Marisa se prepara para enfrentar os holofotes

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Publicada em 2 de janeiro de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BRASÍLIA – Antes de se tornar a nova primeira-dama do Brasil, Marisa Letícia
ocupou-se de atividades comuns a milhões de brasileiras pobres. Já foi babá,
operária e dona de casa. Como muitas mulheres trabalhadoras, estudou pouco,
até a 7.ª série. Imaginou que jamais faria parte do universo de ricos e
poderosos. Errou. Ao lado do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
será alvo das atenções. O vestido que vai usar, a cor de seu cabelo, o tom
da maquiagem, o seu jeito de andar, falar e gesticular, tudo será notado,
fotografado e comentado. E ela sabe dessa responsabilidade: “Para mim, não
muda nada. Sou e serei a Marisa de sempre. Não tem por que mudar”, afirmou
há alguns dias ao Estado, na contagem regressiva para a posse.
Aos amigos mais íntimos, ela admite que a mudança lhe atormenta. A primeira
delas é o peso de ter de decidir sobre a nova decoração do Palácio da
Alvorada. Com a saída do casal Cardoso, que levou embora quadros, obras de
arte e objetos decorativos que ganharam de presente, muitas paredes e
espaços do imenso palácio presidencial estão vazios. “Ela me disse que está
um pouco preocupada, porque não está acostumada com essas coisas”, entregou
Maria Aparecida Demarchi, que passou a ceia de Natal com o casal Silva. “Mas
ela vai tirar isso de letra.”
Com o perfil de uma mulher de classe média, quer imprimir o seu jeito,
mostrar sua personalidade, de origem humilde e simples. Para receber um
presidente, por exemplo, ela deve se sair bem, se depender da experiência
pessoal. Certa vez, preparou em sua casa em São Bernardo do Campo frango com
polenta para Fidel Castro. O presidente cubano ficou impressionado.
Marisa se realiza ao lado de plantas e animais, sobretudo quando vai ao
sítio de Riacho Grande. Veste camiseta e calça velhas para mexer na terra,
sem se ligar para a vaidade.
Privacidade – Sobre o papel que terá como primeira-dama, desconversa, diz
que ainda terá de se acostumar à estrutura do poder. Quer evitar os chás
beneficentes ou eventos sociais. Prefere, inicialmente, ser a
primeira-companheira fiel de Lula. Para isso, avisa que fará questão de
manter a privacidade do casal. Os filhos ficarão em São Paulo, para onde
Marisa deve viajar freqüentemente.
Será a primeira vez que ficará longe dos filhos. A mãe, que por tantas vezes
precisou ser também pai, já sente saudades por não ter a família reunida. O
casal tem três filhos e outros dois de casamentos anteriores. Marcos
Cláudio, de 31 anos, é o primeiro filho de Marisa e foi criado por Lula após
a morte do pai, um motorista que foi assassinado num assalto. Lurian, hoje
assessora de imprensa do PT de Blumenau, é filha dele e nunca viveu com
Lula. Fábio Luiz, de 28, Sandro Luiz, de 23, e Luiz Cláudio, de 17,
completam a família Silva.
Os cinco irmãos fizeram uma espécie de pacto de silêncio. Não dão
entrevistas, nem gostam de aparecer. “Lula é o presidente; nós não temos
cargos públicos”, afirmou Lurian.
Quem os conhece diz que eles são jovens tão comuns quanto outros de suas
gerações. Fábio, por exemplo, é elogiado por ser brincalhão e simples
demais. Freqüenta bares de São Bernardo do Campo e não é difícil vê-lo
sentado em calçadas conversando com os colegas. Marcos já é pai e tido como
o mais reservado. Sandro é caseiro e quando Lula está em casa gosta de ficar
ao lado do pai. O adolescente Luiz está longe de ter a rebeldia de outros
jovens.
Casada há 28 anos e acostumada a ver sua casa se transformar em quartel de
políticos, desde a época dos sindicatos, Marisa apelava para alguns truques
desconcertantes para receber atenção do marido. “Quando eu queria acabar com
uma reunião, mandava as crianças, como o Fábio, ficar no meio dos adultos
até eles desistirem”, lembra.
Em 1980, ela visitou Brasília pela primeira vez, acompanhando o marido,
então sindicalista, que iria ser julgado no Superior Tribunal Militar. Num
momento livre, os dois passearam para apreciar os prédios e as mansões da
capital federal. Na época, Marisa protestou e desabafou: “Esses caras não
deixar você chegar ao poder nunca. Eles não vão largar isso aqui jamais.” A
chegada de uma família Silva ao poder é sinal de que o Brasil, de fato,
mudou.

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