Publicada em 31 de outubro de 2003
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
A notícia circulou entre vizinhos, amigos e parentes. Outros ouviram no
rádio ou na televisão que era preciso correr para não perder o prazo para
reivindicar um reajuste na aposentadoria. E nos últimos dias o que mais se
tem visto são idosos e doentes em pé, esperando sua vez. Alguns até dormem
de madrugada na frente do Juizado Especial Federal de São Paulo. Um
sacrifício que poderia ser evitado. Ao meio-dia, a fila que poucas horas
antes dobrava o quarteirão da Rua São Joaquim se resumia a alguns minutos de
espera. E hoje o Sindicato dos Apósentados e Pensionistas da Força Sindical
iniciará um mutirão para atender os interessados, na Rua Galvão Bueno, 782,
Liberdade. Mas como convencer aposentados que as tardes estão mais livres e
as filas menores? “O governo poderia ajudar”, responde Vicente da Silva, de
77 anos.
Silva é uma de mais de 5 mil de pessoas que enfrentaram a fila de ontem para
entrar na Justiça contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os
brasileiros têm feito isso nos últimos meses – só nesse juizado paulista, já
são 200 mil processos. Tudo por conta da Lei 9.711/98, que define o prazo
até 20 de novembro para quem quiser pleitear o reajuste da aposentadoria ou
pensão. Em São Paulo, 900 mil pessoas poderiam ser beneficiadas. É um
direito considerado, por juízes, certo para casos como a não-aplicação
correta do Índice do Reajuste do Salário Mínimo (IRSM) de fevereiro de 1994
na atualização dos salários de contribuição. Como o INSS não vê dessa forma,
os aposentados têm de recorrer ao Poder Judiciário (Ler abaixo).
“Tenho problema de audição, mas minha mulher viu na televisão e ia me
explicando que podíamos pedir a revisão da aposentadoria”, afirmou Silva.
Ele saiu cedo de casa, perdeu o dia de trabalho e enfrentou horas na fila.
Saiu, como todos os outros, com um envelope na mão e a incerteza de que
conseguirá melhorar seus benefícios. Nessas horas, sua raiva se volta contra
os governantes: “Recebi durante nove anos um pecúlio e no segundo mandato do
Fernando Henrique (Cardoso) ele me tirou esse direito”, criticou, mostrando
o dedo médio amputado depois de um acidente de trabalho. “E por que estou
recebendo bem menos?”
Difícil dizer a tantos aposentados que o processo é demorado. Cada um quer
explicar sua situação aos atendentes para saber se tem esse direito. Com o
dia 20 de novembro se aproximando, a demanda aumentou. Em janeiro de 2002,
eram 70 pessoas por dia. Em março deste ano, eram 300, e em setembro, 1.500.
Foi preciso mudar o atendimento, por orientação da presidente do órgão,
juíza Leila Paiva. “O ideal era o INSS fazer sua parte. Estamos fazendo
artesanalmente o que eles poderiam fazer com um clique no computador.”
Diariamente, o juizado começa a atender às 9 horas. Nesse horário, a fila já
é gigantesca. Jonas Raimundo de Jesus e a mulher Maria de Lourdes, ambos de
57 anos, chegaram às 22 horas de anteontem. Quando começa o atendimento,
cerca de 400 entram de uma só vez. Ficam perfilados nos fundos do órgão,
enquanto esperam pelas explicações. Ontem, era a vez do agente Roniel dar as
orientações. Educado, sempre encerrava com um “muito obrigado, que Deus os
acompanhe”. Era aplaudido. A rotina se estendeu até as 17 horas, mas à tarde
já não havia mais filas.
O aposentado Vicente da Silva voltou para sua casa na zona leste com
dúvidas. Ficou frustrado ao saber que só em cerca de seis meses seu processo
começará ser analisado. Até lá, continuará a fazer cocada e caminhar muitos
quilômetros para vendê-las por R$ 0,70 nos bairros da região.