Faculdade vira quilombo moderno

0
321

Publicada em 31 de outubro de 2005
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
A grande concentração de jovens negros já virou rotina no número 236 da Rua
Washington Luís, no centro de São Paulo. São 600 universitários pioneiros da
maior faculdade voltada para o público de descendência afro da América
Latina, a Zumbi dos Palmares. Reúnem-se ali todas as noites para estudar e
obter um diploma de Administração daqui a dois anos, mas o objetivo deles
vai além: resolver o dilema do negro na sociedade brasileira.
“Estamos fazendo a reparação do povo negro e dos carentes”, resume João
Alcântara dos Santos, de 20 anos, segundo anista do curso de administração
geral da faculdade. “Muitas vezes o próprio negro não reconhece sua
identidade, seus direitos, e acha que universidade não é para ele.” João
acha que sim e já sonha com uma pós-graduação ou um MBA. Filho de pais que
não concluíram o ensino fundamental, ele já conseguiu, pela escola, um
estágio que duplicou a renda familiar, hoje na casa dos R$ 3 mil.
Nos três andares da instituição, discute-se muito a reparação social, mas
também preconceito, marginalização, invisibilidade, racismo, auto-afirmação,
cidadania. As aulas abordam leis que regulamentam as relações dos negros, a
história econômica dos afrodescendentes, a cultura do negro e sua
participação na formação do povo brasileiro. Na faculdade, 82% dos 600 se
autodeclararam pretos ou pardos. Neste ano, foram 87% dos ingressantes.
Ausentes por décadas do ensino superior, os negros estão ingressando como
nunca nas universidades brasileiras. As políticas afirmativas, como o
controverso sistema de cotas, são consideradas o principal motivo. Já são
quase 1 milhão entre os 3,5 milhões de universitários. Ou, em porcentuais,
27% é a proporção de pretos e pardos no ensino superior – no ensino
fundamental, são mais de 50%; e na população, 45%, segundo o IBGE. A Zumbi
dos Palmares é um caso extremo e surgiu distante das interferências públicas.

“O tema negro não entrava na agenda. Enquanto isso não for resolvido, o País
vai ficar capengando”, afirma o reitor José Vicente, que vê na Zumbi dos
Palmares uma espécie de quilombo do século 21. Diz não ter inimigos, mas seu
discurso não poupa o governo de Fernando Henrique Cardoso, nem o de Luiz
Inácio Lula da Silva. “Num País que não consegue discutir cotas, saímos na
frente.”
A Zumbi dos Palmares obteve autorização para administrar quatro cursos de
administração (geral, serviços e comércio eletrônico, de finanças e comércio
exterior). Depois de formada a primeira turma, precisa ser aprovada em
avaliação do Ministério da Educação para ampliar as vagas e cursos. Tem 30
professores. Alguns são negros; outros, brancos entusiastas em dar aulas a
pretos e pardos. “Nesta escola, dou aulas para cidadãos pensantes”, diz o
professor Silvio Moreira. Na sua opinião, pelo fato de seus estudantes
lutarem para romper a exclusão, eles se tornam mais críticos e exigentes em
sala de aula.
Primeiro anista, o músico Rappin’ Hood é apenas Antonio Luiz Junior, um
estudante de 33 anos. “Não sou celebridade, sou um igual”, diz. Autor de Sou
Negrão (“Subi o morro pra cantar/que é pra malandro se ligar/que malandragem
é trabalhar/e a pivetada estudar”), Rappin’ Hood defende o sistema de cotas
porque acredita que ele pode diminuir as diferenças sociais.
As discussões em torno das cotas fazem da faculdade um caso que merece
atenção. Os alunos podem ser esforçados, mas muitos chegam com enormes
dificuldades de ensino básico. Por isso, fazem aulas de reforço em português
e outras disciplinas básicas.
Aos olhos dos críticos, pode parecer um arremedo de solução. Mas para
dirigentes e estudantes da Zumbi dos Palmares é muito para um País que viveu
praticamente metade de sua história sob a escravidão de negros.
Informações sobre vestibular, pelo (0xx11) 3313-8701

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui