‘Em menos de 1 minuto, eu perdi as duas’, diz pai

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Publicada em 25 de novembro de 2008
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Enviado especial
Às 20h15 de domingo, Juliano Schwamabach e a mulher, Marinéia, decidiram levar a filha Larissa, de 11 meses, para dormir com eles na cama. Chovia tanto, a menina podia ficar assustada. Primeiro, houve uma explosão ao longe. Minutos depois, um forte estrondo despertou o casal, que se viu mergulhado na lama, a casa se desmanchando em pedaços e sendo levada para o meio de um córrego no Alto Baú, um morro que fica entre Blumenau e Ilhota, cidades do Vale do Itajaí, ao norte de Santa Catarina. Marinéia foi sugada pelas águas. Com uma das mãos, Schwamabach segurou a mulher e com a outra agarrou Larissa. Um novo deslizamento de terra o obrigou a largar Marinéia para não perder a filha. Mas ele não foi forte o bastante. “Em menos de 1 minuto, eu perdi as duas.”
Schwamabach alterna momentos de lucidez, desesperança e muito medo, como afirmou ontem, já no abrigo da Igreja Matriz de Blumenau. Para o local, foram levados ele e outras dezenas de famílias que perderam casas. No Alto Baú, 150 pessoas passaram o dia à espera de socorro de helicópteros do Exército. Só foram socorridas no início da noite. Estavam ilhadas num campo de futebol no alto do morro. Não havia meio de se chegar lá antes.
Quem foi resgatado do morro narra histórias terríveis. “Tudo veio abaixo, a fábrica da família, as nossas casas, as dos vizinhos. Perdemos tudo”, diz Luzia Martendau, de 57 anos, mãe de Marinéia. Os morros com mata nativa não resistiram a quatro meses de chuvas quase ininterruptas. Em Blumenau, são 13 mortos e 7 desaparecidos, com remotas chances de sucesso no resgate. O Rio Itajaí-Açu chegou a 11,60 metros à meia-noite. O problema mais grave, contudo, foram as centenas de graves deslizamentos que ocorreram nas últimas 72 horas, afirmou o prefeito, João Paulo Kleinübing. “Não existe região mais afetada, a chuva não poupou nenhuma parte da cidade.”
Isa Ferretti, de 61 anos, se desespera ao lembrar das horas de aflição que passou no morro. “Vi o cemitério vindo a baixo, a igreja, as fábricas, nada resistiu de pé”, afirma. Quando o helicóptero chegou, as vítimas puderam ver o tamanho do estrago. Quilômetros de morro de uma só cor, e mais nada. Até as árvores ficaram debaixo da lama, manchadas de marrom. “Subimos no morro, onde não havia risco, e ficamos esperando o socorro que não vinha”, lembra Iliane, filha de dona Isa. Ela estava com dois filhos pequenos na casa.
Na chuva dos últimos dias, que mais parecia um dilúvio sem fim, a família Ferretti teve de correr o risco de deixar o pai, Pedro, de 64 anos, sozinho na casa ameaçada de ser soterrada. Há dois anos, ele sofreu um derrame, vive acamado. Só anteontem à noite, com a ajuda de vizinhos, puderam carregar o pai para o alto do morro. Toda a família ficou debaixo de chuva.
BAIRROS SUBMERSOS
Em toda a região, as cidades sofrem com as enchentes. Em Itajaí e Navegantes, há bairros inteiros submersos, propriedades rurais ilhadas, com pessoas nos telhados à espera de socorro. A prioridade da ajuda oficial é para idosos, doentes e grupos maiores de ilhados. As rádios dos municípios interrompem a programação para servir de apoio às vítimas, que ligam para pedir socorro a parentes e amigos. Estradas que partem para o interior estão intransitáveis, com deslizamentos de encostas e filas intermináveis de veículos.
Pelo menos quatro municípios nas imediações estão isolados: Rio dos Cedros, Pomerode, Itapoá e Benedito Novo – isso sem contar, no restante do Estado, São João Batista, Garuva, Luiz Alves e São Bonifácio. Os 600 turistas que estavam em um parque aquático na cidade de Gaspar permaneciam no local até as 21 horas de ontem. Eles haviam recebido medicamentos durante a tarde e devem ser retirados hoje. Só barcos e helicópteros chegam a essas localidades.
Segundo o prefeito Kleinübing, Blumenau levará entre um ano e meio e dois anos para reconstruir os estragos dessa tragédia. Foram destruídos pontes, ruas, prédios públicos, creches. Metade da cidade está sem luz e não há água potável para ninguém. A expectativa é de que até sexta-feira as torneiras comecem a abastecer as casas. A regularização deverá levar mais uma semana. Mas o drama maior era oferecer comida e remédios para os 48 abrigos montados pela prefeitura. Num deles está Schwamabach, que perdeu Marinéia e Larissa.
“Ontem (domingo) minha filha me disse ‘pai’ pela primeira vez”, relembra Schwamabach. Riu, mas ele imaginava que muitos outros “pais” seriam ouvidos dali por diante. Marinéia estava radiante, feliz por ser mãe. “Eu não durmo há duas noites e não consigo chorar. Não sei por que não consigo chorar. Tem horas que não sei o que fazer e só posso me levantar para tentar chorar num canto sozinho.”

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