Publicada em 28 de novembro de 2004
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Enviado especial
BALSAS
A pioneira região de Balsas, no Maranhão, vive um dilema de difícil solução.
Para escoar a crescente produção de soja, torce para que a prometida chegada
dos trilhos se concretize. Mas se tivesse de optar entre a ferrovia ou mais
estradas é bem provável que escolhesse a segunda opção. Sem contar com
nenhum vagão para puxar seu crescimento econômico, o município é um exemplo
revelador de como as Parcerias Público-Privadas (PPP) podem se tornar uma
eficiente solução para os problemas de infra-estrutura no País. Desde que se
invista primeiro nas obras certas.
O Maranhão prevê bater a marca de um milhão de toneladas de soja na próxima
safra, cujo plantio começa agora. Mais que simbólico, o recorde mostra que
fazendeiros e empresas agrícolas têm enfrentado de maneira quase heróica o
desafio de levar tanta carga aos portos ou às fábricas de processamento do
grão. Nos últimos dez anos, a área de plantio passou de 63 mil para 342,5
mil hectares. No mesmo período, foram construídos apenas 130 quilômetros de
ferrovias.
Uma das apostas para o futuro da soja no País, o cerrado dos Estados do
Maranhão, Piauí e Tocantins escoa sua produção pelo chamado Corredor Norte.
Faz parte dele a Ferrovia Norte-Sul, que se interligou com a Estrada de
Ferro de Carajás. A Norte-Sul, que já chegou a ser lembrada como a ferrovia
que ligava “nada a lugar nenhum”, teve expansões graduais. De Açailândia até
Imperatriz, levou um ano. E oito anos depois até o terminal de Porto Franco,
concluído em 2000. Já está pronto o seu prolongamento até Aguiarnópolis, em
Tocantins. Desse ponto até o norte do Mato Grosso e mais um ramal de
Estreito até Balsas, o governo acredita que possa tocar os trechos por meio
das PPPs.
A expansão da ferrovia no ramal até Estreito, a 270 quilômetros de Balsas,
não trouxe grande alento aos produtores de soja da região. Imaginavam que,
com o terminal de Porto Franco, obteriam preços melhores ao reduzir o custo
do frete pela via ferroviária. Em vez de levarem os grãos por estradas
esburacadas, acreditavam que pelos trilhos seriam imbatíveis. Afinal, por
essa rota, estão muito mais próximos dos mercados americano, europeu e
asiático. Só que a soja do cerrado maranhense tem alcançado valores próximos
aos do Sul.
O agronegócio da soja criou uma rede de distribuição bastante sofisticada.
Hoje, muitos produtores preferem levar a mercadoria direto para silos de
empresas como Bunge, Cargill e Multigrain, as três tradings presentes no
terminal de Porto Franco. Espalhadas em várias regiões, essas companhias se
encarregam de despachar os grãos para os terminais e de lá para os portos
marítimos ou as fábricas de processamento. São elas que praticamente definem
o quanto vale a soja. Outro determinante para o preço final tem sido o custo
ferroviário. Pela lógica, deveria ser muito mais vantajoso que o rodoviário
– um vagão equivale a três carretas. Na prática, contudo, já há produtores
preferindo seguir pelas estradas esburacadas.
“O que olhamos são prioridades de investimento”, diz o empresário e
fazendeiro Francisco José Honaiser, gaúcho de Carazinho e há 28 anos no
Maranhão. “Antes da ferrovia, já temos outros gargalos e um deles, gigante,
é a chegada da mercadoria em Balsas.” O município no sul do Maranhão é
enorme. Tem 12.500 quilômetros quadrados de área, mais que a metade do
Estado de Sergipe. Há produtores que estão a centenas de quilômetros de
distância dos armazéns das tradings. E pagam caro para trafegar por estradas
ruins que ficam intransitáveis com as chuvas.
Mirando no exemplo de sucesso de Mato Grosso, foi criada uma associação de
14 produtores na Serra do Penitente, em Balsas. A idéia é fazer com que
governo do Maranhão e associação se unam para pavimentar 110 quilômetros de
estradas. Em Mato Grosso, uma comitiva de maranhenses ouviu do governador e
grande produtor de soja, Blairo Maggi, que nesse tipo de parceria dá para
fazer mais pagando menos. As empreiteiras cobram dos governos, em média, R$
800 mil por quilômetro de rodovia. Se for via PPP, o preço cai para R$ 250
mil.
FRETE
A cultura da soja na região de Balsas movimenta em torno de R$ 800 milhões
por ano. Muito mais que o orçamento municipal, mas ainda de pequeno porte
para que produtores se tornem grandes o bastante para negociar preços
melhores no frete ferroviário. Quanto maior a produção, melhor poder de
negociação. “Por que não somos tão entusiastas com a chegada da ferrovia?”,
questiona o prefeito eleito de Balsas, Francisco Coelho (PFL). “Porque
aprendemos que a ferrovia privatizada não traz benefícios para o produtor.
São eles e as tradings que definem o preço do frete.”
“Nada acontece da noite para o dia”, diz gerente
Um dos inúmeros gaúchos que ajudaram a desbravar o sul maranhense nas
últimas décadas, o fazendeiro Antoninho Tozi, de 55 anos, tem uma vista
privilegiada para um pedacinho da Transamazônica, a rodovia que liga as
regiões Norte e Nordeste. Por ela, vê a produção dos extensos campos de soja
às margens da rodovia ser escoada. Uma rotina que já dura mais de duas
décadas. E, na opinião dele, nada indica que nos próximos anos o intenso
vaivém de caminhões cederá espaço para a ferrovia. “Para quem vive de
política é fácil falar. Quem vive de lavoura é outra coisa e sabe que nada
acontece da noite para o dia.”
Neste ano, Tozi deve plantar 600 hectares de soja, o que no sul maranhense é
considerado uma pequena propriedade. Vive em função da chuva na hora certa,
da semente mais indicada do momento, de investimentos que faz devagarzinho
em tratores e colheitadeiras e, sobretudo, da variação no preço do grão.
Tudo o que faça diminuir o custo da produção ajuda, mas nem assim a
possibilidade futura de uma ferrovia alegra o fazendeiro. “Se a Norte-Sul
ainda não chegou até o Mato Grosso, por que vão fazer uns 200 quilômetros
até Balsas?”
Na Fazenda Parnaíba, com 16,5 mil hectares de soja plantada, uma das maiores
da região, a decisão tomada foi não se preocupar com a questão logística.
Simplesmente entrega toda sua produção, por volta de 60 mil toneladas por
safra, para as empresas exportadoras. “Há uma descrença dos governos. Não
fazem estradas, não as recuperam, nem trazem energia”, diz Luiz Fernando
Schuch, gerente da SLC Agrícola, dona da fazenda. “Fazemos nossa parte que é
plantar. Por isso que também somos descrentes com a ferrovia.”
A SLC Agrícola não está à toa no cerrado maranhense, nem mirou na promessa
de uma melhor infra-estrutura para a região. Viu uma realidade de terras
baratas, proximidade de um dos portos mais ao norte do País, o de Itaqui, e
uma tecnologia capaz de fazer vingar a soja em baixas latitudes. Nessa
parte, entram a Embrapa e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de
Exporta Norte, criadora e financiadora de pesquisas para tipos de grãos
propícios à região. Isso, e não a infra-estrutura, trouxe a prosperidade.
E.N.