Madeira certificada, a natureza agradece

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Publicada em 15 de abril de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Quando era menino, Antônio Carlos sentia orgulho da profissão do pai e do
avô. Sabia que seria mais um madeireiro na família dos Ulianas. Cresceu e o
orgulho virou vergonha. Descobriu que a profissão passou a ser sinônimo de
motosserra e árvores caindo. Amigos cobravam dele a proteção às florestas.
Sua consciência também. Na semana passada, ele fez: lançou a primeira porta
de eucalipto do País com selo de certificação, garantia de que o produto não
destrói as matas.
É nesse pequeno selo com três letras, FSC, que reside a esperança de Antônio
Carlos e outros trabalhadores que “respiram” madeira e querem recuperar a
auto-estima. A madeira certificada é fruto de uma iniciativa mundial para
exigir dos madeireiros a exploração civilizada das florestas. Nada de
tratores e caminhões numa grande área, nem motosserras derrubando árvores
sem cuidado.
Para obter o selo FSC, exige-se uma série de cuidados no manejo da mata
antes, durante e depois do corte (Veja ilustração). “A certificação é o
instrumento mais eficiente para promover a melhoria social e a conservação
ambiental, além de ser viável economicamente”, diz Lineu Siqueira Júnior,
coordenador do Instituto de Manejo Florestal e Agrícola (Imaflora), uma
organização não-governamental que certifica florestas e madeireiras.
O Brasil é o maior consumidor mundial de madeiras. Deveria ser o primeiro em
certificação ambiental. Não é. Perde até para a Bolívia. Só três florestas
da Amazônia brasileira são certificadas – uma área de 130 mil hectares, o
equivalente a 7 mil estádios do Maracanã. Parece muito, mas a região tem
área quase 4 mil vezes maior. Menos de dez companhias obtiveram o selo FSC
para suas plantações de pinus e eucalipto em outras partes do País.
Em 1998, foi criado com 11 empresas o Grupo de Compradores de Madeira
Certificada da Amazônia. Hoje, o grupo reúne 63 compradores, 2 Estados (Acre
e Amapá), uma prefeitura (Guarujá) e uma demanda que chega a 1 milhão de
metros cúbicos de madeira certificada por ano. Ou seja, a maioria dos
móveis, portas, janelas e outros produtos ainda chega ao consumidor sem o
selo. Estima-se que 80% da madeira brasileira seja explorada de forma
predatória.
Conscientização – “Em 5 anos, vamos ter uma grande revolução, vamos ter a
consciência dos consumidores”, diz Mauro Armelin, da ONG Amigos da Terra e
também do grupo de compradores. Segundo ele, o processo vai decolar quando
as pessoas cobrarem a procedência das madeiras que usam. Hoje, compra-se
piso ou uma estante de madeira sem se importar se houve destruição de
floresta. Em geral, as madeiras mais raras são as mais procuradas pelas
motosserras. Todas as outras espécies, que são derrubadas na hora do corte,
apodrecem na mata.
O breu – árvore da Amazônia que chega a 30 metros de altura e 80 centímetros
de diâmetro – é uma das deixadas de lado. Essa madeira vai ganhar a primeira
chance, nas mãos habilidosas de artesãos da Aver Amazônia. É uma empresa
recém-inaugurada que já nasce com nova mentalidade ambiental. Começou com o
convite do governador Jorge Viana, em 1999, para que Etel Carmona, uma
designer produtora de peças de madeira valiosas no mercado da decoração, e
Virgílio Viana, engenheiro florestal e fundador da Imaflora, trabalhassem
com uma comunidade no Acre.
Hoje, somaram-se ao grupo Pedro Petry, André Guimarães e Ricardo Salem. A
comunidade pertence ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Cachoeira,
berço de Chico Mendes, um dos ecologistas-símbolo da Amazônia. Reúne 68
famílias numa área de 24 mil hectares. São eles que vão explorar as madeiras
do projeto e vender para a Aver Amazônia. A empresa tem sede em Xapuri e é
formada por artesãos locais que aprenderam a construir móveis com Etel.
“Esse é o tipo de empreendimento ideal para a Amazônia. Não seremos simples
exportadores de madeira, mas fornecedores de produtos com grife e
qualidade”, orgulha-se o secretário de Florestas e Extrativismo do Acre,
Carlos Vicente.
O projeto, que ainda vai passar pelo processo de certificação, é mais
criterioso do que o selo FSC exige. Além de atender a todas as exigências do
padrão mundial, as famílias terão o cuidado de cortar só árvores-avós. Essas
terão de ter uma filha adulta já procriando e duas netas vigorosas. Antes da
colheita, serão recolhidos os cipós, bromélias, orquídeas e outras plantas
que estiverem sobre as árvores. Na exploração predatória, os cipós são
mantidos porque acabam arrastando para o chão outras espécies. “As outras
grandes fábricas devem seguir o exemplo da Aver. Abrir filiais na Amazônia e
produzir por lá”, diz Etel. “O seringueiro vai parar de desmatar a
floresta”, afirma Virgílio.
Pastos – A adesão dos habitantes das florestas é o maior desafio e também a
maior recompensa que a certificação traz. Conscientizados, eles podem cobrar
das autoridades projetos semelhantes ao do Acre. “Sempre me intrigou ver
cortar madeira, fazer pasto e não ver gado na Amazônia. Tinha algo de
errado”, diz o madeireiro Antônio Carlos Uliana. “A vocação da Amazônia é
ser um grande produtor de madeiras. Não podemos cometer o erro de fazer com
esta floresta o que se fez com a mata atlântica”, diz Mauro Armelin.
O selo da Forest Stewardship Council (em português, traduzido como Conselho
de Manejo Florestal) é aceito mundialmente. Os europeus e americanos vão às
lojas e perguntam de onde vem a madeira. São 20 milhões de hectares de
florestas certificadas e mais de 10 mil produtos que já exibem o selo em 44
países. O Brasil tem cerca de 750 mil hectares de matas certificadas – a
Suécia, 10 milhões.
Muitas marcas brasileiras se estão adaptando a esse padrão por causa do
mercado estrangeiro. Ocorreu com a empresa Tramontina, que buscou a
certificação para produtos de jardinagem. A Faber-Castell, produtora de
materiais escolares, tem uma plantação de pinus em Prata (MG) para essa
finalidade. A Klabin possui áreas certificadas de eucalipto, pinus e
araucária em Telêmaco Borba (PR) e está prestes a produzir papel com selo
FSC. A Tok&Stok produz alguns móveis com o selo.
Há outras duas empresas certificadoras no País, que ficam em São José dos
Campos e Belo Horizonte. A certificação de floresta leva cerca de um ano,
pois a análise é feita criteriosamente. “A certificação está de vento em
popa, com um motorzinho junto”, brinca Siqueira Júnior, do Imaflora. O
motorzinho, claro, não é a motosserra destruidora.

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