De volta à escola

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Alunos de Engenharia Elétrica, Engenharia de Controle e Automação e Engenharia de Produção da Anhanguera Educacional - Foto: Facebook

Com faturamento de 40 bilhões de reais e a chegada de grandes grupos internacionais, o setor de ensino superior tem atraído RHs experientes em busca da profissionalização da gestão

O ensino superior privado opera hoje no país como o setor aéreo. Há a mesma disputa enfurecida por clientes. Para atraí-los, valem descontos, promoções, brindes e até programas de fidelidade. Novas companhias surgiram nos últimos anos, enquanto outras antigas faliram por não se adaptar a esse mercado de livre e acirrada concorrência. Da mesma forma, a sala de aula pode ser comparada a um avião, onde o aluno embarca para ir de um ponto a outro, do vestibular ao sonhado diploma universitário. Os professores são os pilotos e o pessoal administrativo, os comissários de bordo. Mas há uma diferença essencial entre os dois setores: o estudante pode pular no meio do voo.

A comparação acima é feita em palestras e encontros com grupos educacionais por Heitor Peixoto, que por anos atuou em corporações de ensino e hoje é diretor da Stato, uma consultoria de recrutamento de executivos. “A profissionalização dos negócios já permeia todos os campos nas instituições de ensino e as que ainda não deram esse passo estão ficando mais frágeis”, afirma Peixoto. A mudança é tão radical que palavras como “cliente”, “capital aberto” e “governança corporativa” foram incorporadas às falas dos empresários desse segmento. Um segmento, aliás, com um faturamento estimado pela Hoper Educação, consultoria especializada na área, em 40 bilhões de reais em 2015.

Para manter o interesse das pessoas no ensino superior, as escolas adotam políticas agressivas de marketing, trabalham para atender as necessidades dos clientes e perseguem a qualidade — o principal gargalo das universidades privadas. Mesmo com todo esforço, a taxa de evasão de alunos pode chegar a 50 %. “As instituições que não adotarem uma gestão profissionalizada de pessoas terão mais dificuldades em reter e manter estudantes em um cenário competitivo”, diz Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior. Tentando reverter essa situação, essas companhias começaram a buscar bons profissionais de recursos humanos no mercado.

Crescimento acelerado

A profissionalização do ensino começou em 2005 com a entrada de grandes grupos internacionais que se uniram a instituições locais. A compra da Universidade Anhembi Morumbi pela americana Laureate International fez outras escolas acordarem para a necessidade de se reestruturar econômica, financeira e operacionalmente, o que culminou na abertura de capital na Bolsa de Valores de companhias como Anhanguera, Kroton e Estácio de Sá, dois anos depois. “A entrada de novos jogadores, como fundos de investimento, acionistas e sócios, trouxe à educação uma realidade que exige criatividade e inovação, duas variáveis que dependem de bons profissionais”, explica Carlos Monteiro, sócio-diretor da CM Consultoria, especializada em planejamento e gestão educacional.

O ensino superior no Brasil passa agora pelo mesmo processo de transformação visto em anos anteriores nos segmentos de telefonia, bancos e varejo, envolvendo fusões e aquisições, um número massivo de clientes e a mudança completa da lógica de gerir o negócio. Os saltos foram sucessivos. Em 1994, as empresas particulares possuíam 58 % dos alunos matriculados em faculdades e universidades em todo país. No último censo do Ministério da Educação, em 2013, o número pulou para 74 %.

Osmar Stefanini, da Laureate
Osmar Stefanini, da Laureate

Atentos ao mercado, os caçadores de talentos começaram a revirar seus cadastros de profissionais, já prevendo a intensa movimentação de executivos que viria a seguir. Um dos primeiros profissionais de recursos humanos a embarcar no negócio de educação foi Osmar Stefanini. Em 2009, ele deixou a indústria de produtos de elétrica, hidráulica e mecânica Eaton, onde era o principal executivo de RH, para ingressar na Laureate, como vice-presidente de gestão de pessoas. “Minha estrutura inicial era um laptop, um telefone fixo, um celular e uma mesa”, lembra. Quando chegou ao grupo americano, ele encontrou uma instituição forte, mas desassociada. Naquela época, a empresa controlava três universidades, a Anhembi Morumbi (São Paulo, SP), a Uninorte (Manaus, AM) e a UNP (Natal, RN), mas cada uma operava de forma independente e isolada.

Apenas a Laureate foi responsável pelo vaivém de outros quatro profissionais experientes, já que Stefanini passou os últimos anos contratando líderes de recursos humanos para as escolas pertencentes ao grupo. Para a Anhembi Morumbi, recrutou Ana Paula Nunes de Lima, ex-Itaú. Para a UniRitter, que entrou para a corporação em 2010, escolheu Lucimar Hermes, que já era da Laureate. Para a FMU, adquirida em2013, trouxe Edna Bedani, que tinha passagem pelas empresas Ticket, Accenture, Siemens e Pão de Açúcar. Para a UNP, acertou com Regina Muniz, que tinha experiências na AGCO, na Camargo Côrrea, na Votorantim e na Ambev. Passou seis meses e teve de entrevistar 50 candidatos até encontrar a pessoa ideal. “Queríamos profissionais que soubessem navegar em uma proposta de médio e longo prazo”, explica Stefanini.

Um dos fatores que dificulta a negociação do RH do setor educacional é o salário. A remuneração de um gestor de recursos nesse segmento ainda está 15 % abaixo da de um profissional em uma grande multinacional de outros mercados, mas chega à faixa dos 30 000 reais mensais, além de bônus anuais que variam de cinco a oito salários.

Fábio Lacerda, da Kroton
Fábio Lacerda, da Kroton

Outro empecilho para atrair os profissionais é a falta de histórico em gestão de pessoas do setor. Muitas vezes, o RH deve começar o trabalho do zero. Em 2011, quando Fábio Lacerda trocou um emprego na DHL, multinacional de logística, pela Kroton, a quinta maior empresa de educação do Brasil, com 7 800 empregados, sendo 6 000 professores, o nome Kroton ainda era desconhecido em São Paulo, onde não possuía operações. “Naquela época, a organização tinha apenas um sistema de folha de pagamento e uma administração de pessoal, nem era uma área de recursos humanos estruturada”, lembra. Mas o rápido crescimento do segmento compensou a mudança de carreira. No ano passado, a Kroton anunciou uma fusão com a Anhanguera, se tornando a maior corporação de educação do mundo, com 137 escolas, 33 500 funcionários e 15 100 docentes.

Na lousa do RH

Em um cenário de consolidação em poucos e grandes grupos educacionais, o executivo de RH passa a participar não só de seleção, inclusive de professores, mas também de outras tarefas da área pedagógica, como se envolver no planejamento das aulas, descobrir as demandas dos docentes por novos materiais e tecnologias, e até a atuar na empregabilidade dos alunos. Além de trazer as práticas já usadas em outros segmentos, como as pesquisas de clima organizacional e capacitação de gestores, o profissional de recursos humanos começa, aos poucos, a adotar uma política de transparência e meritocracia — duas moedas importantes para o aproveitamento dos talentos internos.

O gestor de RH precisa de algumas habilidades para atuar entre alunos e professores: ter poder de negociação e iniciativa; conhecer as diferenças culturais no país; entender e falar a linguagem financeira, além de produzir relatórios matriciais de suas operações. O desafio é vencer as barreiras de um setor tão tradicional quanto o de ensino e alinhar a realidade de cada universidade à cultura corporativa dos grandes grupos. Na Kroton, lembra Lacerda, esse foi um processo feito em etapas. Na primeira, padronizou os sistemas internos, processos e estruturas de funcionamento dos departamentos das unidades, criou indicadores unificados, como os de avaliação de professores, e estabeleceu metas transparentes. Em 2012, 77 executivos se reuniram para definir a missão, visão e valores do grupo. Foi formada uma universidade corporativa, para oferecer cursos para os empregados, e criada a figura dos parceiros de negócios (os business partners) de RH, que atendem as necessidades de cada área das unidades. No fim, o profissional de recursos humanos passou a ser visto como um aliado ao negócio — e o professor abriu as portas da sala.

Cristiane de Ávila Fernandes, da Anima Educação
Cristiane de Ávila Fernandes, da Anima Educação

Para ganhar a confiança do docente, principalmente quando a escola é comprada, é preciso respeitar a história e o nome da instituição. “A gente praticamente deve pedir licença para entrar”, diz Cristiane de Ávila Fernandes, diretora de pessoas da Anima Educação, o sétimo maior grupo educacional do país, com 85 600 alunos. “O RH deve abrir o diálogo para entender as dinâmicas e os modelos acadêmicos de cada organização, porque a gestão de pessoas tem muito que aprender com as instituições de ensino”, diz. Cristiane chegou a Anima em 2012, e, no ano seguinte, participou do Programa Dádiva, que transformou 2 200 professores e funcionários em acionistas da empresa. Na época, foram transferidas 1 579 322 ações — o equivalente a 29,2 milhões de reais — para esses profissionais.

O executivo de RH do setor de ensino tem um papel importante na retenção dos empregados, principalmente dos bons mestres — afinal, muitas vezes são eles os responsáveis por um aluno continuar ou desistir de um curso. Na Anima Educação, além da possibilidade de promoção semestral e da bolsa de estudo de até 90 % para os funcionários e de 30 % para parentes, há prêmios específicos, como o Mérito Docente. Nele, o professor é avaliado ao longo do ano e pode receber bônus de 2 000 a 46 000 reais. “O docente ganha mais se se envolver no ecossistema Anima, valorizamos o seu poder transformador”, afirma Cristiane.

Arrumada a casa internamente, chega a hora do RH cuidar também a valorização dos alunos. Na Kroton, depois de atuar na mudança organizacional e na capacitação dos próprios funcionários, a área de gestão de pessoas começou a se envolver em mais uma etapa — a da empregabilidade dos alunos da organização. Em agosto do ano passado, a corporação criou o Portal Conecta, que cria um currículo do aluno assim que ele ingressa em uma universidade do grupo. Ao longo do curso, o documento vai sendo atualizado. Nesse portal, também estão cadastradas mais de 7 000 empresas que buscam ali desde estagiários até profissionais recém-formados. Elas são informadas pelo sistema sobre os alunos com os perfis mais indicados para cada vaga oferecida. A maior parte dos estudantes da Kroton já trabalha, mas busca no grupo uma melhor qualificação, tanto que metade deles faz cursos à distância.

Futuro promissor

A entrada de grandes grupos de um jeito ou de outro tem movimentado todas as instituições de ensino, mesmo aquelas que não devem ser compradas. E o movimento da profissionalização, que se iniciou na educação superior, já começa a ser visto nas escolas de níveis fundamental e médio.

É o caso do Instituto Mackenzie, uma instituição de ensino com 145 anos de história ligada à Igreja Presbiteriana. Para gerir a área de RH da empresa, que conta com 3 500 funcionários, e também cuidar da administração do campus por onde circulam 42 000 pessoas diariamente, a instituição conta com Marcos Rodrigues de Freitas, que trabalhou por nove anos na Vale e teve passagens pela Golden Cross e Organizações Globo. “Faz parte do planejamento estratégico termos cada vez mais pessoas do mercado, e investimos muito nos empregados e gestores”, diz o executivo.

De acordo com a Hoper Educação, apenas o ensino superior privado deve registrar crescimento em torno de 3 % a 5 % nos próximos anos. Mesmo sendo um número abaixo dos padrões dos últimos anos, é uma projeção otimista perto do resto da economia. O setor de educação, cada vez mais, será um mercado de oportunidades para o profissional de recursos humanos trabalhar.

* Publicado originalmente na revista Você RH

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