Na Rua São Paulo, um resumo dos problemas da metrópole

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Publicada em 24 de janeiro de 2004
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Os carteiros sabem de cor onde fica a casa de Naílda Antão Bezerra, na
Favela Heliópolis: Rua São Paulo, CEP 04236-080. Ela é a moradora da casa
22-B, um sobrado de seis cômodos para seis pessoas, onde a parte de baixo é
dela e a de cima, da mãe.
Na frente da moradia, fica a caixa de correspondência. Dela e de outras nove
casas da viela estreita que fica encostada à parede de sua cozinha, primeiro
aposento da casa. Para facilitar a vida dos Correios, as cartas são
entregues para essa recifense que se encarrega de redistribuí-las aos seus
vizinhos. A solidariedade faz parte do dia-a-dia desses moradores.
“Aqui não tem briga de vizinho, todo mundo se conhece e se dá”, orgulha-se
Naílda, de 41 anos e 15 na capital, mãe de 6 filhos, 6 sobrinhos e tia-avó
de 13. Ela é uma espécie de zeladora, a que batalha pelas melhorias dessa
rua sem saída. Há um ano, teve a recompensa pelo esforço. “Um homem da
Prefeitura veio e disse: ‘A senhora conseguiu o asfalto. Vai correndo para a
regional.’ Voei.”
Quando o caminhão chegou com o equipamento, os moradores festejaram. O
pesadelo das casas inundadas parecia ter chegado ao fim. Só que, diz Naílda,
a alegria durou pouco. “Fiquei de olho nos homens, nas máquinas, mas não
teve jeito. Acabou faltando um bueiro.” De lá para cá, alguns moradores
rezam para não chover muito na zona sul. Só com o asfaltamento e sem esgoto
completo a água escorre como um riacho para dentro das casas.
Outra idéia dos moradores foi fechar a rua. Típica preocupação de classe
média, a colocação de um portão na entrada deixaria as mães mais tranqüilas.
“Na hora em que a polícia vem correndo para pegar alguém, a gente fica
assustada”, explica Naílda. Já solicitaram? “Os homens da Prefeitura dizem
que vão derrubar tudo isso aqui para fazer apartamento. Então a gente tem
medo de perder dinheiro.” Não é à toa que muitas das casas dessa Rua São
Paulo ainda são de reboco.
Aluguel – No total, são 18 casas. Muitos pagam aluguel. O aposentado Gerci
Francisco Verdelho, de 63 anos, mora há 18 nessa rua e oferece um quarto e
cozinha por R$ 150. Baiano de Ituaçu, ele se mudou para a favela quando ali
era tudo mato e a rua não tinha nome. “Acho que escolheram São Paulo porque
ali era São José, a de cima é São Vicente de Paulo, a outra São Pedro.” Sua
casa incompleta tem quatro cômodos na parte de baixo e três na de cima.
Maior favela da capital e segunda do País por causa dos seus 130 mil
habitantes, Heliópolis é um amontoado de ruas irregulares. A São Paulo é um
exemplo. Segundo a Prefeitura, não existe registro dela. Nenhum morador
dessa via paga o Imposto Predial e Territorial Urbano.
Água e luz têm. Só não tem iluminação suficiente nos postes, deixando tudo
no breu quando anoitece. A saída encontrada tem sido deixar as portas e
janelas abertas para dar alguma claridade aos pedestres.
Quase todos os dias há casas tocando músicas evangélicas em alto volume. Mas
o que nunca falta são os garotos jogando bola. Tanto que os entregadores de
gás costumavam perguntar para os moradores das redondezas onde ficava a rua
das crianças. Era a Rua São Paulo de Heliópolis.

Um endereço da tranqüilidade: Rua São Paulo Antigo, Morumbi
Nela há moradores famosos e imóveis de R$ 1,2 milhão, dos mais caros da cidade
O apresentador da TV Record Otaviano Costa procurava um apartamento
confortável que ficasse em uma rua tranqüila. Numa visita a um prédio da Rua
São Paulo Antigo, no Morumbi, encantou-se com o “clube” ao lado. Imaginou
que fosse um deles, mas na verdade era um luxuoso condomínio. O mesmo para o
qual se mudou três anos atrás e vive até hoje usufruindo das quadras de
squash, tênis, de futebol, piscinas, sala de ginástica e outras regalias. “O
que mais aprecio nele é que não se vê a guarita na entrada. Nem se parece
com aquelas fortalezas de outros edifícios”, diz.
Nessa rua de pouco mais de 500 metros o que mais se vê são prédios de alto
padrão. Antes havia casas, mas elas foram derrubadas uma a uma para ceder
espaço às torres de concreto. Atualmente, há duas em construção. Uma é um
edifício de quatro suítes, 300 metros quadrados de área útil, 593 de área
total e vista panorâmica da cidade. Preço: a partir de R$ 1,2 milhão a
unidade. O suficiente para pagar 667 anos de aluguel num quarto e cozinha da
Favela Heliópolis.
Otaviano Costa, cuiabano que se mudou para a capital quando tinha 14 anos
para jogar vôlei no Banespa, tem ciência das disparidades de São Paulo.
“Sempre falo para as pessoas: ‘Não fiquem com medo de abrir a janela para
ver a realidade do seu vizinho.’ Mas é triste constatar esse contraste.”
Como compensação, o apresentador não se priva de andar a pé pelo bairro, nem
de ir ao pequeno boteco da sua rua. “Zé”, o jovem que passeia com Tony, seu
cão bernese mountain dog, mora na São Paulo Antigo.
O comerciante Paulo Faustino de Freitas, de 36 anos, é quem cuida do bar
precário da Rua São Paulo Antigo. Como essa via tem sempre novas edificações
em construção, ele lucra com a venda de bebidas e marmitas para os pedreiros
e prestadores de serviços. O boteco fica num terreno de pouco mais de 500
metros quadrados, onde se amontoam 18 casas nos fundos. Segundo Freitas, os
moradores já tentaram tirá-lo de lá mas não conseguiram. Terreno de um órgão
estatal, ele foi cedido para os atuais ocupantes e seus descendentes.
Paraibano que vivia entre Araras e Cassereno, Freitas está há 18 anos na São
Paulo Antigo. Acredita que desde então sua vida mudou para melhor. “Quando
meu ex-patrão disse que iria para essa rua achei que era a minha sorte
grande. Um Paulo morando numa rua São Paulo.” A única coisa que reclama são
as tarifas públicas. A água custa cerca de R$ 70. Um morador de um prédio
vizinho paga essa conta, porque o irmão de Freitas lava os carros dele. De
energia elétrica, paga R$ 150. A solução é deixar as luzes do bar apagadas.
Problemas que não fazem parte da rotina do ex-goleiro e hoje empresário
Gilmar Rinaldi. Ele mora num outro prédio com amplo espaço de lazer para
seus dois filhos. Mas o que mais lhe agrada é o fato de o edifício ter duas
entradas em ruas diferentes. A São Paulo Antigo é uma via sem saída. Nessa
extremidade, há uma pequena passagem onde circulam muitos estudantes nos
períodos de aula. Vão para a escola pública que fica ali próximo e moram na
Favela Panorama. “Essa cidade junta tudo num único espaço. Incluindo os
problemas”, diz esse gaúcho de Erexim. “Temos de aprender a conviver com as
diferenças. São Paulo nos ensina isso.”

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