Publicada em 5 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Metade mais um. Esta é a proporção da população que torce
para o Boca Juniors, segundo o folclore argentino. É também o número de
pessoas que o empresário Mauricio Macri, presidente do clube, quer ter ao
seu lado para apoiá-lo num projeto político. E é ainda a cifra de eleitores
necessária para conduzi-lo à presidência de uma Argentina em crise.
Macri se esquiva sobre a candidatura. Ainda não se lançou oficialmente. Mas
já deixou claro que entrou na política ao dedicar metade do seu tempo à
Fundação Creer y Crecer, um grupo de estudos que elabora um projeto de
reestruturação para o país. Promete lançá-lo até o fim do ano para ver a
reação do povo. Se for bem-recebido, o caminho estará aberto. “Posso ser
qualquer coisa que sirva para os cidadãos argentinos nesse projeto. As
pessoas não se equivocam”, afirmou ao Estado.
Em meio a um descrédito generalizado dos políticos, a quem o imaginário
social relaciona à burocracia, à ineficiência, aos bloqueios de dinheiro, ao
empobrecimento do país e a outros problemas, o surgimento de um nome como o
do empresário não é uma surpresa. É nesse momento que os novos líderes
surgem, de ambos os lados. Macri é a nova direita argentina, mas seus
partidários o definem como de centro.
“As pessoas não querem mais grandes discussões ideológicas de um modelo ou
outro, mas resolver seus problemas”, disse. “E resolver problemas do
dia-a-dia é onde posso ajudar, porque sei como solucioná-los.” A convicção
de Macri não é baseada em uma experiência pública, já que nunca ocupou um
cargo político. Mas tem em seu currículo a recuperação do Boca Juniors, que
assumiu em 1995, tornando-o rentável, tendo desde então conquistado três
campeonatos argentinos, dois títulos da Taça Libertadores e o mundial de
clubes.
Antes de ser cartola, foi vice-presidente do Grupo Socma, um conglomerado
bilionário com empresas em vários países. No Brasil, opera o Grupo Adria e o
Frigorífico Chapecó. Desde novembro de 2000, seu pai, Francisco, conduz
sozinho os negócios, que incluem as indústrias da construção, de serviços
públicos, telecomunicações, automobilística e alimentícia.
O vácuo político na Argentina deixou sem nomes os dois maiores partidos do
país, o Justicialista (peronista) e a União Cívica Radical.
Projeto – “É frente ao fracasso do bipartidarismo tradicional que Macri pode
ter um papel. Em meados dos anos 90, ninguém via um intelectual de esquerda
como (Romano) Prodi e um empresário como (Silvio) Berlusconi como novos
políticos na Itália”, comparou Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudios
Nueva Mayoría. Macri diz ter uma inclinação peronista. “Mas falta muito
tempo.”
A Fundação Creer y Crecer, criada em fevereiro de 2001, reúne jovens
graduados e pós-graduados em escolas como Harvard e London School of
Economics. São eles que preparam o projeto de Macri, baseado em três
reformas: da política, da Justiça e do Estado. As propostas ainda são
embrionárias e não inéditas. O empresário fala, por exemplo, de maior
transparência nos financiamentos dos partidos políticos, uma reforma
constitucional que melhore a eficiência da Justiça e um Estado que seja
capaz de valorizar o funcionário público.
“A Argentina está toda desestruturada. A política não se vê tão exitosa
porque o Estado tenta controlar por meio dos centros reguladores e controla
mal. São serviços cada vez mais caros e de pior qualidade.” Sobre a crise
atual, acredita que os maiores pensadores do mundo ainda vão levar décadas
para entender o que se passou, mas arrisca um palpite: “A noção mais
importante é que não se apostou nos valores das instituições. Seguíamos
acreditando que uma pessoa iluminada resolveria as coisas.” O projeto tem
nome composto: Buenos Aires 2010/Argentina 2010.
Acredita que seu tempo de vida útil na política seja de 8 a 12 anos, a
partir de 2003. “Depois, é melhor deixar para alguém que tenha o mesmo
entusiasmo.” Nesse prazo, espera que os argentinos voltem a confiar no país.
“Os empresários precisam de regras claras, caso contrário não podem
investir. Ao reestabelecer a confiança, podem usar seu talento criativo para
gerar empregos.”
Se fosse Eduardo Duhalde, o que faria nesta crise? “Por sorte, não sou.”