Os senhores Ayrton Senna

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Publicada em 1 de maio de 2004
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Ayrton Senna, para milhares de fãs, só houve um. Mas vá dizer isso a um
garoto de dez anos que costumava brincar fingindo que dirigia carros de
corrida em São Miguel, na periferia de São Paulo. Ou ao filho de dona
Jacira, aluno da 3.ª série de uma escola no Grajaú, zona sul da capital.
Mais difícil será convencer um outro menino que não larga o carrinho de
controle remoto na sua casa em Pirituba. E também ao pequeno Senninha, que
no balneário catarinense de Camboriú tem macacão de piloto, capacete e
dezenas de miniaturas de Fórmula 1. Eles são os “filhos do Senna”, batizados
e registrados com o nome do tricampeão brasileiro nas pistas.
Há mais Senninhas espalhados na capital e no interior paulista. E também em
outras cidades brasileiras. Foi essa a forma que pais fãs incondicionais do
piloto encontraram para homenageá-lo. Quantos não são os Brunos, Tiagos,
Tarcísios e Fábios que foram batizados assim por causa de personagens de
novelas, músicos e atores famosos. No caso dessas crianças nascidas de dez
anos para cá, a diferença é que elas carregam não só o primeiro como também
o segundo nome tão famosos. E elas acabam curtindo tudo isso.
Ayrton Senna da Silva nasceu em 28 de fevereiro de 1995. Maria Aparecida
Alves, 30 anos, estava no início da gravidez quando o piloto morreu em
Ímola. Foi o marido, José Sebastião da Silva, operador de máquinas, que
escolheu o nome, sem dar a mínima chance de decisão para a dona de casa.
Ela, admite, não gosta muito, mas como o filho hoje adora prefere nem pensar
nesse assunto. “Ele diz que quer ser corredor, mas o pai quer que ele estude
e tenha uma boa profissão”, diz Maria Aparecida. Esforço não falta por parte
da família. Só para manter o filho estudando, os pais têm de gastar R$ 60
por mês para levá-lo até a Escola Municipal General Liberato Bittencourt, em
Pirituba.
“Eu queria ser piloto ou ser trabalhador”, diz o menino, que por ser pobre
não recebe mesada, não coleciona fotos do ídolo e seus passatempos
prediletos são jogar futebol e empinar pipa. E, quando possível, ver os
filmes de Harry Potter. Outro que vive uma vida simples é o seu xará de
Pirituba, mas com sobrenome de Oliveira, que nasceu 21 dias antes. Aluno da
Escola Municipal Jardim Myrna II, no Grajaú, ele sonha em ser médico, porque
“piloto pode machucar” e por isso se um dia tiver um carro vai andar bem
devagar. “Ele podia ter morrido depois, porque aí daria para eu ver o Ayrton
correndo.” Já Ayrton Senna de Souza Garcia nasceu cinco dias depois da morte
do piloto, em maio de 1994. Aluno da 4.ª série da Escola Municipal Lino
Mattos, em Ermelino Matarazzo, ele é chamado de Senna pelos amiguinhos e ai
daquele que disser que o piloto já morreu e hoje é um fantasma.
“Tenho vontade de bater nesses garotos, não gosto quando falam mal dele.”
Quando menor, sua mãe adotiva Maria Aparecida Bernardes Marinho, de 51 anos,
tinha de correr atrás do filho para pegar as tampas de panela. Com elas, o
menino brincava de “vrum-vrum” e simulava intermináveis provas de corrida na
sua imaginação. “Queria ser como ele, só para saber como é dirigir um carro
de Fórmula 1.” Com melhores condições de vida, Ayrton Senna Kadiz dos Santos
vive numa casa repleta de lembranças do ídolo. O pai, o empresário Altair
Kadiz dos Santos, de 38 anos, está prestes a abrir um museu em homenagem ao
piloto num ginásio de esportes em Camboriú. Em 1996, quando a sua mulher Ana
estava grávida, mandou uma carta para os pais de Senna pedindo autorização
para batizar o filho com o nome do piloto.
Nasceu dali uma relação entre as duas famílias, afirma Kadiz dos Santos.
Hoje, o empresário tem uma coleção de quadros, capacetes, estatuetas e
quadros autografados – alguns deles doados pela mãe do tricampeão, Neyde.
E o filho, o que acha de ser chamado de Senninha? Não gostaria de ser
chamado de, digamos, Pelé? “Não!” Gustavo Kuerten? “Não, também gosto dele,
mas prefiro o meu nome.” E se tivesse de escolher outro? “Eu gostaria de ser
Ayrton Senna da Silva!”

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