MEC já estudava mudar Enem em 2010 para evitar fraudes

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Publicada em 4 de outubro de 2009
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Cinco ou mais provas com questões totalmente distintas em cada edição do novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em um fim de semana, seriam pelo menos 900 perguntas diferentes. Mesmo se houvesse um vazamento, a chance de um aluno decorar tantas questões seria mínima. O antídoto antifraude foi desenhado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), mas para ser implementado em 2010, e não neste ano.

Uma outra mudança é dar ao aluno a chance de realizar o Enem no mínimo duas vezes em um ano. Em outubro, ele faria a prova, cujos resultados poderiam ser usados nos vestibulares de fim de ano. E, em março ou abril, para os processos de seleção de junho e julho. Assim, o Inep acabaria com a pressão do “dia D” do vestibulando e indiretamente reduziria o número de inscritos por edição do exame.
Essas duas medidas já estavam em estudo pelo comitê de governança do Enem, constituído por representantes do governo federal, secretários estaduais da Educação, universidades e institutos federais. Elas ganharam ainda mais força depois da revelação de vazamento do Enem feita pelo Estado na semana passada, após dois homens tentarem vender a prova de 2009. O Ministério da Educação cancelou o exame a dois dias de sua aplicação.
Amanhã, o comitê de governança do Enem se reúne extraordinariamente em Brasília para discutir a prova deste ano, a esta altura sem definição de datas e de quem vai imprimir e aplicar os exames. Mas a principal missão do grupo é a de sugerir as mudanças para as futuras edições. Neste ano, o Enem ampliou o número de questões de 63 para 180. São quatro versões da prova, em que as 180 questões apenas mudam de posição. Também foi introduzido o sistema da Teoria da Resposta ao Item (TRI), que permitirá que provas distintas sejam calibradas e comparáveis.
Para chegar a mais edições e provas diferentes, o Inep precisa ampliar o banco de questões. Hoje são 2 mil, mas, para gerar vários exames em um ano, deve haver um estoque de no mínimo 20 mil questões. Além disso, o MEC precisa convencer a sociedade de que é possível haver um processo de seleção em que candidatos são avaliados por exames diferentes. Neste ano, os alunos farão a prova, levarão o gabarito para casa, mas não conseguirão calcular suas notas.Pelo sistema TRI, as questões têm pontuações diferentes, das mais simples para as mais complexas. “O que a gente quer é acabar com a grande prova, ter exames menores e até regionalizados. Um para o Rio Grande do Sul, outro para São Paulo, por exemplo. Se houvesse vazamento, só alguns seriam cancelados”, diz o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes. “No limite, com a TRI poderíamos criar um sistema de aplicadores e a prova seria marcada para quando o candidato quisesse.”
O objetivo do governo é ambicioso para o Enem, exame que surgiu em 1998 durante a gestão do então ministro Paulo Renato Souza com a concepção de ser um instrumento de avaliação individual dos alunos. A atual gestão do MEC, tendo à frente do processo o ministro Fernando Haddad, quer que o novo Enem sirva de passaporte para que os jovens ingressem nas universidades ou no mercado de trabalho, certificando-os segundo seu desempenho. Para as escolas, o resultado geral indicaria a qualidade do ensino. A ideia do Inep é fazer com que o Enem tome o espaço do vestibular, visto por secretários como um entrave para a reforma no ensino médio. Se isso ocorrer, as salas de aula daqui a alguns anos terão mais interpretação e menos decoreba.

Mudanças deveriam ser graduais
O governo federal foi alertado diversas vezes de que mudanças no ensino devem ser graduais e testadas por amostragem. Em reuniões neste ano, o Ministério da Educação (MEC) ouviu de secretários estaduais e reitores de universidades federais que a proposta do novo Enem corria sérios riscos de credibilidade se algo de errado acontecesse. O vazamento da prova era uma das hipóteses. “Ficamos preocupados quando o MEC licitou e pegou empresas novas, um consórcio sem tradição em lidar com um exame de grande porte”, afirmou Maria Auxiliadora Seabra Rezende, que até semana passada presidia o Conselho Nacional de Secretários de Educação.
“A confiança pode ser mantida conforme as precauções que serão tomadas, a investigação da fraude e a punição dos culpados, além das medidas que serão adotadas para o próximo exame”, disse o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Alan Barbiero. Reitor da Federal do Tocantins, universidade que criou uma reserva de 25% das vagas para ingressantes por notas do Enem, Barbiero lembrou que a maioria dos especialistas comprou a ideia do novo exame, mas se preocupava com sua aplicação. “Aplicar uma prova nacional, com força de vestibular, é muito mais complexo.”
O coordenador executivo do vestibular da Universidade Estadual de Campinas, Renato Andrade, lembrou, em uma das reuniões de discussão do novo Enem, que nos Estados Unidos o principal processo de ingresso no ensino superior, o SAT, levou três anos para introduzir a redação. Admirador do novo formato do exame, Andrade volta sua atenção para a prova deste ano. “A legitimidade do processo, inclusive a segurança, deve ser a principal preocupação. A proposta do novo Enem poderia ter sido adotada de forma mais gradual.” A Unicamp adotará parcialmente o Enem por pelo menos duas edições antes de decidir se aumentará a sua importância em relação ao atual vestibular.
Nas reuniões do comitê de governança, o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) tem sido receptivo às propostas. As instituições de ensino superior toparam aderir ao exame nacional porque ele ampliou as áreas de conhecimento, incluindo as ciências humanas e da natureza – antes, enfatizava as linguagens e a matemática. Assim a prova se aproximou dos conteúdos cobrados nos vestibulares.
Já os secretários estaduais consideram essencial para as futuras edições do Enem ampliar a matriz de competências e habilidades. Traduzindo: cobrar mais conhecimentos práticos da vida das pessoas e menos conteúdos que o ensino médio ensina e a maioria não usará jamais. “Fazer do Enem uma política pública é fundamental, porque todos terão de se adaptar”, disse a secretária de educação de Goiás, Milca Severino Pereira, que foi reitora da Federal de Goiás por oito anos e conhece as duas realidades. “O vestibular não pode e não deve definir a educação básica, mas é o que vem ocorrendo.”

Metologia nova foi testada em 2008 na Bahia
No ano passado, a secretária de educação da Bahia pediu ajuda ao Inep para medir o desempenho dos alunos. Nascia assim a experiência que pode dar outra função para o novo Enem, a de avaliar o sistema de ensino médio. O Avalie incorporou a metodologia da prova nacional já com o sistema de Teoria de Resposta ao Item (TRI). Em 2008, foi aplicado na 1ª série, cujas turmas serão acompanhadas neste e no próximo ano. Ao final desse ciclo, o progresso de cada aluno e das escolas será nítido.
Participaram 42 mil estudantes de 233 escolas da capital e do interior. A primeira prova já trouxe resultados interessantes. “A maioria dos alunos de qualquer turma trabalha, grande parte no setor informal, o que fez com que o desempenho do diurno e do noturno fosse mínimo”, afirmou Eni Barreto Barros, superintendente de Avaliação e Desempenho da secretaria. A atual geração de jovens tem fácil acesso à internet e seu desempenho está relacionado com a intensidade de seu uso. Tais percepções já provocaram mudanças no currículo do ensino médio da Bahia.
O presidente da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari, afirmou que o novo Enem agora permite a avaliação temporal dos estudantes. É dele a proposta para criar um exame nacional com acompanhamentos de alunos do último ano do ensino fundamental e das três séries do médio. “Vale mais avaliar o esforço de um aluno em escala ascendente do que aferir seu desempenho num único vestibular”, disse.

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