O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
O Nordeste saiu vitorioso da crise econômica e cresceu 2,2% no primeiro semestre. A estimativa surpreende em um Brasil que encolheu 1,46% no período. O Produto Interno Bruto (PIB) de Pernambuco registrou alta de 3,8%; o de Ceará, 2,8%; e o da Bahia, 1,6%. Juntos eles respondem por dois terços da riqueza local. Segundo a Datamétrica Consultoria, que radiografou o bom momento da região a pedido do Estado, só em uma hipótese teria havido um crescimento nulo: se os outros seis Estados, que não calculam previsões de PIBs, tivessem sofrido uma retração três vezes maior que a da brasileira. Mas outros indicadores de suas economias apontam na direção oposta.
A Datamétrica, consultoria de Pernambuco especializada na economia nordestina, analisou os PIBs e variáveis de impostos estaduais e federais, comércio, produção industrial e movimentação bancária. Naquelas em que o Brasil cresceu, o Nordeste avançou mais. Nas outras em que houve retração, os nordestinos tiveram quedas menores. E são esses mesmos indicadores que mostram que Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão não fizeram feio. A arrecadação do ICMS desse grupo subiu 7,3% nos últimos sete meses, enquanto no Nordeste houve um acréscimo de 3,87% e no Brasil, de apenas 1,66%. No mesmo período, o comércio deles avançou 5,4%, do Nordeste, 5,6%, e em todo o País, 4,6%.
“De certa maneira, o Nordeste bancou a política anticrise de outras regiões brasileiras, já que a maioria das empresas dos setores em que houve redução do IPI fica no Sudeste e Sul”, analisa o presidente da Datamétrica, Alexandre Rands Barros. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido provocou queda nacional de receitas. Já o aumento da produção beneficiou mais os Estados produtores das cadeias automobilística e linha branca (eletrodomésticos).
Três fatores foram vitais para fazer com que a região crescesse mais que o Brasil na crise, explica Rands, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco. Para começar, o Nordeste exporta pouco. O que os nordestinos chamam de “exportação” é a venda de seus produtos para Sul e Sudeste. Como o consumo das famílias no Brasil foi o salvador geral da pátria, as empresas “exportadoras” se saíram bem. Em segundo lugar, a crise gerou incertezas e perturbou o humor das indústrias, sobretudo as do setor de bens de capital. Mas como estas se concentram no eixo São Paulo-Rio-Minas, o impacto no Nordeste foi menor.
Essas duas realidades não afetaram a confiança do nordestino, o terceiro fator em favor da região. O consumidor continuou comprando e se endividando para comprar mais. Confiaram na promessa de marolinha do presidente conterrâneo, Luiz Inácio Lula da Silva. “O efeito político foi grande. Os índices de aprovação de Lula caíram menos porque o Nordeste sofreu menos com a crise”, interpreta Rands.
O PIB nordestino contribui com uma fatia ainda inferior a 15% do PIB nacional. Porém crescer mais que o Brasil em meio à crise diz respeito a um terço da população brasileira que vive no Nordeste. Desde 2003, início do governo Lula, a região tem registrado PIBs superiores ao do País. A exceção foi 2007, o ano de crescimento recorde em que houve problemas localizados em algumas indústrias nordestinas. Mas a diferença foi pequena: 5,7% do Brasil ante 5,1% do Nordeste.
“Em setembro do ano passado, sem ser profeta, eu já dava declarações de que a crise mundial traria desdobramentos positivos para o Nordeste”, lembra Cid Gomes (PSB), governador do Ceará. A primeira seria consequência da desvalorização do dólar frente ao real. O Brasil se tornou barato para os estrangeiros e o turismo saiu ganhando. Bahia e Ceará vêm se alternando nas primeiras posições de maiores vendedores de pacotes turísticos do País. Os governadores do Nordeste aproveitaram também o momento para investir em obras públicas e desoneraram setores industriais, sobretudo os de itens de consumo popular e os que faziam concorrência com outros Estados.
O governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), afirma que nem tudo foram flores e tem segurado a economia “na unha”. O Estado é o mais industrializado da região e setores como o de petroquímico, um dos carro-chefe da produção local, foram nocauteados pela crise. O fôlego foi possível, explica Wagner, pelos recursos de programas sociais estaduais e federais que não cessaram. “O nosso consumidor não está com a síndrome de guerra. Se ele vê que dá para consumir, vai para cima”, diz. Como houve mais impacto negativo da crise na Bahia, o governador baiano crê que a retomada neste segundo semestre será proporcionalmente maior. A indústria de celulose já retomou o volume de produção pré-crise, mas o faturamento continua inferior por causa do dólar barato e do preço mundial da mercadoria.
DIA DE FEIRA
Quem visita o Nordeste para além das capitais litorâneas percebe que o avanço das economias vem ocorrendo também no interior. O comércio dos pequenos municípios adquiriu outro status. Com dinheiro no bolso, o consumidor passou a atrair grandes empresas. Na década de 90 elas podiam se dar ao luxo de concentrar as atividades no Sul e Sudeste, mas agora elas correm atrás dos nordestinos. Em 2003, pouco mais da metade das famílias pobres possuía televisão a cores, hoje 88,7% delas têm. Telefone celular: saltou de 10,5% para 55%. Indústrias alimentícias que antes enviavam as mercadorias para as regiões Norte e Nordeste vêm montando bases locais e acabam comprando matéria-prima da própria região.
O governador Cid Gomes prefere associar uma imagem que retrata bem a atual realidade nordestina. Na terça-feira, despachando de Pedra Branca em seu governo itinerante, ele notou intensa atividade no comércio da cidade de 40 mil habitantes. Imaginou que era a feira, uma rotina secular dos municípios interioranos, quando a população se reúne numa praça para ofertar feijão de corda, carne de sol e macaxeira e levar para casa roupas, panelas e a comida que falta. “A feira de Pedra Branca era de sábado, mas me disseram que agora todo dia é dia de feira”, comemora.
Bolsa-Família e salário mínimo explicam expansão
A Datamétrica Consultoria prevê que até 2019 a economia do Nordeste crescerá mais que a do Brasil. Mas a região não será ainda capaz de rivalizar com a parte mais rica do País nem reduzirá significativamente o abismo do PIB per capita que separa Sudeste e Nordeste.
A explicação é que a expansão duradoura depende de aumento de produtividade, que ainda ocorre lentamente entre os nordestinos. Falta educação. “As desigualdades históricas diminuíram, mas pouco perto das necessidades”, atesta o economista Alexandre Rands Barros.
O fenômeno Nordeste desta década pode ser explicado, segundo a consultoria, pela forte influência do salário mínimo e do Bolsa-Família. Metade dos nordestinos recebe menos de dois salários mínimos, enquanto isso ocorre para apenas um quarto da população do Sudeste. E, por estar entre os mais pobres, é a região com mais contemplados pelo programa de transferência de renda: 5.972.499 famílias. Simulações feitas pela consultoria indicam que, por enquanto, o efeito do Bolsa-Família vem superando os reajustes do mínimo.
Ambas as políticas, de acordo com a Datamétrica, permitem um crescimento transitório da região. Ou seja, o nordestino com mais dinheiro no bolso, movimenta a economia local, mas em algum momento a expansão se estabilizará. Isso não ocorreu até agora porque houve aumentos reais do mínimo e do Bolsa-Família, que não parou de incluir mais nordestinos. Durante a crise, o governo federal agregou 210 mil famílias e a expectativa é de expandir o cadastro da região em mais 400 mil até o fim do ano.
Na mesma rota do relatório Focus, do Banco Central, em que economistas têm revisto as previsões para cima do PIB brasileiro de 2009, a Datamétrica refez as suas para o Nordeste. Neste ano, o PIB da região deve atingir R$ 328 bilhões, com aumento de 0,99%.
O número contrasta com o bom desempenho do primeiro semestre, mas se justifica porque o terceiro trimestre de 2008 foi excepcional para todo o País. Na comparação, ele fará cair a média deste ano. Para 2010, a estimativa é que a economia nordestina cresça 4,05% ante 3,50% do Brasil, prevê a consultoria.
INVESTIMENTOS
Com a renda em alta e o mercado consumidor aquecido, as empresas que atuam no Nordeste continuaram investindo mais e demitindo menos. Na crise, ouviu-se pouco falar de cortes em massa ou férias coletivas, como ocorreu com grandes empresas do Sudeste. Pelo contrário, os ventos só traziam boas notícias. A Paraíba viu a arrecadação do ICMS subir 7,82% de janeiro a setembro de 2009. Há quatro anos, os paraibanos veem essa fonte de receita crescer em ritmo acelerado.
O comércio de Sergipe cresceu 12,2% até julho; e o do Piauí, 11,0%. Em 2008, o governo da Bahia gastou R$ 1,2 bilhão do orçamento estadual para investir em obras públicas.
Mesmo em Estados que foram golpeados pela crise, como o Rio Grande do Norte, a ordem é não parar as obras, uma forma de aquecer a economia. A governadora Wilma de Faria (PSB) sofreu com a queda de receitas dos royalties da exploração de gás (50%) e do Fundo de Participação dos Estados (15%), totalizando perdas de mais de R$ 400 milhões neste ano.
Mas o caixa do Estado preservou outros R$ 167 milhões, que permitirão manter os investimentos e tocar 200 obras de infraestrutura. Enquanto a arrecadação não aumenta e o déficit orçamentário se torna um risco crescente, os secretários receberam a missão de trabalhar mais gastando menos.