Festa atrai ‘Brasil das reivindicações’

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Publicada em 2 de janeiro de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
BRASÍLIA – O Brasil das reivindicações foi à posse de Luiz Inácio Lula da
Silva. Sindicalistas, representantes de organizações não-governamentais
(ONGs), militantes partidários e líderes estudantis foram brindar o novo
presidente com faixas, bandeiras, palavras de ordem e muito discurso
panfletário. Auto-proclamados defensores da “luta de classe”, eles
aproveitaram a Esplanada dos Ministérios para dar um recado, que pode ser
resumido nas palavras do presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel José dos Santos: “Agora é a
nossa vez.”
No meio de milhares de pessoas que foram ver a posse de Lula, Santos afirmou
que a partir de agora será possível conversar com o governo. “Hoje estamos
felizes, ajudamos a elegê-lo, mas precisamos fazer com que ele construa as
políticas para uma reforma agrária no Brasil”, discursou. Perto dele, o
professor João Bosco era mais contundente diante de um grupo de
brasilienses: “Estamos distribuindo uma carta, não é panfletagem, mas um
esclarecimento para a militância do PT.”
Membro da corrente petista O Trabalho, Bosco distribuía um panfleto de
repúdio à participação de “representantes da burguesia” no governo Lula.
Mais exatamente dos ministros Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento,
Indústria, e Comércio) e Roberto Rodrigues (Agricultura) e do presidente do
Banco Central, Henrique Meirelles. “Há uma carga de ilusões nas massas que
estão aqui. A burguesia também está disputando o povo. É por isso que
precisamos fazer militância justamente hoje.”
Com a bandeira azul da União Nacional dos Estudantes, o vice-presidente da
entidade, Ademário Costa, de 28 anos, falava claramente: “Não existe
diferença entre reivindicar, protestar ou prestigiar a posse de Lula.
Precisamos assumir a responsabilidade de conduzir o Brasil.” E com tantos
estudantes em Brasília, nada melhor do que aproveitar a oportunidade para
fazer uma assembléia. Será hoje, na Universidade de Brasília (UnB).
“Queremos rever o sistema de avaliação, assistência estudantil e recuperar a
perda de qualidade das universidades federais.”
Visivelmente fãs de Lula, deixavam o discurso de lado ao menor sinal de que
o novo presidente passaria perto deles. O servidor público Amarildo Aguiar,
de 39 anos, veio de Conceição do Araguaia, no Pará, para tentar entregar uma
bandeira a Lula. Tinha a inscrição: “O Brasil te abraça, o mundo te aguarda.
Mas… Fora FMI.” Para Aguiar, o esforço de vir de tão longe compensava:
“Ele vai ler a mensagem e entender o recado. A gente está abraçando o Lula,
mas exigindo que não seja dependente do FMI.”
Promessas – Os movimentos sindicais ainda tentam entender o que é ter na
Presidência da República um “companheiro” que tanto defenderam. “As nossas
reivindicações vão ser cobradas ainda mais, porque hoje temos um legítimo
representante do povo. A nossa luta não vai parar”, afirmou Antonio
Rodrigues Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Carmo
Verde, de Goiás. Para ele, Lula deve entender que o povo compareceu para
prestigiar a posse, mas também reivindicar anos de promessa.
“Vamos influenciar esse governo. Chegar ao poder é muito mais que isso, é
ajudar a decidir quem vai comandar a Petrobrás”, afirmou o sindicalista
Sergio Abad Neto, de Duque de Caxias, no Rio. Segundo ele, Lula terá de
receber os sindicatos, todos, para discutir projetos para o País. O mineiro
Hélio Dias, do Sindicato de Servidores Públicos da Universidade Federal de
Viçosa, organizou uma caravana de 50 pessoas para cobrar do presidente
transparência e justiça. “Se houver mudança de idéias, ideologias, seremos
sindicalistas brigando com ele amanhã.”
Para o presidente do Grupo Homossexual de Brasília, Welton Andrade, de 23
anos, Lula e o PT sempre tiveram plataformas comuns com o movimento. Agora,
no poder, será a vez de não deixarem para trás essas bandeiras. “Estamos
aqui com alegria, mas não é só oba-oba.” Andrade adiantou que a Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis vai se somar a tantos outros
movimentos para levar ao governo mais uma reivindicação: a criação de uma
fundação voltada para os homossexuais.

Emoção e euforia dominam Esplanada
A analista de sistemas Cinthia Araújo e Silva, de 27 anos, não
sabe bem o que deu em sua cabeça quando decidiu se atirar de roupa e tudo no
espelho d’água do Congresso. Bastou que alguns poucos entrassem nele e lá
foi ela de bandeira na mão, para tentar chegar perto do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. “Cara, já que estou aqui vale tudo. Acho que é a
emoção de ver o povo assumir o poder”, explicou. Nascida no Distrito
Federal, Cinthia sentiu-se fazendo parte da história do País, só por ser
“mais uma” no meio da multidão. “Quero sentir tudo o que está acontecendo
aqui.”
O “cinqüentão” Paulo Frateschi vestiu uma camisa branca e uma calça jeans e
veio com a família para ver a posse de Lula na Esplanada dos Ministérios.
Ex-sindicalista, o paulista estava realizando o sonho de ver Lula
presidente. “É um orgulho ver todo esse acontecimento. É uma coisa
fantástica termos eleito Lula e agora saber que há condições para mudar esse
País.” Como vários dos que estiveram em Brasília, encontrou amigos e vibrou
com eles a cada passagem próxima do presidente. Só um detalhe: Frateschi é
presidente estadual do PT de São Paulo e, apesar de ter um convite para
participar da cerimônia, preferiu ficar com o povo.
Para a produtora de cinema Moema Muller, de 42 anos, estar em Brasília na
posse de Lula era ter a certeza de ver o Brasil ressurgir “500 anos depois”.
Seu namorado, o cineasta Paulo Sacramento, de 31, ia mais além. “No começo
não era nada, me interessava só no operário, na vida do sindicalista. Mas
agora me sinto cada vez mais parte disso tudo”, alegrava-se. “Parece que
vale a pena lutar.”
A multidão furava o bloqueio, nas diversas falhas na segurança, e se
aproximava das autoridades. Após discurso de Lula no parlatório do Palácio
do Planalto, foi a vez de o representante de vendas Daniel Queiroz Galvão,
de 28 anos, fazer sua homenagem particular. Ao lado de 50 pessoas que se
aproximaram da tenda de chefes de Estados, ele aproveitou para jogar sua
boina – um presente da namorada – para o presidente cubano, Fidel Castro.
Para sua surpresa, recebeu-a de volta, assinada. Galvão, que viajou 36 horas
de Belém até Brasília, pulou de alegria. “É um homem extraordinário”, disse,
referindo-se a Fidel. “Cuba é o espelho do mundo.” (Eduardo Nunomura e
Conrado Corsalette)

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