O presidenciável que tem aversão a alianças

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Publicada em 6 de outubro de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
O PSTU é uma espécie de filho bastardo do PT. Nascido a partir de uma
corrente radical petista, a Convergência Socialista, o partido do
presidenciável José Maria de Almeida chega a essas eleições renegando o seu
passado. Se não causa espanto um partido de esquerda repudiar o governo de
Fernando Henrique Cardoso, o mesmo não se pode dizer sobre a imagem que seus
dirigentes fazem de Luiz Inácio Lula da Silva. Eles querem distância. E já
avisam: quem quer que assuma a Presidência da República, eles serão oposição.
No programa de governo do PSTU, Fernando Henrique e Lula são duramente
criticados. Mais parece um panfleto anti-FHC e anti-Lula. Para eles, Lula é
um Judas da política por ter se aliado ao Partido Liberal de José Alencar,
ao ex-presidente José Sarney e ao ex-governador Orestes Quércia. Com essa
fala de quem tem ojeriza a alianças, o Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado quer atrair comunistas, ex-petistas e outros grupos radicais. O
discurso é proposital e tem como meta criar um grande partido de esquerda,
que represente uma “alternativa socialista”.
“O Brasil vai para a explosão da economia no ano que vem, seja quem for
eleito. É absolutamente impossível ficar pagando a dívida impagável e
resolver os problemas sociais”, afirma José Maria. Segundo ele, seria fácil
dizer que vai criar 15 milhões de empregos, mas esse tipo de promessa só
tende a aumentar a ansiedade da população. “A situação da Argentina é uma
expressão categórica disso. Pagou religiosamente a dívida externa e quebrou
miseravelmente”, compara, não descartando pegar em panelas, tal como fizeram
os argentinos, para protestar contra o próximo governo.
Zé Maria, como se apresenta junto ao eleitorado, é um ex-ferramenteiro
formado pelo mesmo Senai que deu a Lula o diploma de torneiro-mecânico. Aos
44 anos, na sua segunda eleição presidencial, o candidato do PSTU acredita
que a marca de 1 milhão de votos que espera conseguir no domingo é o pontapé
que faltava para alavancar o partido nacionalmente. Em 1998, ele obteve 200
mil votos. Agora, torce para que seu slogan “Contra burguês, vote 16” tenha
sensibilizado o eleitorado e, para sua alegria, permita que ganhe alguma
representação na Câmara de Deputados.
Ex-companheiro de Lula nas greves do ABC paulista no fim dos anos 70, a
trajetória desses dois políticos guardam semelhanças e algumas
coincidências. Ambos nasceram pobres e, desde crianças, ajudavam no
ganha-pão da família. Em 1980, como ativistas sindicais, foram presos e
dividiram uma mesma cela.
Expulsão – Em congressos de metalúrgicos, Zé Maria era defensor da criação
de um partido político. Acabaram, os dois, participando da fundação do PT.
Mais à frente, criaram a Central Única dos Trabalhadores, a CUT. As
histórias se separam em 1992, quando Zé Maria é expulso do PT por seu
radicalismo. Dois anos depois, ele fundou o PSTU.
Com 1 minuto e 23 segundos de propaganda política, Zé Maria não precisou
berrar seu nome para o telespectador. Usou os 40 dias de horário eleitoral
para propor o fim do acordo com o Fundo Monetário Internacional, o
não-pagamento dos juros da dívida externa e a suspensão das negociações da
Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “Esses recursos podem ser
canalizados para resolver o problema do nosso povo”, diz. “Há uma
inquietação na população cada vez maior com essa situação de domínio que o
imperialismo tem sobre o Brasil.”
As propostas do PSTU vão além. Fiel à sua tendência leninista-trotskista, o
partido prega a estatização sem indenização das empresas privadas. “Nenhuma
das grandes empresas foi construída pelo trabalho de seus donos. O
patrimônio que o vice do Lula, o José Alencar, acumulou veio da exploração
do trabalho alheio, das 16 mil pessoas que trabalham para ele.”
Bandeiras – Como sabe que não tem chances de chegar ao Palácio do Planalto,
Zé Maria optou por explicar à população de que modo a Alca e o acordo com
FMI afetariam o dia-a-dia do brasileiro. No mês passado, o PSTU foi um dos
organizadores do plebiscito da Alca, em que quase 11 milhões de brasileiros
votaram contra o acordo. Aproveitaram o evento para mais uma vez criticar a
campanha de Lula. “O PT jogou na lata de lixo seu programa e abandonou a
defesa das bandeiras tradicionais da esquerda. Eles querem manter a essência
do modelo econômico atual, que só favorece os banqueiros.”
Zé Maria, que lançou para vice uma mulher negra, a professora do ensino
médio Dayse Oliveira, acredita que a transformação que eles pregam não será
feita pelas eleições, mas por uma revolução popular. “Estamos fortalecendo
as condições para que essa mobilização aconteça de forma forte.” O
radicalismo de suas idéias, explica, é em defesa de um governo que
represente os trabalhadores. “Este País mata duas crianças de fome a cada
cinco minutos. São 80 mil por ano para enriquecer banqueiros de Nova York.
Isso é democracia?”

A fórmula ‘simples’ para o mínimo de R$ 1,5 mil
Sem um marqueteiro do lado, o presidenciável pelo Partido da Causa Operária
(PCO), Rui Costa Pimenta, virou propagandista de si mesmo. É ele quem bola
as falas que iam ao ar às terças-feiras, quintas e sábados na propaganda
eleitoral gratuita. De fala tranqüila, com um inseparável colete de lã
marrom, ora com óculos e ora sem, Rui Pimenta acredita ter passado seu
recado. O tom sereno, contudo, não escondia o radicalismo de suas idéias. Os
temas abordados eram sempre de oposição ao modelo econômico, rompimento com
o Fundo Monetário Internacional (FMI), repúdio ao que eles chamam de
“imperialismo americano” e contra a guerra no Iraque.
Assim como o PSTU, o partido de Rui Pimenta é uma dissidência de
esquerdistas do PT. A Causa Operária foi expulsa em 1994, depois de se
rebelar contra a indicação do então senador José Paulo Bisol (PSB) para ser
vice de Luiz Inácio Lula da Silva. Dois anos depois, o partido participou de
suas primeiras eleições, mas não elegeu um único vereador em seis capitais.
Rui Pimenta disputou ainda uma vaga para deputado federal, quando obteve
1.160 votos. Dois anos atrás, frustrou-se com 870 votos na sua candidatura a
prefeito de São Paulo.
“Fantasia” – A plataforma que defendia em 2000 era a mesma que usa para esta
campanha presidencial: redução da jornada de trabalho para 35 horas
semanais, sem diminuição do holerite, e R$ 1,5 mil de salário mínimo. “Não
estou na corrida para ser eleito, formar uma maioria no Congresso e propor
um salário de R$ 1,5 mil. Isso é uma fantasia. Temos uma proposta de
reformulação geral do País”, explica Rui Pimenta. Segundo ele, basta dar o
calote na dívida externa e estatizar o sistema financeiro para conceder esse
reajuste salarial.
Rui Pimenta tem 45 anos, é jornalista e professor de inglês. Apesar de
pertencer a um partido que representaria a causa operária, o conhecimento
que tem de um chão de fábrica vem dos livros que lê ou da herança familiar.
Diz ter lido 1,5 mil dos 4 mil livros de sua biblioteca, grande parte sobre
socialismo.
O avô, João Jorge Pimenta, foi o fundador do movimento operário no Brasil na
década de 20 e ajudou a criar o Partido Comunista Brasileiro. Hoje, o neto
virou um fã incondicional de Leon Trotski, líder da Revolução Russa que se
opôs a Josef Stalin e foi banido da antiga União Soviética.
Em sua primeira campanha presidencial, Rui Pimenta tentou tornar o PCO mais
conhecido e distinto de outros partidos nanicos. Tal como o PSTU, acredita
que nos próximos anos dissidentes do PT buscarão alternativas.
Daí a idéia de reciclar o discurso velho, que já ecoava 20 anos atrás na
boca de petistas, como a defesa da luta revolucionária, armada ou não, da
classe operária, a independência total do “imperialismo americano” e um
governo liderado por operários e camponeses. “O Brasil é o Iraque, só que em
vez de ter uma invasão para se apoderar do petróleo, há um controle do
Estado nacional para forçar o pagamento da dívida externa, acordos com a
Alca (Área Livre de Comércio das Américas), que parecem amigáveis, mas são
uma imposição.”
Neste ano, o candidato rejeitou alianças, sobretudo com o PT, que Rui
considera um partido de “pequenos burgueses”. “O discurso do Lula é
absolutamente claro. Ele continuará a pagar a dívida externa, é contra a
ocupação de terras e manterá os contratos. É a manutenção do status quo”,
critica. O PCO não tem a pretensão de eleger um presidente e também não vai
dar apoio ao PT num eventual segundo turno. “O Lula está subindo ao poder
como um instrumento de contenção política dos trabalhadores.”
Abrigo – O slogan do PCO que chamou a atenção no horário eleitoral, “Quem
bate cartão, não vota em patrão”, é uma adaptação do “Trabalhador vota em
trabalhador”, utilizado por Lula na campanha de 1982 para governador de São
Paulo. Embora admita que o PT esteja no auge de sua história, e o chame de
“maior partido de esquerda do mundo”, Rui Pimenta acredita que os
trabalhadores deixaram de ser representados politicamente. Percebendo a
brecha, o PCO acena para perueiros, camelôs e sem-teto para abrigar esses
movimentos desorganizados politicamente dentro de sua legenda.
Com uma previsão de gastos de R$ 200 mil nesta campanha, Rui Pimenta garante
que não gastará mais do que R$ 50 mil. Nas viagens, costuma se hospedar na
casa de militantes do partido. Na sede do PCO, que funciona numa casa
alugada na Saúde, faz-se de tudo: as reuniões políticas, o programa do
horário eleitoral e todo o material de campanha como faixas, camisetas e
santinhos.

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