Jovens. Alguém duvida?

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Publicada em 23 de fevereiro de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Eles são jovens, mas alguns insistem em chamá-los de velhos. Ou então são
velhos que insistem em ser jovens. Para eles, lembrar a idade é um atributo.
Quando se vê o que fizeram em seus vários anos de vida, o pretérito vira
sinônimo de experiência, o presente representa trabalho e o futuro ainda é
uma longa estrada em construção. Levam uma vida oposta à de milhões de
brasileiros que amargam a condição de aposentados, reféns do INSS,
dependentes da família ou esquecidos da sociedade. São exceção à regra, como
gostam de ressaltar. E estão em evidência, dando um banho de vitalidade.
O ator Oswaldo Louzada tem 90 anos e foi escalado para a novela Mulheres
Apaixonadas da Rede Globo. Interpreta o personagem Leopoldo, o oposto de sua
vida pessoal. Na ficção vive um ex-ator que passa horas lembrando de um
passado glorioso, mas é maltratado pelos filhos e netos. Na vida real, é o
profissional com 72 anos de atividade em rádio, televisão, teatro e cinema.
“Não posso me queixar, não tenho solidão nem tempo para pensar nisso. É um
verdadeiro milagre continuar atuando e recebendo carinho de todos.” Aos que
se identificam com o personagem, recomenda: “Sejam enérgicos e exijam ser
bem tratados. Os mais jovens devem saber que aquelas criaturas com cabelos
brancos são responsáveis por muitas coisas boas do País.”
Ao seu lado na novela está a atriz Carmen Silva, de 86 anos. Ambos foram
convidados pelo novelista Manoel Carlos para o papel e terão a tarefa de
mostrar que os idosos no Brasil são relegados à própria sorte. “A velhice
está muito abandonada, cabe a alguém fazer alguma coisa pelos mais velhos”,
comenta Carmen. A atriz, contudo, é uma trabalhadora ativa. “Sei que mais
tarde não vou agüentar, que não vai ser assim para sempre, mas enquanto
puder terei minha vida independente.”
No Natal, Carmen recebeu o seu “melhor presente”. A atriz viu editadas em
livro diversas peças do programa Comédias do Coração, escritas para a Rádio
Record havia muitos anos. Orgulha-se de dar aulas de teatro para futuros
médicos na Universidade Luterana do Brasil, em Porto Alegre. Ela mora
sozinha e reclama do pouco tempo que tem para visitar os seis netos, nove
bisnetos e o tataraneto de 1 ano de idade. “Coitadinho, é meu parente mais
afastado”, brinca.
Sustento – Os dois fazem parte de uma lista de incansáveis trabalhadores
para quem a aposentadoria representa só uma renda a mais em suas vidas. A
carioca Yvonne Lara da Costa tem 81 anos e desde a década de 70 atende por
Dona Ivone Lara. A cantora assume com orgulho seu lado dona de casa,
daquelas que vai ao supermercado, arruma a bagunça do lar e ajuda no
sustento do filho de 52 anos, um militar do Exército, e dos netos. Tudo isso
conciliado com uma agenda que incluía, até o ano passado, oito shows por
mês. “Não sei viver sem a música. Depois do carnaval, vou começar a
selecionar as canções para o próximo CD.”
Um dos maiores nomes do teatro brasileiro, o italiano Gianni Ratto diz que
tem a idade da juventude e prova disso é sua intensa produção. No ano
passado, publicou seu primeiro livro de contos e o segundo deve ser lançado
no segundo semestre. Publicará outra obra, Hipocritando, sobre o trabalho do
ator e sua sensibilidade no palco. É requisitadíssimo para a montagem de
cenários de peças ou para direções cênicas. Atualmente, ainda tem tempo para
trabalhar num projeto da Prefeitura de São Paulo. “Acho completamente inútil
falar em terceira idade. Quando se trabalha, não se mede a capacidade por
números teóricos. Tenho 86 anos, que somando dá 14 e cuja soma dá 5. Então
tenho 5 anos de idade.”
Os fãs de futebol devem estar admirados com o desempenho de uma dupla de
“vovôs da bola”: Zagallo e Pepe, ambos, aliás, ex-pontas-esquerdas. Em
resumo, são vitoriosos. “A gente sabe que um dia vamos embora, mas não tem
data prevista. Sempre encaro que posso viver um pouco mais. E estar
trabalhando é bom porque não penso em um milhão de coisas negativas”, resume
o coordenador técnico da seleção brasileira, de 71 anos. Pai de quatro
filhos e avô de quatro netos, o treinador quer ver os meses passarem rápido.
Em maio nascerá Mario Jorge Lobo Zagallo Neto, seu quinto neto. “Mas o hexa
em 2006 é outro pensamento que não sai da minha cabeça.”
Com fama de “paizão”, José Macia, o Pepe, treina a Portuguesa Santista, que
vem causando surpresas no Campeonato Paulista, como na derrota que impôs ao
time da moda, o Santos de Robinho. Acumula 92 títulos, entre jogador e
técnico. Mas aos 67 anos vive ocupado e tratando de se ocupar. Duas vezes
por dia vai ao clube treinar os jogadores. “Engraçado, a gente vai ficando
velho e não percebe. Ainda me sinto como o Pepinho, filho do meu pai Pepe.”
Quando volta do trabalho, sempre à noitinha, dona Lélia, sua parceira de 38
anos, o espera com a janta pronta. Depois, vai para a frente da TV ver
partidas de futebol.
Vício – À primeira vista, pode-se dizer que eles estão a mil porque têm
atividades prazerosas, quase de lazer. Mas exemplos não faltam para provar
que a terceira idade é cada vez mais um projeto para depois. O paulista de
Itararé Jorge Chueri, de 80 anos, descobriu que a pensão do governo era
pouca. Virou representante comercial de uma fábrica de cadernos. Chega a
viajar quilômetros com o carro. Acredita que o trabalho virou um vício. Como
hobby, pinta quadros. No ano passado, foi um dos vencedores do prêmio
Talentos da Maturidade, do Banco Real, com o óleo sobre tela O Orquidário do
Artista. “Levo a vida sem me preocupar com a idade. Até bem pouco tempo
atrás, o idoso não tinha mérito algum. Agora estão reconhecendo seu valor.”
Há cinco anos, Vera Girasol trabalha seis horas por dia, de segunda a
sábado, numa loja da Rede Pão de Açúcar. É uma das integrantes de um
programa do supermercado para dar oportunidades a pessoas de mais de 60. Com
o emprego, conseguiu se livrar das tardes enfadonhas na frente da TV e
aumentou sua aposentadoria de 1 salário mínimo e meio. Aos 86 anos, admite
que, se os governos não tivessem reduzido sua pensão, antes de 5 salários,
talvez não tivesse voltado a trabalhar para ganhar, hoje, R$ 287,00. Como
empacotadora, ainda se admira com a insensibilidade de alguns clientes. “O
brasileiro não está acostumado a ver um idoso trabalhar. Alguns acham que
estamos pegando a mercadoria deles.”
E o que dizer de Girz Aronson, de 86 anos, o incansável empresário símbolo
da resistência do empreendedor brasileiro. Dono da rede G. Aronson, que
faliu, hoje possui três pequenas lojas de eletrodomésticos no centro de São
Paulo. “Isso é remédio para mim. Não vejo a hora de chegar às 6h30 para ver
os caminhões trazendo e levando mercadorias.” Nos fins de semana, seu
passatempo é passear de bicicleta nas ruas do centro ou viajar para o
Guarujá.
Casado há mais de 50 anos com Naid, de 73, sua ex-funcionária, Girz Aronson
esbanja alegria por estar em atividade. Chega até a brincar com o seqüestro
que sofreu. “Os seqüestradores se admiraram ao descobrir que tinha 82 anos.
Achavam que estava com 60 e tive de mostrar meu documento.” Com inúmeras
histórias para contar, ele se diverte ao ver jornalistas pedirem para
escrever um livro de memórias. “Estou deixando para depois. Vou chegar aos
100 anos, escreve aí! Um dia eu mesmo vou escrever minha biografia para
ensinar a juventude como se vence e se prolonga a vida.” Alguém duvida?

Um assunto para a novela das 8
Aos 70 anos, o autor Manoel Carlos decidiu falar sobre os idosos em sua nova
novela porque quer conscientizá-los dos inúmeros direitos que possuem, mas
muitas vezes desconhecem. “Fazem campanha sobre tudo, mas o governo não faz
nada para explicar aos velhos o que eles podem fazer e ganhar”, diz. A
inspiração para o tema surgiu após ele ter vivido por um ano nos Estados
Unidos, entre 2001 e 2002, e visto que naquele país dignidade para a
Terceira Idade não é uma letra morta. “Recebi toda a legislação brasileira
sobre o assunto, li tudo e pude ver que nossas leis são ótimas, algumas até
melhores que as de lá, mas os idosos aqui nada sabem sobre seus direitos.”
O Brasil, de fato, possui legislação específica para os idosos. Em 1994, o
ex-presidente Itamar Franco assinou a Lei 8.842, que cria a Política
Nacional do Idoso. Dois anos depois, foi a vez de o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso criar o Decreto 1948 para regulamentar essa lei. São normas
que pretendem assegurar os direitos sociais das pessoas maiores de 60 anos,
dando-lhes condições para que sejam autônomas e possam se integrar na
sociedade.
Na semana passada, o senador Sérgio Cabral enviou ao Congresso o projeto de
lei para a criação do Estatuto do Idoso. Segundo ele, a idéia é regulamentar
o artigo 230 da Constituição Federal, que traz um capítulo especial sobre o
idoso, e estabelecer outras normas para dar direitos preferenciais aos mais
velhos, como o de “furar a fila” nos processos na Justiça. “Como o Estatuto
da Criança e do Adolescente, esse projeto quer fazer a defesa integral dos
direitos dos idosos”, explica o parlamentar de 40 anos.
Toda essa preocupação faz sentido e não só por razões humanitárias. A
Organização Mundial de Saúde estima que daqui a duas décadas o Brasil seja o
sexto país do mundo com maior população de idosos. Serão cerca de 32 milhões
de brasileiros com mais de 60 anos. Em 2025, a expectativa de vida para
homens e mulheres estará na casa dos 80 anos.

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