Jari, um sonho de US$ 1 bilhão perto do fim

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Publicada em 3 de junho de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado Espacial
LARANJAL DO JARI – O passado e o futuro se encontram em Laranjal do Jari, no
sul do Amapá. De um lado, um sonho antigo de transformar essa região da
Amazônia num extraordinário pólo agroindustrial, exportador de papel e
celulose e produtor de arroz. Do outro, a vontade de fazer caboclos virarem
homens de negócios, vendedores de castanha beneficiada na forma de azeite e
biscoitos. No meio disso tudo, uma população de quase 30 mil pessoas à
espera de uma vida melhor.
Laranjal do Jari é um povoado que virou cidade, ganhou prefeitura, mas ainda
padece da falta de infraestrutura. Atraídos pela oportunidade de emprego do
Projeto Jari, milhares de pessoas migraram para as margens do Rio Jari a
partir do fim dos anos 60. Formaram o Beiradão, um aglomerado de palafitas
que existe até hoje.
“Antes andávamos sobre duas tábuas”, explica a professora Raimunda Nonato
Ferreira Barbosa, de 51 anos. Agora, aumentaram as tábuas, mas as casas de
madeira continuam pregadas umas nas outras. A escola da professora Raimunda
convive com bares e prostíbulos a menos de 100 metros de distância. “As
crianças ficam jogando bilhar nos bares e há meninas de 12 anos grávidas”,
lamenta.
“Isto aqui nunca vai mudar. O município é pequeno, tem poucos recursos e
fica dependente do Estado e da prefeitura”, afirma Edivan Gomes, responsável
por um posto de saúde municipal. Cerca de 300 pessoas passam diariamente
pelo local, vítimas de doenças como malária, hanseníase e, ultimamente, o
tifo. Os cinco médicos dão conta do atendimento, mas faltam remédios. A
solução encontrada por Gomes foi pedir aos pacientes que buscassem os
medicamentos no hospital estadual. Segundo ele, por causa de disputas
políticas, mais de 300 receitas foram recusadas pelo hospital nos últimos
meses.
Na última década, a população de Laranjal do Jari cresceu mais de 30%,
índice desproporcional ao número de empregos que surgem na região. Na época
da criação do Projeto Jari, 25 mil pessoas foram empregadas. Hoje, a Jarcel
Celulose é responsável por 3 mil empregos diretos e indiretos. Na região,
vive-se com um olhar no passado, quando choviam dólares e surgiu ali um
modelo de colonização da Amazônia.
Aventura – O milionário americano Daniel Ludwig torrou quase US$ 1 bilhão de
sua fortuna para tentar criar um pólo de desenvolvimento na que foi a maior
fazenda particular do mundo, a Jari Florestal e Agropecuária, mais de dez
vezes maior que a cidade de São Paulo. O 1,6 milhão de hectares avançava
sobre o Pará e Amapá. Atraído pelo governo militar, Ludwig chegou ao País em
1967, com mais de 70 anos, acreditando que o mundo precisaria de muito papel
e arroz.
Sempre apressado, Ludwig decidiu importar uma usina pré-montada e uma
termogeradora do Japão. O transporte das duas unidades de 30 mil toneladas
foi feita por duas balsas, com a impressionante travessia do Índico ao
Atlântico, navegando por mais de 26 mil quilômetros de oceano e aportando no
interior da Amazônia.
O americano trouxe também da Ásia a gmelina, uma árvore para produzir a
celulose. A espécie não resistiu às pragas e agora a matéria-prima é o
eucalipto. Projetou a produção de arroz em 14 mil hectares. Hoje, nem um
grão sai dessas terras. Tentou criar 100 mil cabeças de gado. Foi um fiasco.
Atualmente, os 9 mil búfalos servem apenas para ocupar a propriedade e
alimentar os funcionários.
Ecoturismo – Nos anos 80, o projeto caiu em desgraça aos olhos do governo.
Em 1982, Ludwig vendeu o seu sonho para empresários brasileiros. De lá para
cá, a empresa já trocou de mãos duas vezes. No ano passado, a Saga Holding
assumiu o negócio por US$ 1 e uma dívida de US$ 450 milhões. Nos
próximos dez anos, 80% de um lucro eventual será destinado aos credores,
entre eles 18 bancos. “A celulose será um dos negócios. Teremos ainda o
manejo sustentável da madeira e a possibilidade de investimento no
ecoturismo. Vamos criar um pólo de desenvolvimento”, promete Sergio Amoroso,
controlador da Saga Holding e do Grupo Orsa.
O governador do Amapá, João Alberto Capiberibe, considera o Projeto Jari um
“grandioso fracasso” e responsável por inúmeros problemas sociais. Prefere
trabalhar em outras frentes, ajudando a formar cooperativas de seringueiros
e castanheiros. Vende como uma das vedetes de seu governo a criação da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru, onde está sendo
instalada uma fábrica de beneficiamento da castanha.
No passado, os castanheiros chegavam a trocar 50 quilos do produto por uma
lata de leite em pó. Agora, como cooperados, livraram-se dos atravessadores
e poderão produzir biscoitos, óleo e azeite da castanha. Serão
microempresários.
Na prática, 37 famílias participam da Cooperativa Mista dos Produtores
Extrativistas do Rio Iratapuru. As mulheres poderão abandonar a vida dura no
mato para trabalhar na fábrica. É o caso de Teresa de Jesus Rodrigues da
Silva, de 42 anos. Antes, ela chegava a carregar nas costas três latas de
castanha, em mais de 3 horas de caminhadas diárias. Com a nova função, de
biscoiteira, espera comprar uma TV e um rádio. “Estamos começando devagar,
mas vamos melhorar.”
A fabricante de cosméticos Natura já compra parte do óleo, só que de outra
cooperativa, em Laranjal do Jari. A Comaja conta com mais de 200 associados
e beneficia 1.500 quilos de castanha por dia. Os biscoitos das duas
cooperativas serão vendidos inicialmente para reforçar a merenda das escolas
de Macapá. O governo acionou o Instituto de Estudos e Pesquisa do Amapá para
apoiar os cooperados da região. Quer, assim, encontrar novos produtos e
aprimorá-los para tornarem-se viáveis economicamente.
“Para essas famílias, a castanha é um exemplo. Mas o produto não é
suficiente para desenvolver um Estado”, critica Cristóvão Lins, diretor da
Jarcel e autor de dois livros sobre o Jari. “O extrativismo vai acabar com a
região, porque não há riquezas suficientes para toda população.”
O agrônomo Lins é defensor do projeto de Ludwig e acredita que a região
possa crescer, se houver geração de energia. Há um projeto pronto para a
construção, no Rio Jari, da usina hidrelétrica de Santo Antônio, que depende
do aval do BNDES da ordem de US$ 100 milhões.
A expressão desenvolvimento sustentável pode ser ouvida tanto do governador
Capiberibe quanto do empresário Amoroso. No fundo, dois discursos que
insistem em seguir separados, enquanto os quase 30 mil moradores de Laranjal
do Jari esperam por dias melhores.

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