Ele representa o sobrenatural entre nós

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Publicada em 22 de julho de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Existe no Brasil uma entidade com poderes surpreendentes. Ela é capaz de
prever o tempo, provocar um temporal ou uma chuva rala, fazer um dia ter sol
radiante com céu de brigadeiro, anunciar acidentes ambientais e ainda
antever a morte de personalidades, como Ulysses Guimarães e Ayrton Senna.
Sobrenatural? É o que parece, mas não é tudo. Desde o dia 5 de maio, a
Fundação Cacique Cobra Coral diz que está envolvida em mais um desafio:
manter estáveis os níveis dos reservatórios de água no País para evitar o
apagão. Como? Ela garante que está fazendo chover nas cabeceiras dos rios.
“Isso é um espanto”, diria Cid Moreira.
A fundação é uma entidade que se autodefine como científico-espiritual. De
um lado, o meteorologista Rubens Junqueira Villela, professor da
Universidade de São Paulo, faz as previsões climáticas. A parte espiritual
fica por conta da médium Adelaide Scritori, uma paranaense que diz receber o
espírito do cacique Cobra Coral. Esse índio americano teria sido, em outras
reencarnações, Galileo Galilei e Abraham Lincoln. Segundo a fundação, Cobra
Coral teria poderes de prever o tempo para mais de seis meses e, o mais
extraordinário, conseguiria mudar o clima do planeta.
O cacique é citado com freqüência em colunas sociais e políticas de jornais
e sites de notícias. “Publicamos porque acho as histórias deles engraçadas.
Não é uma coisa científica, todo mundo sabe. Já virou folclore”, afirma
César Giobbi, colunista do Estado. Como a médium Adelaide se recusa a dar
entrevistas ou tirar fotografias, a entidade continua cercada por um ar de
mistério.
Sistematicamente, a fundação envia faxes com as previsões climáticas de
longo prazo e de acidentes ambientais a políticos, ministros de Estado e
redações dos jornais. Quem se encarrega disso é o vendedor de seguros Osmar
Pereira Santos, também chaiman (sic) da fundação – como está escrito em seu
cartão de visitas. Ele é assíduo freqüentador das redações, nas quais vende
apólices de seguros aos jornalistas. Santos também é o responsável por
alimentar o site www.fccc.org.br com as últimas do cacique e responder às
correspondências que chegam até a médium pelo endereço adelaide@fccc.org.br.
Presidente – Segundo ele, o presidente Fernando Henrique Cardoso pediu
colaboração do cacique para manter os reservatórios cheios de água, mas
exigiu sigilo na operação. O intermediário seria o general Alberto Cardoso.
“De modo algum sou interlocutor. Apenas tomei conhecimento de que e-mails
chegaram até meu gabinete”, afirmou o general, que é espírita. A mesma
negativa foi dada pelos ministérios das Minas e Energia e da Justiça, órgãos
com os quais a fundação garante ter convênios.
A Petrobrás seria outra empresa do governo que já solicitou os serviços do
cacique, na época do acidente com a plataforma P-36. “Não patrocinamos, nem
temos convênio com essa entidade”, informou a Assessoria de Imprensa da
Petrobrás. A prefeita Marta Suplicy, igualmente citada como cliente do
cacique, nega acordos com o além. Santos garante a veracidade dos convênios
e mostra faxes e e-mails enviados aos políticos e governantes. Nos sites
oficiais, os endereços eletrônicos das autoridades são públicos.
O governo de Santa Catarina assume o acordo com a Tunikito Corporation, o
braço financeiro da fundação. Além de vender apólices de seguro, a Tunikito
faz previsões meteorológicas. “O responsável pelos assuntos com a fundação é
o Celestino Secco”, afirmou o assessor do governador, José Carlos Soares.
Secco é secretário estadual e vice-presidente da Cacique Cobra Coral.
Embora já tenha sido visto por vizinhos freqüentando a entidade, que fica na
Rua Joaquim Miranda, 237, em Guarulhos, o governador Esperidião Amin nega.
De qualquer forma, ele e a mulher, a prefeita de Florianópolis, Ângela Amin,
foram padrinhos do casamento de Elisabete, filha da médium Adelaide, em
novembro de 1999. Wagner Canhedo foi outro padrinho.
Malan – No último dia 29, em meio à oscilação do dólar no País, o ministro
Pedro Malan invocou a entidade: “Se eu pudesse garantir que isso (o choque
cambial) não aconteceria de jeito nenhum, seria o cacique Cobra Coral e
estaria falando a outra audiência.” A frase teve conseqüências imediatas.
Desde o dia 2, todas as entrevistas para a imprensa foram suspensas. Para o
repórter do Estado, o cacique mandou um recado, de algum lugar do além,
dizendo que ninguém da fundação daria mais informações e pedindo para não
mais procurá-los. “Não haverá mais entrevista até que permaneça a
determinação acima”, completou o diretor Santos.
Antes disso, Santos deu informações sobre a fundação. Num pequeno sobrado de
Guarulhos, onde há chupetas penduradas num canto de uma sala, pote com sal
grosso e pirâmide de vidro, funciona a Tunikito Corporation. É lá que fica a
antena parabólica que capta dados para as previsões meteorológicas. Cinco
computadores convencionais ajudam na tarefa. “Nosso principal servidor não
fica conosco, mas com o cacique”, explica Santos. A entidade diz que não
cobra pelos serviços, mas exige que sejam feitas obras para combater as
causas dos problemas. Quando os governos não fazem sua parte, aí o cacique
lava as mãos.

Previsões sobre o tempo nem sempre dão certo
Os principais poderes do cacique Cobra Coral seriam as previsões de tempo e
alterações climáticas que ele realiza. Sua representante, a médium Adelaide
Scritori, é quem manda os recados, nem sempre certeiros. Em fevereiro de
2000 e 2001, ela disse que até aquele momento havia chovido só 10% do
esperado na Região Sudeste e São Paulo poderia aguardar um dilúvio antes do
segundo semestre. Nada disso aconteceu, segundo dados do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais.
“Trata-se de uma fundação religiosa. E religião você acredita ou não.
Cientificamente, nada comprova os poderes da entidade”, explica Carlos Magno
do Nascimento, da empresa Climatempo, a maior agência de previsões
meteorológicas da América Latina. Segundo ele, mesmo com as informações
precisas de vento, pressão atmosférica, umidade e temperatura, os
computadores são capazes de fazer cálculos confiáveis para previsão de tempo
pelo prazo de cinco dias na América do Sul. “Depois disso, o índice de
acerto é de 60%.”
No ano passado, a médium previu fortes chuvas no Vale do Itajaí, em Santa
Catarina. A região de Blumenau, banhada pelo Rio Itajaí-Açu, é
historicamente uma área afetada por enchentes. Em 1983, por exemplo, foi o
Estado mais atingido pelas cheias. Em maio de 2000, Adelaide disse que
haveria a maior estiagem dos últimos 25 anos em São Paulo. Os institutos de
meteorologia já anunciavam a mesma coisa.
A Fundação Cacique Cobra Coral afirma ter avisado o presidente Fernando
Henrique Cardoso dos riscos de falta de energia no País. Ildo Sauer,
professor do Programa de Pós-graduação em Energia da Universidade de São
Paulo (USP), alertava sobre o problema desde 1995. Segundo ele, o atual
modelo energético brasileiro já tornavam mais que previsíveis os atuais
problemas. “Se nada for feito, em 2002, vamos continuar convivendo com os
riscos do racionamento”, previu, embora não seja cacique.
Em outras áreas, a fundação também cometeu deslizes. Em julho de 2000,
alertou o governo para o risco de o juiz Nicolau dos Santos Neto ser morto,
se não fosse encontrado com urgência. O juiz foi preso em 9 de dezembro,
mais de 150 dias após a previsão da médium. Adelaide previu ainda vazamentos
de refinarias da Petrobrás, como o de Araucária. O sindicato dos
petroleiros, há tempos, fazia a mesma previsão.
Na dúvida, vale a máxima: no campo das previsões, os acertos são sempre mais
lembrados do que os erros.

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