Internet vira paraíso dos boatos eletrônicos

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Publicada em 4 de dezembro de 2000
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Celulares de graça? Ganhar mais de R$ 2 milhões em três meses? Um alerta
sobre o poder destrutivo de um novo vírus de computador? Bill Gates pedindo
o seu número de telefone? Seqüestros de crianças dentro de um supermercado?
A Amazônia brasileira vira área de preservação internacional?
Esqueçam. É tudo mentira.
Com o crescimento da Internet, mais pessoas tornam-se vítimas dos
inconvenientes e inconseqüentes e-mails falsos, os trotes eletrônicos. São
as versões modernas das lendas urbanas, que agora contam com maior
agilidade. Travestidos de um texto, em geral, bem escrito e até convincente,
essas histórias circulam diariamente à procura de internautas crédulos, que
imediatamente repassam os e-mails para seus amigos. O efeito bola de neve é
inevitável.
Se cada pessoa repassar um e-mail falso a dez outras pessoas, e assim
sucessivamente, em questão de minutos pode-se chegar a um milhão de trotes
circulando pela Internet. A conta foi feita pelo Departamento de Energia dos
Estados Unidos, que tem um time de especialistas trabalhando só sobre essa
questão (hoaxbusters.ciac.org). Segundo eles, oito em cada dez alertas de
vírus são mentirosos. O resultado é que esse tipo de correspondência aumenta
a lentidão da rede, tamanha a quantidade de mensagens.
Anônimos – Os rumores virtuais espalham-se rapidamente pela Internet e por
causa dela. Antes, para que uma mentira circulasse mundo afora era preciso
contá-la a um amigo e este se dispusesse a espalhá-la a outros amigos. As
tradicionais cartas, além de demoradas, dificilmente seriam eficazes porque
são poucos os que acreditam em textos anônimos. Com a Internet, não. Com
simples comandos, e muita criatividade, o trote eletrônico dissemina-se
rapidamente e é quase impossível saber de onde ele partiu.
Veja o caso da leptospirose que poderia ser transmitida pelas bebidas em
lata. A história já havia circulado um ano atrás e voltou novamente em
outubro. Para dar ares de credibilidade, a nova versão do boato citou o pai
da modelo Daniela Sarahyba, que de fato morreu da doença, e um estudo do
Inmetro. “Nunca fizemos pesquisa sobre isso”, adianta o presidente do órgão,
Armando Mariante Carvalho.
Essa mensagem circulou originalmente nos Estados Unidos, com personagens de
lá. O colunista do Estado, Cesar Giobbi, chegou a publicar, sem citar nomes,
o problema em duas notas, ponderando que nunca é demais tomar cuidado com o
que as pessoas levam à boca. “É impossível contrair a doença tomando cerveja
ou refrigerante direto na latinha”, garante David Salomão Lewi,
infectologista da Universidade Federal de São Paulo.
O oportunismo é um ingrediente fundamental. Sempre que ocorre um fato de
repercussão, a mente criativa dos autores dos e-mails falsos começa a
funcionar, pois eles sabem que têm maiores chances de tornar a histórias
mais verossímeis. Um dos mais recentes continua em circulação e fala sobre o
tremor de terra que aconteceu no entorno de Brasília, no dia 20 do mês
passado. Com muita criatividade, o e-mail explica que o fenômeno não era um
abalo sísmico, mas o resultado de exercícios militares ocorridos na região,
onde o Brasil estaria testando bombas para os Estados Unidos. (Veja outros
casos acima)
Se os trotes eletrônicos vão continuar existindo, o que fazer então para não
cair neles. O escritor norte-americano David Emery mantém o site
urbanlegends.about.com, com exemplos de lendas urbanas que já se tornaram
clássicas. Para ele, lidar com a questão exige bom senso. “A Internet cria
novas exigências para todos nós, porque de uma certa forma somos todos
divulgadores de notícias agora. O conceito de ter responsabilidade sobre o
que você decide dividir com outras pessoas é novo, mas absolutamente
essencial na era digital”, resume.
O administrador de empresas Gevilacio Coêlho de Moura mantém uma página
(www.quatrocantos.com) com as versões brasileiras dos boatos eletrônicos,
que ele chama de “pulhas virtuais” (em inglês, são os “hoaxes”). O fato
curioso é que só decidiu criar o serviço depois que ele próprio foi vítima
de um e-mail falso, que falava sobre como uma mulher norte-americana pagou
R$ 250 por uma receita de biscoitos. “Foi um choque, como perder a
inocência. Passei a desconfiar dessas coisas e ao mesmo tempo a acompanhar o
aparecimento desses hoaxes em minha caixa postal”, afirma.
Ética – A advogada Paula Bichuete, que se preocupa com a ética da era
digital, questiona a mudança de comportamento das pessoas diante da
Internet. “Criou-se o mito de que existem dois mundos, o real e o virtual”,
afirma. “Os meios podem ser novos e complicados à primeira vista, mas quem
faz uso deles são as mesmas pessoas que fazem parte do cotidiano. As mesmas
que enviaram cartas pelos Correios. Como a ética poderia ser diferente?”
Para Marcelo Toledo, gerente de comunicação da Microsoft do Brasil, a
tendência é que essas mensagens tenham pouco efeito. “Já percebemos que quem
tem mais tempo na rede acaba se tornando cético a esse tipo de e-mail e não
repassa para frente”, afirma. Ou seja, no futuro os boatos virtuais poderão
ser comparados aos trotes telefônicos, que mais chateiam do que prejudicam.
A própria empresa de Bill Gates torce para que isso aconteça logo.
Recentemente, um usuário criou o e-mail billgates@yahoo.com.br, no qual o
bilionário, dando uma desculpa qualquer, escreve para pedir nome, telefone e
conta bancária do usuário. Alguém respondeu?
Às vezes, as pessoas que retransmitem as mensagens falsas agem de forma
inocente e até se sentindo úteis. O fotógrafo Adail Moreira recebe cerca de
10 e-mails por dia. No mínimo, 3 são puro lixo. O que não o impede de,
sempre que vê algum fundamento neles, repassar para colegas, cerca de 50
pessoas. “Se eu acredito que pode acontecer, que todo mundo está sujeito,
então vale o alerta”, explica. “Quem usa a Internet hoje são formadores de
opinião e eles podem saber o que é certo ou errado.”
Autoria – Também esse foi o caso do consultor Renato João Cristofoletto, de
36 anos. Alertado sobre os riscos de seqüestros de crianças no supermercado
Carrefour de Guarulhos, ele repassou o e-mail a dois amigos que tinham
filhos pequenos. Esqueceu, contudo, de remover a assinatura automática de
seu programa e, a partir daí, tornou-se o “autor” de tal mensagem. “É
terrível. Sinceramente, gostaria de saber como isso veio parar na minha
caixa postal”, resume, depois de receber telefonemas de pessoas igualmente
preocupadas com a veracidade da informação. Os especialistas afirmam que
esses autores fazem isso para sentirem-se realizadas no exato momento em que
a mesma mensagem volta à sua caixa postal.
Na semana passada, um caso de uso indevido de e-mails foi resolvido. A
Polícia Federal prendeu o policial civil Marco Antônio Nunez Pereira, de 42
anos, acusado de mandar mensagens fazendo-se passar pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso. É uma prova de que, mesmo no mundo virtual, o crime não
compensa. (Colaborou Luciana Miranda)

Controle de e-mails começa a ser debatido
O anonimato que a Internet possibilita é saudado pelos internautas como uma
dádiva e exorcizado pelas autoridades. Organismos internacionais tentam
criar uma forma de rotular os e-mails, colocando, por exemplo, um
identificador invisível em cada mensagem. Com ele, policiais especializados
poderiam rastrear a origem dos trotes eletrônicos.
Ainda assim, o anonimato poderia continuar existindo. Bastaria criar uma
caixa postal num serviço gratuito e ter acesso a ela a partir de locais onde
não seja necessário se identificar, como os cybercafés.
Por enquanto, o que existe são tentativas de se criar legislações
específicas sobre e-mails e sites de conteúdo condenável. No Brasil, o
Ministério da Justiça entende que as leis existentes são suficientes para
punir os responsáveis. Mas há casos como o da Justiça na França que
recentemente proibiu a Yahoo! americana de liberar o acesso de franceses a
um site de leilões de objetos nazistas.

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