Marginais, inevitável pesadelo da cidade

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Publicada em 9 de março de 2008
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Um Palio prata recebe uma ingrata missão: percorrer as marginais, de ponta a ponta, de manhã e de tarde. E, para piorar, na mesma semana em que a metrópole bateu três recordes de trânsito. Se fosse num domingo cedo, meia hora bastaria para percorrer os 45 quilômetros num sentido. Na sexta-feira, foram necessários 1 hora e 41 minutos do Rio Pinheiros para o Tietê e 2 horas e 4 minutos para retornar. Com esse tempo, o veículo preferiria ter feito a viagem São Paulo-Campinas, ida e volta, duas vezes.
Às 7h50, o veículo a gás, com um ano de vida e 33 mil quilômetros rodados (a 3 mil de completar a circunferência da Terra pelos trópicos), está rodeado de amigos de lata. Ônibus, caminhões, motos e carros a perder de vista. Num Astra preto vai Fabio Bozan, motorista do deputado estadual Carlos Giannazzi (PSOL). Àquela altura, veículo e condutor estavam preocupados em ir da Ponte do Socorro até a Avenida Santa Catarina, na zona sul, apanhar o deputado. Chegariam atrasados? “Provavelmente.” Sim, a agenda do parlamentar atrasou.
Cinco quilômetros adiante, uma ousada bicicleta se aventura entre os veículos. Leva vantagem. Desaparece entre os amigos do Palio prata. Num Corsa vermelho, uma motorista se espreguiça. De manhã? Deve ser por causa do câmbio manual: primeira e segunda, primeira e segunda marchas. Cansa qualquer um. São 8h28, ainda faltam 12,5 quilômetros até o Cebolão. A ponte estaiada, em obras na altura da Avenida Águas Espraiadas, é só complicação.
O rádio sintoniza a Sul América FM, estação apropriada para o Palio prata e tantos outros veículos: só fala de vias paradas e como fugir delas. Mas nem sempre isso é possível. Escapar de um trânsito para entrar em outro? A essa hora, 9 da manhã, São Paulo registra 150 quilômetros de congestionamento. Não é mais um recorde matutino – na segunda-feira, foram 149 quilômetros, 6 a mais no dia seguinte e 165 na quinta. Só que na sexta-feira, das 7 às 11 horas, a curva de trânsito foi maior que a média superior dos últimos 12 meses.
Já a Marginal do Tietê reluz um Sentra, primo rico dos automóveis. Preto das rodas aos vidros. Dizem que chega a 240 quilômetros por hora, mas ali a velocidade é zero. Ponto morto, pé no freio. Em volta do Palio prata, um Astra prata, um Civic branco, um Fiesta prata, um Logus preto, um Corolla dourado. Dentro de cada um deles um só motorista. Mulheres de janelas fechadas, homens com os braços para fora, primeira e segunda marchas. A exceção é um Fiesta chumbo, com quatro pessoas animadas conversando.
Na chegada de veículos da Rodovia Anhangüera, a Marginal do Tietê se transforma. Sem Rodoanel, os caminhões formam fila indiana nas faixas 3 e 4 da via expressa. Poluem ainda mais o céu plúmbeo da capital. As motos transitam em comboio, como uma procissão. E ai do Palio prata se ousar trocar de faixa. Buzinam estridentes.
Com 32 quilômetros percorridos, um só caminhão na terceira faixa fazia a diferença. Lento e grande, demorava a retomar a aceleração. Ao passar por ele, próximo da Ponte do Cruzeiro do Sul, o Palio prata só vê tráfego livre à frente.Quase um milagre. Quinta marcha, a glória. Às 9h31, o veículo cumpre a primeira etapa da missão.
RETORNO AINDA PIOR
A volta começa às 17h30, na Ponte Nordestino, a 23 quilômetros do Cebolão. Trânsito que começa bem… Acaba mal. Sete minutos mais tarde, 4.300 metros percorridos, o Palio prata pára. Assim como caminhões e ônibus nas filas 3 e 4, à direita. O jornalista Paulo Arcuri tenta voltar para a sua casa, na Avenida Paulista. “Vim de Salvador, estou exausto.” Depois de três horas de avião, mais uma hora e meia dentro de um táxi.
Pelo Palio prata, passam três escoltas de veículos, um deles o Santana preto 066, do Tribunal de Justiça. Outras 13 motos “escoltam” o comboio. O trânsito não flui. Com meia hora de viagem, o veículo percorre oito quilômetros. A Rádio Eldorado AM não dá muitas esperanças: “Marginal do Tietê hoje mais congestionada em direção à Rodovia Castelo Branco. O motorista vai perder muito tempo”, informa do helicóptero o repórter Jair Rafael. Nos postos de controle T-4, T-5 e T-6, da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), não há marronzinhos. Estão vazios. Pela manhã, o Palio prata já havia notado isso.
Nos canteiros da marginal, ambulantes vendem de tudo. O mineiro Durval Gomes dos Santos oferece pipoca, amendoim e refrigerante. Começou há seis meses. Antes, trabalhava como encarregado na Prefeitura. Foi demitido. Pai de quatro filhos, restou-lhe a Marginal do Tietê.
Às 18h23, o carro é ultrapassado pela terceira vez por um caminhão. Como sabe? Porque na carroceria dele havia um trator. De repente o trânsito se abre, e a quinta marcha é acionada. Velocidade de 70 km/h. Tráfego só no sentido contrário. A Marginal do Pinheiros é alcançada. Vai bem, mas até a Ponte Cidade Universitária.
Dali e até a Ponte Transamérica, o trânsito segue congestionado. De noite, não se vê o preto asfalto dos rios, mas o cheiro de fezes é inevitável. Leva-se 33 minutos para percorrer oito quilômetros. No meio do caminho, desespero para os carros que entram na Avenida dos Bandeirantes. A fila de caminhões é gigante. À noite, São Paulo registra 166 quilômetros.
Em 2 horas e 4 minutos de viagem, o Palio prata encerra a missão. Não cruzou por acidentes relevantes, tampouco pelos primos pobres, as latas velhas. Talvez estejam confinados nas periferias. Não há alquimia para o trânsito paulistano, dizem os especialistas. As pessoas moram longe do trabalho, o transporte público não agrada, o carro particular virou um vício, falta metrô. O insólito condutor da sexta-feira se despede. Mas, cético, o Palio prata não acredita nos números que esse motorista de ocasião apresenta. Segundo o site da SPTrans, se ele tivesse ido de metrô e ônibus, com R$ 3,50 teria chegado oito minutos mais rápido na ida e só cinco minutos atrasado na volta.

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