Publicada em 15 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
ULSAN – O episódio é trágico, mas o ex-combatente Song Ok-Soo fala dele sem
dor: “Um norte-coreano se rendeu na nossa frente. Quando meus colegas foram
pegá-lo, ele explodiu uma granada escondida em suas mãos. Bum.” Aos 73 anos,
o soldado diz que ainda tem muitos pesadelos com as imagens trágicas que
vivenciou na Guerra das Coréias. Ainda assim, ele diz que se pudesse faria
tudo de novo. “Se surgisse um novo combate, mandaria meus filhos e netos
para defender o país.”
Song gosta de narrar episódios da guerra e tem certeza que defendeu o país
do perigo comunista. Para ele, as duas Coréias eram nações distintas, com
povos distintos. “Eles estavam sendo ajudados pela China. Até hoje a
educação deles é diferente. Eles já nascem pensando na guerra.”
A mentalidade do ex-combatente explica em parte uma história muito viva
entre os coreanos, uma cicatriz que já se arrasta por quase 50 anos. Cerca
de 10 milhões de coreanos vivem separados de suas famílias, alguns do lado
comunista e outros, do democrático. Quase nunca se comunicam e muitos já
perderam contato. No dia 15 de junho de 2000, os líderes do Sul e do Norte
realizaram um encontro histórico tentando uma reaproximação.
Pouco se avançou desde então. A data mais lembrada é mesmo o 25 de junho de
1950, início do sangrento combate. “Eles são nossos irmãos, um mesmo povo.
Vivemos 1.300 anos como um só país. Não são 50 anos que vão separar uma
história de cultura e tradições comuns”, explica o professor Ko Sung-Jin, da
Associação de Veteranos da Coréia do Sul. Mas ele admite: “Não estamos numa
situação pacífica. Temos grandes feridas psicológicas e econômicas.” No
momento, há mais de 1,8 milhão de soldados norte-coreanos prontos para
entrar em combate. Nada menos que 30% dos orçamentos dos dois países é
voltado para a área militar.
Em 1950, após a invasão de tropas chinesas comunistas na Coréia do Norte, 21
países ajudaram os sul-coreanos a resistir à tomada do seu território. A
guerra durou até o dia 27 de julho de 1953. Durante os três anos de combate,
morreram 520 mil norte-coreanos, 147 mil sul-coreanos, 35 mil soldados das
Forças da ONU e 900 mil chineses. Foi o conflito mais sangreto após a 2.ª
Guerra Mundial. Nas duas partes, mais de 5.400 bairros, quase a mesma
quantidade de templos e igrejas e 22 mil escolas ou prédios públicos, foram
destruídos.
A divisão entre os dois países é inaceitável para a maioria dos
sul-coreanos. Sete em cada dez pessoas são a favor da unificação. Mas isso é
apenas um sonho distante. A partir do encontro feito em 2000 tentou-se
reatar a comunicação entre as famílias separadas entre os dois países.
Apenas 600 pessoas puderam trocar não mais que três cartas com seus
parentes. Só os do Sul escreveram e nunca receberam uma resposta.