Homens com T maiúsculo

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Publicada em 26 de abril de 2000
Veja

Juliana De Mari e Eduardo Nunomura
Testosterona é uma palavra que evoca imagens bem definidas: músculos, virilidade e masculinidade. Em outras palavras, é coisa de macho. Não é por outra razão que está se tornando o aditivo da moda para os senhores de meia-idade, que sentem que alguma coisa está começando a faltar com o avanço da idade. Eles andam entusiasmadíssimos com o “T” – de testosterona, o hormônio masculino por excelência. Até pouco tempo atrás restrito às academias de halterofilismo em busca de silhuetas à la Arnold Schwarzenegger, sob a forma de bombas anabolizantes, o hormônio começa a ganhar prestígio como panacéia para restabelecer a vitalidade na cama e fora dela. Nos Estados Unidos, mais de 4 milhões de homens cujo corpo não produz a quantidade necessária da substância têm a reposição hormonal como rotina. Só se pode especular sobre quantos mais usam testosterona, sem prescrição médica, em busca do bem-estar físico e emocional. Esse número deve se multiplicar a partir de julho, quando chega às farmácias americanas o AndroGel, a versão do hormônio sob a forma de gel. Pode ser o fim das injeções, comprimidos e adesivos, nem sempre cômodos e eficazes. Especialistas estimam que nos próximos dois anos o mercado de remédios com base no hormônio chegue a movimentar 2 bilhões de dólares. Testosterona com aplicação local, como se fosse uma loção de bronzeamento, quem não quer?
Calcula-se que um em cada seis homens com mais de 60 anos sofra com a queda nos níveis de testosterona. “Isso é muito mais comum do que se imaginava”, afirma o endocrinologista Geraldo Medeiros, professor da Universidade de São Paulo. Com a baixa, vem a depressão, a fadiga crônica, a falta de energia, a lentidão de raciocínio e a inapetência sexual. Para esses senhores, os médicos são unânimes, testosterona neles. O hormônio ajuda a desenvolver a massa muscular e aumenta o apetite sexual. São características ideais para duas preocupações centrais do homem moderno: manter o corpo em forma e ser um atleta sexual. O perigo está justamente aí: as picadas, os comprimidos, adesivos e gel sendo consumidos por quem não precisa. Os riscos a médio prazo são maiores do que os benefícios. Doses extras de T podem causar problemas no fígado e aumentam a possibilidade de câncer na próstata. Entre os efeitos possíveis está a diminuição do tamanho dos testículos e o aumento das mamas nos homens. Mulheres podem ter engrossamento irreversível da voz. Somem-se aí calvície precoce e até infertilidade.
Produzido nos testículos, o hormônio é fundamental para o homem desde a vida intra-uterina. É ele que define as características masculinas do bebê. Por volta da sexta semana de gestação, estimulado pela presença do cromossomo Y, o útero materno libera a substância no organismo do feto. É nesse momento que se formam o pênis e os testículos do menino. Durante a infância, não há produção do hormônio. É só na puberdade que ele volta à ativa – aliás, com intensidade vulcânica. Entre 15 e 18 anos, a produção de testosterona atinge seu pico, podendo chegar a 1.000 nanogramas por decilitro de plasma sanguíneo. O equivalente a 1 bilionésimo de grama de hormônio por 0,1 litro de sangue – uma substância poderosa em quantidades tão ínfimas. O rapazinho ganha barba e pêlos, a voz engrossa e o corpo franzino começa a exibir músculos mais definidos. Graças à ação da testosterona, o comportamento do adolescente também muda. Ele se torna mais agressivo, ousado e com a libido a todo o vapor. A mulher também necessita da testosterona, mas a produz em níveis bem mais baixos nos ovários e nas glândulas supra-renais. É uma quantidade quase insignificante se comparada à masculina. Não ultrapassa 80 nanogramas. Ainda assim, dizem os médicos, parece ter a nobre função de regular a libido feminina. Não é à toa que a mulherada também anda alvoroçada com a T.
A produção masculina de testosterona começa a minguar a partir dos 30 anos. Mas a queda é tênue e muito lenta. A maioria dos homens jamais precisa de doses suplementares. Essa necessidade só pode ser constatada com exames médicos. Se o hormônio está abaixo do normal, os médicos são unânimes em recomendar a reposição. É a única unanimidade nesse tema. Muitos clínicos defendem a prescrição para pacientes com taxas normais do hormônio, mas em níveis decrescentes. Homens de meia-idade nessa situação conseguem resultados surpreendentes nas primeiras semanas de tratamento. Quinze dias são suficientes para melhorar a disposição geral e recuperar o apetite sexual. “Esse tipo de prescrição ainda merece mais estudos”, acautela-se o endocrinologista Alfredo Halpern. “É uma tendência, mas ainda vai levar anos para se tornar comum.”
Todo cuidado é pouco. Como qualquer outra droga, a testosterona pode representar riscos quando má utilizada. “É o caso de jovens que tomam altas doses do hormônio sem prescrição médica para ganhar músculos da noite para o dia”, afirma João Hamilton Romaldini, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Em trinta dias, conseguem resultados que à base de atividade física e alimentação demorariam muitos meses. Mulheres quarentonas que freqüentam academias de ginástica também estão ávidas por sua dose extra. Se a testosterona é hoje o hormônio mais amplamente pesquisado e debatido, isso não decorre apenas de suas aplicações na medicina. A maior controvérsia é sobre a diferença de comportamento entre homens e mulheres e até que ponto isso é determinado biologicamente. Estudos relacionam características de comportamento como confiança, competitividade, tenacidade e espírito de liderança com a quantidade do hormônio no homem e na mulher. Um deles afirma que, em ambientes de trabalho, um homem que tiver mais testosterona consegue impor-se aos demais. Outro mostra que mulheres que trabalham fora têm níveis hormonais mais elevados que os de donas-de-casa.
As pesquisas científicas estão longe de ter chegado a uma conclusão sobre todas as implicações sociais da testosterona. Na questão na qual se sabe que esse hormônio tem importância fundamental – a atividade sexual – há especulações curiosas. Um pesquisador concluiu que os homens casados têm níveis mais baixos de testosterona. A explicação seria que a evolução encontrou essa forma de manter o macho em casa cuidando da família. Nos recém-divorciados, contudo, os níveis de T sobem rapidamente, como se eles se preparassem para competir por uma parceira. Numa reportagem sobre o assunto, a revista Time apresentou uma questão instigante: os velhos que rotineiramente aumentam seus níveis de testosterona e, como conseqüência, o apetite sexual não irão abalar os alicerces do arranjo social chamado família? Perguntado pela publicação americana sobre o que acontece quando os homens têm níveis mais altos que o normal, o psicólogo James Dabbs, da Universidade do Estado da Geórgia e autor de um livro sobre a importância do hormônio masculino, resumiu: “Eles ficam intratáveis”

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