Publicada em 6 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Péssimas notícias para a imprensa argentina. Não exatamente
as que recheiam as páginas dos diários, mas as que dizem respeito aos seus
próprios negócios. Com a crise, os argentinos estão deixando de comprar
jornais, a publicidade despencou, a tinta importada está mais cara e o preço
da tonelada do papel dobrou, subindo para 900 pesos nos últimos três meses.
Analistas acreditam que o faturamento médio das empresas jornalísticas deve
cair até 40% este ano.
Dados do Instituto Verificador de Circulaciones (IVC) indicam que os
principais jornais apresentaram retração entre dezembro e fevereiro. O Grupo
Clarín teve queda de 8,2% nas vendas médias diárias do Clarín, o de maior
circulação, e de 24,8% no diário esportivo Olé. O La Nacion, mais
tradicional da Argentina, teve uma redução menor, de 3,6%, e o Diario
Popular, 6%. Só o Página/12 teria crescido, entre 10% e 15%, segundo dados
da empresa, que não informa esses números ao IVC.
As vendas de publicidade e classificados tiveram retração entre 25% e 30%
(ver quadro). “Quando a economia cai, a publicidade também se reduz. É um
dos investimentos mais elásticos”, explicou Martin Etchevers, gerente de
comunicação do Clarín, jornal que em fevereiro vendeu cerca de 420 mil
exemplares por dia. Comparando os dois primeiros meses deste ano com o de
2001, a queda nas vendas do diário foi de 10,8%. O La Nacion vendeu em
fevereiro uma média de 160 mil exemplares por dia.
“É uma situação inédita. Nos últimos quatro meses, a crise na imprensa se
agravou. Nunca houve nada parecido”, disse Carlos Vernazza, secretário da
Asociación de Entidades Periodísticas Argentinas, entidade que reúne as
principais empresas de comunicação.
A maioria dos periódicos da Argentina não tem assinantes, por pressão dos
sindicatos de jornaleiros e de distribuidores. Por isso, as empresas têm de
se desdobrar para manter as vendas nas bancas num país com uma classe média
cada vez mais empobrecida.
Uma das estratégias tem sido manter o preço de capa, entre 1,00 e 1,20 peso
nos dias de semana, e 2,50 pesos nos domingos. “Os diários estão tentando
manter os preços, mas não posso dizer até quando”, disse Etchevers. Outra é
apostar também na informação da crise como um produto de venda. “Mantemos
uma linha séria, crítica e de investigação. Narramos com muitos detalhes os
novos fenômenos, clubes de trueques, panelaços, assembléias de bairro e o
perigo do fascismo”, afirmou Martín Granovsky, subdiretor do Página/12.
O Clarín, que em 2000 faturou 550 milhões de pesos (ou dólares), espera
obter faturamento maior neste ano. Mas em pesos, já que não existe mais a
dolarização. O jornal, assim como o La Nacion e o Página/12, investe em
enciclopédias, fascículos e outros produtos para tornar o produto mais
atraente. O fundo de investimento Goldman Sachs detém 18% do capital do
Grupo Clarín.
Há 5 meses, eram distribuídos gratuitamente 850 mil exemplares de três
jornais na Argentina. O Metro, de um grupo sueco, e El Diario de Bolsillo,
fecharam. Restam os 200 mil diários vespertinos do La Rázon, do Grupo
Clarín. Segundo Etchevers, a publicidade dirigida mantém o periódico viável
para ser distribuído nos meios de transporte, pedágios e supermercados.
No interior do país, a situação é igualmente ruim. O La Voz del Interior, de
Córdoba, teve uma retração de 12,6% na comparação dos dois primeiros meses
deste ano com 2001. A venda média é de 56 mil exemplares. “Esta crise já
obrigou o fechamento de algumas empresas e há muitas outras que estão em
vias de fechar”, afirmou o gerente Felipe Videla, da Asociación de Diarios
del Interior de la República Argentina. São mais de 80 jornais provinciais.
A crise da imprensa escrita argentina afeta também os jornalistas.
Segundo o secretário da Federación Argentina de Trabajadores de Prensa, Jose
Insaurralde, algumas empresas já reduziram em até 20% os salários dos
trabalhadores. Em agosto, o Página/12, por exemplo, reduziu em 12% os
salários superiores a 2.000 pesos – a média salarial é de 1.400 pesos. O
Clarín fez um corte de mais de 70 pessoas da redação em dezembro de 2000
para conter gastos.
Um cenário nada animador para os mais 50 mil estudantes de jornalismo
espalhados nas faculdades e escolas da Argentina.