Publicada em 27 de novembro de 2008
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
ENVIADO ESPECIAL
ITAJAÍ
Há dois dias, a família de Alcendino Pereira, de 84 anos, dorme preocupada com o medo de saques. À meia-noite, homens de barco começaram a rondar a sua casa, ainda com quase 1 metro debaixo d’água. Muita coisa foi perdida, mas outro tanto pode ser salvo no andar superior. Os saqueadores sabem disso e estão aproveitando as casas vazias para furtar o que podem.
“Eles começavam a falar qualquer coisa para ver se tem gente na casa”, lembra Ricardo Arno Bitencourt, de 57 anos, genro de Pereira. “A gente respondeu, sem nem abrir a janela. Então eles disseram: ‘Vocês não dormem cedo?’ Eles queriam entrar.” Por toda Itajaí e Navegantes, cidades em que as águas ainda encobrem bairros inteiros e abandonados, moradores estão ilhados para defender seus bens. “Ninguém do resgate veio para cá, só vocês (repórteres)”, diz Pereira.
Para chegar às casas ainda submersas, é preciso ir de barco. Há propriedades aparentemente vazias, mas ao menor sinal de aproximação aparece alguém. Quem pode vai tentando limpar tudo aos poucos e recuperar o que as cheias não estragaram. Na casa de Pereira, guarda-roupas, armários, pia e colchões se perderam. Para o andar de cima foram levados televisores, geladeiras, fogões e até computadores dos vizinhos.
BOI NO BARCO
Em 1983, na cheia que o Vale do Itajaí não esquece, Pereira trouxe por quilômetros um boi num barco de madeira. A bateira, como é conhecida a embarcação, resistiu por horas ao trajeto. Foi um drama enorme, mas desta vez o aposentado considera que a tragédia foi pior. “As águas não baixam, está tudo mais complicado, meu filho. Estou desconfiado de que há algo mais.” João Adelino da Silva, de 34 anos, foi ontem conferir se o maquinário que possui continua lá e se será possível recuperá-lo. Com a Mecânica União, sua e de outros três sócios, ainda debaixo d’água, viu que os aparelhos de solda, de pintura e compressores continuam mergulhados.
Seu medo, contudo, é quanto aos saques na região. Funcionários da empresa revezam-se na vigilância do negócios. “Prefiro a enchente do que bandido. Vamos lutar pelo que é nosso”, afirma.
Num passeio de barco, ele viu sítios se transformarem numa pequena ilha, com dezenas de bois se espremendo nela. Há moradores acuados, à espera da ajuda que ainda não veio. “Essa é uma calamidade do Estado inteiro, nunca vi tanto helicóptero para tudo quanto é lado. Talvez estejam precisando mais do que nós”, conforma-se Adelino da Silva.