Medo do desemprego cria novos workaholics

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Publicada em 8 de junho de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Ser ou não workaholic, eis a questão que atormenta milhões de brasileiros
nos dias de hoje. Por um lado, sabem que trabalhar demais, a definição mais
clara de um profissional do gênero, é uma exigência cada vez maior das
empresas num mundo competitivo. Só que eles repudiam a simples idéia de ser
identificados com uma categoria de trabalhadores que põe a profissão acima
de tudo, vistos como carreiristas. Neste cenário de recessão e com empregos
em queda, muitos acabam formando uma terceira geração de workaholics. São
eles que contribuem para o aumento das pessoas que excedem, ano após ano, a
jornada de trabalho. Em 1985, 26,1% dos assalariados trabalhavam mais do que
o exigido no contrato. Dez anos depois, esse número saltou para 41,4% e no
ano passado ficou em 44,2%.
“As pessoas estão apavoradas com a possibilidade de perder o emprego e isso
faz com que trabalhem mais. É uma necessidade para quem não quer ser
dispensado”, analisa o presidente do Grupo Catho, Thomas Case. O analista de
recursos humanos vê essa nova realidade como uma conseqüência do mundo
moderno, onde a incorporação das novas tecnologias é a maior vilã.
Como um workaholic assumido que trabalha de 12 a 14 horas por dia, Case
garante que esse profissional dedicado volta a fazer sucesso nas empresas e
é recompensado. Ao menos isso vale para executivos, já que uma pesquisa do
grupo indica que entre eles quem trabalha mais recebe mais.
O desemprego é o fantasma que ronda a vida dos brasileiros nos dias de hoje.
Na região metropolitana de São Paulo, a última estimativa da Fundação Seade
é a de que em cada dez pessoas, duas estão sem emprego. É o dobro do índice
de 1990. E as perspectivas para elas são sombrias num mercado que vem
sofrendo profundas transformações: os desempregados levarão, em média, um
ano para encontrar uma nova colocação. No início dos anos 90, voltavam a se
empregar em 15 semanas.
Produtividade – Outra pressão que recai sobre os trabalhadores é a exigência
crescente das empresas por aumento de produtividade. O economista Osmar de
Carvalho Santos Junior, de 33 anos, é um bem-sucedido gerente de produtos de
investimento do BankBoston. Para crescer profissionalmente, investiu num
currículo que inclui um início no Ministério da Fazenda, passagens por
bancos privados e um curso de MBA nos Estados Unidos. Admite que está
solteiro “em função dos horários”. Hoje, trabalha das 9 às 20 horas, mas há
meses em que a jornada extrapola as 13 horas. Parte é acarretada pelo
aumento de serviço. No ano passado, tinha de administrar 30 fundos de
investimento. Agora, são 60.
“Você acaba se adaptando a uma pressão cada vez maior, conseguindo
desenvolver habilidades para se manter nessa estrutura”, diz Santos Junior.
Além de gostar do trabalho, sente-se responsável por produzir bastante, uma
vez que recebe mais do que a média do mercado. “Nos momentos de maior
tensão, você questiona essa situação, mas nunca senti que fosse algo
insuportável. Se o empregado troca a empresa A por outra B, a pressão é a
mesma.” O economista busca válvulas de escape como fazer ginástica duas
vezes por semana e sair com os amigos, mas só aos sábados e domingos.
Durante a semana, continua a investir na carreira, freqüentando um curso de
direito.
Especialistas de recursos humanos começam agora a investigar mais
detidamente essa terceira geração de workaholics. Quando surgiram, nos anos
80, eram admirados como profissionais que vestiam a camisa da empresa, nunca
faziam gol contra e eram vistos como um exemplo para os colegas. Em meados
dos anos 90, caíram em descrédito. Eram inseguros, não sabiam dividir
tarefas, atuar em equipe e tinham no trabalho a única fonte de prazer.
Muitos acabavam estressados, viviam doentes e rendiam menos do que podiam.
Hoje, as empresas querem que voltem a trabalhar tanto quanto nos primeiros
momentos em que estavam em voga, mas sabendo administrar a pressão.
Paranóia – “Vamos trabalhar mais? Vamos. Mas se não soubermos delegar
tarefas ou definir prioridades, ficarmos com stress por não cumprir o
trabalho e vivermos com medo de perder o emprego, entramos num círculo
vicioso”, diz a presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida,
Cecília Cibella Shibuya. Na sua análise, o empregado em tempos de crise vive
com a paranóia de perder o emprego e por esse motivo acaba trabalhando mais
e mais. “Estamos num momento de insegurança e é hora de o empregado saber se
proteger, porque senão ele terá um enfarte, vai morrer e o único trabalho da
empresa será substituí-lo.”
O empresário Lionel Blanchet, de 37 anos, viveu momentos de tensão de 1996 a
2000. “Se a firma não alcançava os resultados esperados, era obrigado a
cortar as despesas. A cada três meses era um enorme desgaste.”
Ex-diretor-financeiro de uma multinacional alemã, tinha um salário de R$ 12
mil, um Audi A3, plano de saúde de primeira linha e a possibilidade de
bônus anual de até R$ 100 mil se as metas fossem atingidas. Mesmo com tantos
benefícios, não resistiu às pressões. Por trabalhar mais de 13 horas por
dia, engordou 15 quilos, deixou de praticar esportes e contraiu uma úlcera.
Numa das ordens por redução de custos, Blanchet pediu demissão. Decidiu, com
a mulher, abrir uma loja de roupas femininas esportivas, a Acqua Piovana.
Para se iniciar no ramo, aproveitou suas experiências profissional e
acadêmica na Universidade de São Paulo. Trocou o Audi por um Fiat Uno. Mas
está feliz, tendo de investir tudo no negócio e criando dez novos empregos,
apesar da crise. Emagreceu 10 quilos, tem dia que não trabalha e está curado
da úlcera. Já tem três lojas. “Estamos num mundo selvagem, onde a competição
exige que você se destaque. Quando a economia dá uma folga, o trabalhador
até pode procurar outras oportunidades. Mas num mercado recessivo, ele vira
refém.”

Entre crise e produtividade, espaço para lazer
Partidário de que a era dos workaholics acabou, o presidente da Ernst &
Young, Julio Sergio Cardozo, admite que eles continuam tendo espaço por
culpa das empresas. “A primeira preocupação do empresário é cortar empregos.
Ao haver cortes, você está sacrificando o futuro da empresa.” Segundo ele, o
funcionário tem de dar sua contribuição não trabalhando demais, mas
aceitando negociar até salários – embora, pela lei, isso seja proibido.
“Numa situação de crise, é preciso reunir todos os funcionários e cortar
salários”, diz, sugerindo um meio de preservar os empregos. Muitos
especialistas acreditam que uma das saídas nesse sentido é diminuir os
encargos sociais sobre salários.
Cardozo, que já foi “um dos piores workaholics da face da Terra”,
trabalhando de 12 a 14 horas por dia e adiando sucessivas férias, diz que as
pessoas correm o risco de cometer os erros do passado, acumulando funções e
tendo menos produtividade a longo prazo. Segundo ele, que começou como
estagiário da empresa, seu exemplo não vale. “Na minha geração, ser
workaholic era um requisito necessário. Hoje, é um obstáculo ao progresso.
Alguém que não tira férias ou trabalha até desligarem as luzes dá sinais de
incompetência, porque não conseguiu cumprir suas tarefas.”
Para Vladimir Araújo, diretor de projetos da assessoria de recursos humanos
Manager, enquanto a economia estiver em crise, não há saídas milagrosas.
“Ser workaholic hoje é uma necessidade até para procurar uma diferenciação.
A empresa vai exigir, ela tem esse direito e o empregado vai acumular
trabalho.”
Nos últimos anos, os processos de reengenharia e reestruturação, em que
houve altos investimentos em tecnologia para baixar preços e melhorar
qualidade e produção, resultaram na necessidade de as empresas diminuírem
seus custos. Vieram as cobranças por mais produtividade ou redução de
pessoal.
Fobias – Há alguns anos, o psicólogo britânico Cary Cooper cunhou o termo
vacation phobia para definir os funcionários que têm pavor de tirar férias.
Temem que ao saírem para descansar podem não encontrar o emprego de volta.
Segundo Araújo, essa estratégia de querer agradar a chefia a qualquer custo
pode funcionar por um tempo, mas haverá um desgaste muito grande na vida
pessoal, sobretudo com a família. “Mesmo que você seja workaholic por
obrigação, é preciso aproveitar os momentos de satisfação dentro e fora do
trabalho.”
O executivo Manoel Lins Junior, de 39 anos, afirma que o trabalhador deve
saber impor limites à sua profissão. Ex-workaholic que ficava mais de 14
horas por dia num escritório de consultoria, ele se livrou do vício ao
descobrir na equitação uma fonte alternativa de prazer. Descobriu que os
fins de semana, antes dedicados a pastas de documentos e livros para
estudos, podiam ser mais felizes ao se desligar da vida profissional. Hoje,
apesar de acumular as funções de gerente de qualidade e pós-venda da Nokia
do Brasil, sente que encontrou o equilíbrio. “O funcionário não pode
trabalhar muito por pressão, mas como forma de fazer com que a empresa
alcance os resultados. E a empresa precisa respeitar o indivíduo.”
Nunca é demais lembrar que trabalhar em excesso faz mal à saúde. A
professora da Universidade de Brasília Ana Magnólia Mendes, especialista em
psicologia do trabalho, lembra que stress, ansiedade, insônia, gastrite,
úlceras e depressão podem estar relacionados com as pessoas que exageram no
ambiente de trabalho. “Os departamentos de recursos humanos têm de orientar
e dar alternativas ao trabalhador. Ele começa a trabalhar demais
automaticamente e só vai perceber quando adoece.”
Segundo a psicóloga, os empregados por instinto de sobrevivência acabam
aceitando se tornar workaholics, sem saber dos riscos que correm. Falta,
para ela, uma transparência nas relações de trabalho e quem mais sofre são
os assalariados. “É preciso lembrar que trabalhar é muito bom, assim como
produzir. Só que o emprego não pode tomar conta da vida das pessoas, 24
horas por dia.”

Pesquisa aponta executivo como maior exemplo
Um dos casos que mais impressionaram a consultora Cecília Cibella Shibuya,
da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), foi o de um jovem de
25 anos que havia sofrido um enfarte por causa do trabalho. O motivo: era
época de cortes na empresa. “Quando você coloca toda a sua felicidade no
trabalho e acha que no futuro poderá realizar seus sonhos pessoais, isso se
torna um comportamento doentio.”
Uma pesquisa da ABQV de 2002 mostra que o stress do trabalho em excesso
atinge em cheio a classe dos executivos. Entre eles, 85% reclamavam de
sobrecarga de trabalho ou simplesmente desconheciam as preferências do
cônjuge. Mais de 70% eram sedentários e seis em cada dez sofriam de insônia
ou perda de apetite. Mais da metade não tinha sequer vontade de sair com os
filhos ou o companheiro.
“O trabalho vem se tornando num grande vilão, porque hoje se vive sob
pressão. Trabalhar mais não é solução, pois isso pode dificultar seus
relacionamentos”, diz Cecília. Para ela, se as empresas criarem um bom
ambiente de trabalho, fazendo com que os funcionários se sintam bem, todos
os ganhos de produtividade serão mera conseqüência.

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