Os arquivos X

0
307

Publicada em 3 de março de 1999
Veja

Eduardo Nunomura
O papel aceita tudo. O teclado é ainda mais permissivo. Tendo-se tornado um formidável duto de informações científicas, tecnológicas, políticas e econômicas de qualidade, a internet serve também de espaço aberto a absurdas teorias conspiratórias. Atualmente seus mais de 150 milhões de usuários em todo o mundo encontram ao alcance de um clique do mouse as teses mais estapafúrdias. Um truque básico as une. Elas vêm disfarçadas por um verniz de racionalidade que lhes confere uma aura de seriedade. Confira. Um governo subterrâneo promove, há anos, lavagem cerebral em milhões de jovens que diariamente assistem à televisão. A internet foi criada com o objetivo de ser o “Grande Irmão” imaginado pelo escritor George Orwell, capaz de controlar e moldar a linguagem e os atos dos homens. Bill Gates, dono da Microsoft, é a encarnação da besta humana descrita no Apocalipse, o último livro do Novo Testamento em cujas páginas há revelações terríveis sobre os destinos da humanidade.
Não parece crível? Que pai não teve a sensação de estar perdendo os filhos para poderes ocultos que brotam do vácuo emanado de certos programas de televisão? Que outra invenção teve tanto alcance e poder global quanto a internet? Para os concorrentes diretos, Gates é um bicho-papão pior que os gigantes bíblicos. Parece. Mas é incrível. Em diversos sites da internet essas teses surgem nuas e cruas, sem sutilezas. Gates é a besta humana já que se lê a citação on-line do Apocalipse (13:16-17): “E ele obrigou a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, a receber uma marca em sua mão direita ou em seu rosto, de tal forma que ninguém poderia comprar ou vender coisa alguma se não estivesse marcado com o nome da fera ou com o número de seu nome”. Alguém se lembrou do Windows 98? As telas dos computadores ligados à rede seriam comandadas por tentáculos ocultos capazes de hipnotizar os internautas. Todas as televisões obedeceriam a comandos de um ditador louco, comandante de um governo invisível que visa conquistar o planeta. Ufa!
As teorias conspiratórias são o pecado original da rede mundial de computadores. Desde que as primeiras mensagens eletrônicas foram trocadas na internet, pareceu irresistível usar o novo mecanismo para espalhar lorotas. Em 1975, quando foram criados os primeiros serviços de troca de mensagens eletrônicas, o tema ficção científica já era o mais popular de todos. Quando o MD-11 que fazia o fatídico vôo 111 da Swissair caiu na costa do Canadá no ano passado, a rede foi invadida por especulações malucas. Um numerólogo chamado Sollog, popularíssimo na internet, apressou-se em informar que havia previsto o acidente. O avião caiu no dia 2 de setembro, data que é grafada 9-02 em inglês. “Invertendo a data obtemos o número 209, que somado a 902 dá 1111, um número muito parecido com o do vôo da Swissair”, viaja Sollog.
Maluco. Sem dúvida. Ainda mais quando se sabe que o site do numerólogo recebe centenas de visitantes por dia. Na época em que a teoria de Sollog caiu num fórum de discussões políticas (alt.politics.org) foi abatida a tiros de sarcasmo. Ali só se admitem casos de acidentes, atentados e bombardeios tramados pela espionagem do governo americano. “Um momento, pessoal”, escreveu um internauta. “Vamos esperar pelo menos 24 horas antes de começar a especular. Afinal, sabemos que o acidente foi causado pelo disparo acidental de um míssil contendo aerossóis de controle mental lançado de um helicóptero da ONU pilotado por maçons comunistas.” Para os especialistas, uma rede mundial de computadores não poderia dar em outra coisa. “A história das mídias é repleta de teorias conspiratórias. A TV foi uma vítima desse tipo de informação. Hoje quase tudo recai sobre a internet”, arrisca o sociólogo André Lemos, doutor em Sorbonne e pesquisador da Universidade Federal da Bahia. Para Lemos, a rede amplifica as manifestações sociais. Ou seja, a mentira, o exagero, a criação de histórias fabulosas são facetas humanas. A internet é apenas seu palco privilegiado do momento. E tome fábulas.
Um grupo de americanos divulgou em seu site (www.consortiumnews.com/) um extenso dossiê acerca de um complô contra o presidente Bill Clinton. Segundo eles, uma força organizada por “alienígenas”, composta por setores da imprensa, grupos de pensadores legalistas, juízes federais de extrema direita e congressistas, teria forjado as notícias sobre a vida de Clinton. No site www.geocities.com/Eureka/Office/6422/index.html, o presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, é caricaturado, anonimamente, como um “tirano”. Já o internauta Benjamin Azevedo botou no ar um site em que põe em dúvida o voto eletrônico no Brasil. Para ele, o governo saberia direitinho quem votou em quem na urna eletrônica. Em outro, dieoff.org/index.html, o mundo começa a acabar em 2030 por colapso populacional. Não por explosão mas por declínio da fertilidade. Na internet cada um tem a realidade que deseja. “Sempre houve o chamado pensamento autista, um sistema fechado de idéias que não aceita contra-argumentações. Antes, essas idéias ficavam restritas. A diferença é que hoje a internet facilitou sua divulgação”, analisa o professor Wagner Gattaz, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Como exemplo, o psiquiatra enquadra o site de um brasileiro que faz defesa de teses racistas (www.abbc.com/ab/): “Esse exemplo é uma espécie de catecismo político perigoso. Se um jovem de 16 anos lê o conteúdo dessas páginas e acha interessante, de repente se pode estar criando um jovem nazista”.
A difusão das notícias conspiratórias é feita pelas páginas da Web, por e-mails, grupos de notícias e listas de discussão. Algumas já se tornaram clássicas. É o caso do site que fala da conspiração contra a princesa Diana (www.mcn.org/b/poisonfrog/diana/default.html). Nele está o mais louco relato do suposto complô da coroa britânica para assassinar a princesa. A fonte de diversão é inesgotável nas páginas do site www.geocities.com/Area51/Dunes/6347/Teoria.htm.
Ali se revela que Michael Jackson, na verdade, é um andróide. Outro site (japan.co.jp/~jesus/Begin.html) garante que Jesus Cristo não morreu na cruz. Depois de escapar da morte, o filho de Deus teria fugido para uma vila no Japão, onde estudou espiritualismo, casou-se com uma japonesa chamada Yumiko e teve três filhas. Com sua lenda viajando pela rede, inúmeros bichos-monstros, cuja existência estaria condenada a assombrar a noite escura de aldeias remotas, conseguiram repercussão mundial. O chupa-cabras e o ET de Varginha são dois bons exemplos. Eles são atração em alguns dos 630 sites sobre discos voadores na internet.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui