Publicada em 20 de novembro de 1997
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
RIO – Aos 60 anos, Ana Marcondes Faria não esconde o orgulho de
ver o centro comunitário que preside dar os primeiros passos no caminho da
modernidade. Cansada de ver tantos jovens do Morro dos Macacos morrerem vítimas
da violência urbana, Ana lutou e conseguiu equipar uma das salas do centro com
computadores. Hoje, as telas coloridas das máquinas e os olhos brilhantes dos
alunos dão a ela a certeza de que os jovens têm agora uma outra opção. Desta
vez, de vida.
No Morro dos Macacos, vivem cerca de 18 mil moradores. Assim
como na maioria das favelas cariocas, traficantes controlam o local. Mas deixam
em paz o trabalho comunitário de Ana, que há dois anos conheceu e decidiu
instalar uma Escola de Informática e Cidadania (EIC). “Estamos ensinando os
nossos jovens a deixar de querer morrer cedo”, afirmou Ana. “A gente está
conseguindo com a informática, que é um negócio da atualidade, fazer com que os
jovens escapem da violência. “
Outras 35 favelas do Rio têm as EICs. Trata-se
do projeto desenvolvido pelo Comitê para a Democratização da Informática (CDI),
criado em abril de 1995. A idéia é simples: por meio de doações de computadores
usados, o comitê incentiva favelas e bairros pobres a criar núcleos de
informática para as comunidades carentes.
Chacina – O projeto já está presente
em sete Estados (Rio, São Paulo, Minas, Bahia, Pernambuco, Paraná e Mato Grosso
do Sul). São quase 50 escolas espalhadas pelo País que não se limitam às aulas
de informática. Com os computadores, o CDI prova que é possível também ensinar
conceitos de cidadania, direitos humanos e até alfabetização.
Para o
coordenador-geral da Casa da Paz, em Vigário Geral, André Fernandes, as escolas
de informática para as comunidades carentes são mais que uma novidade. “A
mentalidade da sociedade é a de que na favela pode ser levada qualquer coisa,
menos computadores. ” Na mesma sala onde, em agosto de 1993, oito evangélicos
morreram na chacina de Vigário Geral, os jovens hoje aprendem tecnologia.
Em
todas as EICs, há uma associação de moradores ou instituições religiosas
locais, responsáveis pela gestão das unidades. Por meio de um contrato entre
elas e o CDI, as comunidades ficam encarregadas de encontrar uma sala com
condições adequadas para abrigar os computadores, que são doados pelo
comitê.
Os cursos não são gratuitos. Cada aluno paga uma taxa de R$ 10,00 para
cada um dos módulos dos cursos básicos. Metade do dinheiro fica com a escola e
o restante é pago aos instrutores. O comitê ajuda na elaboração do
método.
Discussão – Cada aula tem duração média de uma hora e meia e o curso
dura cerca de três meses. Atualmente, seguindo tendência do mercado, são dadas
aulas dos programas Windows, Word, Excel e Power Point. Há ainda cursos de
manutenção de computadores, habilitando a formação de técnicos.
Engana-se,
porém, quem pensa que as aulas ficam apenas nas dicas de como usar os programas
de computadores. Na elaboração de textos no processador Word, por exemplo, os
estudantes tomam conhecimento de alguns conceitos de cidadania. Depois,
documento pronto, é hora de discutir o texto.
Liliana Belém de Gouveia, de 42
anos, é educadora da Fundação da Infância e Adolescência (FIA) há 23 anos.
Quando a FIA ainda era a Fundação Estadual de Educação do Menor, Liliana não
conseguia ver o resultado de seu trabalho. “Agora, a gente vê uma criança que
antes não sabia nada sair com algum conhecimento”, explicou.
O fundador do
projeto Vila Olímpica da Mangueira, Chico Carvalho, também apóia o CDI. “A
evolução e a modernidade fazem com que um projeto grandioso como o nosso tenha
necessidade de um programa de informática como esse”, frisou Carvalho. Na
escola, o presidente norte-americano Bill Clinton chegou a conversar com
estudantes nos Estados Unidos durante sua visita, mês passado, ao Rio.
O CDI é
uma organização não-governamental (ONG) e tem parceiros nacionais e
internacionais, como o Conselho Mundial de Igrejas, a ONG Ashoka e o Sirnegos
Institute. Mais de 5,5 mil pessoas foram formadas. Há uma metodologia padrão
proposta pelo comitê, mas cada comunidade pode adaptar o programa, segundo sua
realidade. “É como se fosse uma metodologia de Paulo Freire aplicada ao ensino
de informática”, explicou o coordenador-geral, Rodrigo Baggio. O desafio,
porém, é maior. “A idéia é romper com o ciclo da pobreza, pois o computador
consegue inserir a pessoa no mercado de trabalho.”