Medo da hiperinflação volta a preocupar

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Publicada em 31 de março de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – O que é pior para o bolso dos argentinos, o peso
desvalorizado ou o fantasma da hiperinflação? A resposta é uma só: os dois
juntos. Eles temem conviver com uma realidade que já conhecem bem, como nas
três hiperinflações entre 1989 e 1991. Agora, a cada preço que sobe nas
gôndolas dos supermercados, o medo se reforça. Mas por enquanto, nada de
correria. Poucos têm dinheiro para fazer muitas compras. “De ex-donos do
mundo, agora nos sentimos a escória dele”, desabafou Horacio Velásquez, um
vendedor de 50 anos que comprava ontem no Supermercado Coto da Calle Mateu.
No seu bolso, 20 pesos (cerca de R$ 16) para levar farinha, açúcar, arroz,
leite, óleo, carne e produtos de limpeza.
Justamente a cesta básica de pessoas como Velásquez subiu 4,5% na semana da
explosão do dólar, segundo a Associação de Defesa do Consumidor, que prevê
ainda uma inflação de 13,2% em março – o mais alto índice dos últimos anos.
A pesquisa indicou que a farinha subiu 50%, o arroz 23,9% e o leite 21,6%.
O comerciante Rámon Buzzi, de 43 anos, teve de fazer sua segunda compra num
supermercado durante a semana. O motivo não era dinheiro sobrando, mas falta
de alguns produtos na primeira loja, como farinha e arroz. “Gostaria muito
que Eduardo Duhalde soubesse que estamos passando necessidades. Não me
parece que ele esteja preocupado com os argentinos, mas só com os americanos
e o FMI”, criticou. Buzzi estava acompanhado de sua filha Gloria, de 10
anos, que nunca passou por uma hiperinflação, mas sabe o que é uma economia
em crise. Da escola particular, foi transferida para uma pública. O plano de
saúde, particular, deve ser mantido só por mais alguns meses. “Se a inflação
explodir, o cenário do desastre estará completo”.
Uma das maiores dificuldades dos consumidores é avaliar a diferença dos
preços. Segundo uma pesquisa do jornal Clarín, publicada ontem, para uma
lista de 20 produtos em quatro supermercados foi constatada uma variação
entre 12% e 83%. Além disso, como o poder de consumo vem diminuindo, os
argentinos passaram a abandonar muitos produtos. “Em casa, não entra mais
iogurte, carne de primeira, água mineral, refrigerantes ou geléia. Na
verdade, só dá para levar o essencial”, afirmou a dona de casa Manuela Díaz,
de 38 anos, no Supermercado Carrefour, em Caballito.
Antes do início do feriado prolongado na Argentina, o governo negociou com
as supermercadistas para evitar a subida de preços. Temia-se pela corrida
dos consumidores e pelo desabastecimento. Até o momento nada disso ocorreu.
Mas os argentinos já constataram que os comerciantes estão preparados para
reajustar a tabela de preços a qualquer momento. Muitos produtos estão sem
preço nas prateleiras ou com valores diferentes dos praticados no caixa.
“Anotamos os preços nesta lista e na hora em que pagamos checamos o valor”,
disse Ernesto Coronado, um administrador de empresas de 38 anos. Ele
acredita que o momento é delicado, mas pode ser superado. As hiperinflações
do passado que o digam.

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