O gueto do HIV

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Publicada em 19 de janeiro de 2000
Veja

Eduardo Nunomura
Não bastassem a saudade de casa, a discriminação racial e o pesado dia-a-dia nas fábricas, os trabalhadores brasileiros vivem um novo drama no Japão: o do estigma da Aids. Dos 230.000 imigrantes em busca de oportunidades na terra do sol nascente, 1.200 são portadores do HIV. É uma taxa de contaminação altíssima, duas vezes maior que a registrada entre a população do Brasil e 54 vezes superior à japonesa. Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde e Bem-Estar do Japão mostra que os brasileiros são o segundo grupo de estrangeiros mais infectado, atrás apenas dos tailandeses. O cenário da epidemia é especialmente explosivo porque a maior parte dos infectados, temendo perder o emprego ou ser deportados, evita procurar atendimento médico.
A maioria dos dekasseguis já chegou infectada ao Japão, mas dois em cada dez portadores do HIV foram contaminados em solo nipônico. Pesquisas mostram que os trabalhadores estrangeiros dão atenção mínima à prevenção da doença e só a metade deles usa camisinha. Existe a idéia fantasiosa de que tais cuidados são desnecessários num país desenvolvido como o Japão, com baixíssima incidência de Aids na população nativa. É um erro fatal, sobretudo porque a vida sexual dos imigrantes quase nunca ultrapassa os limites da própria comunidade. Os namoros com os japoneses são improváveis não apenas por causa do preconceito racial mas também porque a imagem do estrangeiro está associada à Aids. O paulista J.P.N., 32, que passou quatro anos no Japão, conta que era rejeitado até pelas prostitutas nipônicas. “Na cabeça do japonês, Aids é coisa de estrangeiro”, diz. Ele contraiu o HIV numa visita ao Brasil, em 1993.
A rapidez da contaminação é conseqüência direta do isolamento em que vivem os dekasseguis. Como o convívio com os japoneses é, na maioria das vezes, formal e restrito ao local de trabalho, os brasileiros formam um grupo muito fechado. “Sem a prevenção e a percepção do risco, a possibilidade de o vírus circular livremente é muito maior”, diz Adauto Castelo Filho, professor da Universidade Federal de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. Entre os latino-americanos infectados, dos quais dois terços vêm do Brasil, 40% não sabem como e onde contraíram o vírus. Como poucos dekasseguis contam com plano de assistência médica, a maior parte deles não tem a quem recorrer. “Algumas cidades proíbem que os planos de saúde sejam estendidos aos trabalhadores brasileiros”, diz José Araújo Lima, coordenador do Grupo de Incentivo à Vida, GIV, primeira Organização Não-Governamental brasileira de combate à Aids a atuar no Japão. Dos 300 hospitais existentes no país, só cinqüenta atendem estrangeiros. Desses, apenas dezessete já cuidaram de pacientes brasileiros. Não se trata de discriminação racista, mas do obstáculo da língua. Poucos dekasseguis falam japonês e são raros os médicos nipônicos que dominam um idioma estrangeiro. “Quando os casos aparecem, a doença tende a estar num estágio muito avançado”, afirma Raldo Bonifácio Costa Filho, do Ministério da Saúde do Brasil. Os brasileiros infectados praticamente só contam com a ajuda do Grupo Criativos, uma entidade de apoio à comunidade latino-americana residente no Japão.

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