Publicada em 20 de janeiro de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
O Provão é o principal sistema de avaliação do ensino superior no País. O
exame diferencia os bons dos maus cursos e as fábricas de diplomas das
instituições sérias. Num mercado repleto de opções, é um instrumento
necessário. Mas para um setor em franca expansão, o dos cursos seqüenciais,
não há Provão, nem qualquer outro tipo de avaliação. E assim dezenas de
milhares de estudantes que estão optando por essa formação rápida de 3.º
grau começam a chegar ao mercado de trabalho.
Oficialmente chamados de cursos superiores de formação específica, eles
duram dois anos e dão um certificado inferior ao de uma graduação. O
aluno-cliente tem um extenso leque de escolhas: de animador de hotéis a
árbitro de futebol, de administrador de recursos humanos a gestor de
marketing. Preocupados com o preparo dos profissionais com esses
certificados, todos os conselhos de saúde proibiram o credenciamento desses
estudantes. Outras entidades de classe, como as dos advogados e de
engenheiros, arquitetos e agrônomos, também fazem restrições a eles.
Filha de enfermeira, Márcia Regina Brandão sonhava em seguir a profissão da
mãe. Em 1998, matriculou-se no curso seqüencial de enfermagem da Uni São
Luís, de Jaboticabal. Só faltavam os estágios finais para ela concluir as
disciplinas. O Conselho Regional de Enfermagem interveio antes e decidiu
proibir o registro desses alunos. “Já temos as profissões de auxiliar de
enfermagem, de técnico e de enfermeiro. Não cabe mais recheio nesse
sanduíche”, diz a presidente do conselho Ruth Miranda. Márcia protesta: “A
faculdade ofereceu um nível acima do esperado e muitos podiam já estar
trabalhando. Até agora não sabemos se vamos ser reconhecidos.”
Vetos – Para os conselhos de saúde, é impossível obter uma formação adequada
com 1.600 horas de aula, a carga horária exigida para os seqüenciais. “Eles
são um naco de curso completo. Só servem para certificar um aluno”,
questiona João Marinonio Carneiro, vice-presidente do Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional, outras duas profissões que vetaram o
registro desses alunos. Essas categorias temem que os formados exerçam a
profissão em locais distantes dos olhos da fiscalização.
O Conselho Regional de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de São Paulo
(Crea-SP) ainda não sabe como enquadrar esses formandos. A tendência é que
esses profissionais recebam uma denominação como, por exemplo, “arquiteto
com formação seqüencial”. Para Walter Politano, do Crea-SP, é preocupante
ver estudantes optando por uma formação muito específica. “Se o mercado de
trabalho mudar, ele ficará perdido, não terá o que fazer. É um profissional
sem versatilidade”, diz.
Para um especialista em recrutamento, os seqüenciais ainda padecem de
credibilidade. “O mercado ainda não entendeu bem isso. Os empregadores
perguntam como alguém pode ter um 3.º grau e não ser graduado. O seqüencial
acaba sendo julgado como um curso inferior”, afirma Mauro Hollo,
sócio-diretor da Consult, uma empresa de recursos humanos. Segundo ele, o
maior problema é que essa modalidade foi encampada pelas instituições
particulares e não pelas públicas. “É preciso um controle de qualidade. Se
não houver cuidado nessa expansão, podemos queimar uma boa oportunidade.”
Em agosto do ano passado, Graciele de Souza Moraes, de 20 anos, e mais
outras 40 pessoas iniciaram o seqüencial de moda na Faculdade Armando
Álvares Penteado. Ao descobrirem que teriam um certificado e não um diploma,
os estudantes pediram à instituição que mudasse o curso, ainda mais arcando
com R$ 810 de mensalidade. “Não adianta pagar a faculdade se não vai servir
lá na frente. Estávamos inseguros.”
A Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC) já
reconheceu 23 cursos seqüenciais e tem outros 52 na fila. Segundo o último
censo do ensino superior, são 178 cursos no País, 19.987 vagas oferecidas e
13.585 estudantes em 2000. O próximo estudo deve indicar uma explosão
meteórica na oferta – e não necessariamente na procura.
Só em Fortaleza, a Estácio de Sá ofereceu mais de 10 mil vagas em 2001. Ela
seguiu os passos de sua concorrente no Rio, a Gama Filho, que havia criado 3
mil vagas dois anos antes com base em uma liminar. Por lei, as duas não
poderiam criar esses seqüenciais em outra cidade. No mês passado, os cursos
da Estácio, com 4 mil matriculados, foram absorvidos pela Faculdades
Integradas do Ceará. Nos anúncios em jornais, a Escola Politécnica da
Estácio afirma ter 12 mil estudantes.
“Infelizmente, esses cursos são muito superficiais e aligeirados. Nem
poderíamos chamar de nível superior”, critica Roberto Leher, do sindicato de
professores universitários. Segundo ele, assim como houve uma expansão do
ensino fundamental sem o respectivo aumento de qualidade, os seqüenciais
podem servir apenas para edulcorar as estatísticas do ensino. “Quem fala
isso é porque não entende nada de educação”, rebate o diretor de políticas
do ensino superior do MEC, Luiz Roberto Cury.
Enfermagem – Em junho, a Universidade Paulista (Unip) previa a criação de
540 mil vagas em cursos seqüenciais para este ano, mas a hipótese não foi
levada adiante. A Universidade Bandeirante (Uniban) é outra que planejava
expandir sua clientela oferecendo uma batelada de superiores de dois anos
para profissões como escrivão, cosmetologia e estética, fitness e
enfermagem. A baixa procura a fez desistir da idéia.