cósmico”.
Em pé e de olhos fechados, os sensitivos, equivalentes aos médiuns,
incorporam um espírito e, com as mãos espalmadas sobre a cabeça do fiel,
libertam-no de seus males. É a chamada imposição das mãos. Depois, cada um é
autorizado a beber um pouco de água oferecida no canto do altar. É a
“fluidificação do precioso líquido”, como afirma o dirigente da LBV em seu
livro, que custa R$ 15 e já vendeu mais de 40 mil exemplares.
A religião presidida por Paiva Netto defende o fim dos símbolos, como o das
imagens de santos. As exceções são as fotos de Alziro Zarur, José de Paiva
Netto, Nossa Senhora e São Francisco, penduradas nas paredes laterais. Foi
criada em 1973, segundo os princípios que Alziro Zarur, fundador da LBV,
pregava desde 1926. É contrária ao aborto e defensora do esperanto. Prega o
ecumenismo e se autodenomina a religião unificadora de todas as outras.
“É o espiritismo evangélico”, define a socióloga Regina Novaes, do Instituto
de Estudos da Religião (Iser). Segundo ela, a Religião de Deus carrega os
símbolos do espiritismo e faz a fusão com o lado evangélico de não pregar a
idolatria de símbolos. “Eles transformam uma idéia difusa, do sincretismo,
como uma moeda para eles próprios. Se não fizessem isso, estariam
apresentando um produto requentando”, explica.
“Ela não é uma religião fechada”, prefere o pregador Alcides. Segundo ele, a
principal meta dos fiéis deve ser levar a oração para os corações. “Cada
templo tem de estar aqui”, explica, batendo a mão no lado esquerdo do peito.
Oficialmente, a Religião de Deus possui 150 mil freqüentadores, sendo 30 mil
dizimistas. Somada às doações, a arrecadação dos dízimos rende R$ 150 mil
mensais à entidade.
A religião de Paiva Netto paga à LBV, de Paiva Netto, 60% do valor
arrecadado na venda de CDs e livros expostos nos espaços ecumênicos. Nos 96
templos, arrecada-se com a venda desses produtos R$ 1 milhão por mês. Os
valores apresentados por Schnor tentam justificar a remuneração do
presidente da entidade, acusado de desvio de recursos da LBV em benefício
próprio. Segundo o jornal O Globo, Paiva Netto tem despesas pagas pela LBV,
recebe um salário de R$ 13 mil e usaria seis casas – duas estão em seu nome
e as outras pertenceriam à entidade e à Religião de Deus. Dívidas dos
legionários com o INSS já somam R$ 2,6 milhões.
Expansão – Talvez a pouca freqüência dos fiéis seja explicada pela forma
como é feita a pregação. Ela permite, por exemplo, que os legionários criem
“igrejas familiares” nas suas casas, desde que eles mostrem estar de acordo
com os princípios do credo. Outro meio tem sido usar à exaustão os meios de
comunicação para arrebanhar novos fiéis.
Nas reuniões de oração e meditação, não é cobrado o dízimo. Qualquer pessoa
pode entrar, rezar e sair livremente. Ninguém pergunta o que você faz nem
por que está lá. Se não voltar nunca mais, tudo bem.
Nos últimos anos, a Religião de Deus começou a se espalhar pela periferia de
São Paulo e cidades vizinhas, como Suzano e Ferraz de Vasconcelos, locais
onde os evangélicos lotam seus templos há mais tempo. O espaço de São Miguel
foi criado há dois anos; o de São Mateus e o do Tucuruvi, no ano passado.
Todos continuam esperando a chegada deles, os “cristãos do Novo Mandamento”.