Publicada em 3 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
DAEGU – A religião ocupa um papel central numa família coreana tradicional.
Desde os primeiros anos, a criança participa das cerimônias, celebrações e
outras atividades relacionadas à fé de seus pais. É uma espécie de
preparação para o futuro. Na Coréia, filho de religioso, religioso será: não
importa se budista, protestante, católico, confucionista ou uma mescla de
todas essas religiões.
Metade da população coreana diz ter alguma crença e freqüenta um templo ou
uma igreja pelo menos duas vezes por mês. Não se pode dizer que a Coréia é
um país budista, tal como são relacionados o Brasil e o catolicismo. Há dois
anos, o governo descobriu que, entre os coreanos com algum credo, 45,7% são
budistas; 38,8%, protestantes, e 13,2%, católicos. São eles que participam
dos rituais, cultos e missas nas centenas de templos budistas, 1.230 igrejas
católicas e mais de 20 mil templos protestantes.
“Ensinar o budismo aos nossos filhos não é tarefa difícil. Eles vivenciam a
crença no lar e aceitam felizes”, afirma a avó Kim Jeong-Ok, de 65 anos, que
aproveitou o fim de semana para levar a nora e os dois netos ao Bulguksa,
patrimônio cultural da humanidade e o mais conhecido templo budista da
Coréia, na cidade de Gyeongju. “Em geral, as crianças seguem os desejos dos
pais.” Moradora de Seul, ela freqüenta um templo budista da capital coreana
duas vezes por mês.
As universitárias Kim Ok-Hyun, de 23 anos, e Lee Hae-Ri, de 24, sempre que
podem visitam o Bulguksa e o Sokkuram, uma admirável escultura de Buda
sentado, de granito. Sentem-se honradas por possuírem em seu país esses dois
patrimônios culturais da humanidade. Só que elas não são budistas, mas
católicas. Estão ali para admirar as construções, já que estudam história da
arte.
“Na minha família, convivem católicos, evangélicos e budistas”, diz Ok-Hyun,
cujo nome de batismo é Clara. “Em relação ao budismo, temos um respeito
maior, já que é a religião mais antiga do país.” Ele foi difundido por volta
do ano de 372 e só mais tarde, em 642, é que se expandiu para o Tibete.
Hoje, na Coréia, é possível entrar numa universidade, a Kim Il-Sung, e
estudar durante cinco anos para ser monge budista.
Sua amiga Ana, ou Hae-Ri, tornou-se católica por causa dos pais. A educação
em sua casa ensinou-lhe a admirar o catolicismo e a gostar de freqüentar as
missas aos domingos. Apesar de a maioria de seus amigos terem alguma
religião, católica ou não, elas sabem que muitos jovens acabam se
desgarrando da vida religiosa. “Na adolescência, é muito difícil se
adaptar”, diz Ana.
Nos últimos anos, tem sido cada vez maior o número de pessoas que assumem
sua religiosidade particular, dentro de casa. São dados obtidos na pesquisa
do governo e confirmados pelos próprios religiosos. “Não estamos procurando
trazer novas pessoas para cá, mas tornar as que já temos mais fiéis”, resume
o padre católico Kwak Min-Jae, da catedral de Gyesan. Em Daegu, onde fica a
igreja, há 12 mil fiéis cadastrados, mas só cerca de 3 mil participam mais
ativamente das missas.
Para enfrentar essa nova realidade, a catedral de Daegu mudou seu discurso.
Saíram as lamentações sobre os mortos na guerra com o Japão e entraram as
canções mais novas e rápidas, ao gosto da juventude. “Com a chegada dos
padres mais novos, está havendo a renovação que precisamos”, diz Kwak, que
tem 30 anos de idade.
E não é por falta de santos, já que a Coréia possui nada menos que 103
deles. Em 1984, o papa João Paulo II canonizou esse batalhão de mártires, o
maior número da história até hoje. Só no mês passado o Brasil, lembrado como
o maior país católico do mundo, passou a contar com uma santa: Madre
Paulina.
A mesma situação vem enfrentando as igrejas protestantes. Na Presbiteriana
Han Sun, a maioria de seus fiéis é formada por idosos ou mulheres das
classes média ou alta. Para expandir o protestantismo na Coréia,
missionários e pastores vêm sendo enviados para outras cidades.
“Só que temos problemas com os jovens. Eles têm muita diversão fora de uma
igreja”, admite o coordenador de ensino religioso Han Shin-Hee. A Han Sun
possui 2.400 fiéis e 350 são estudantes.
Em todo o país, há cerca de 83 denominações protestantes, incluindo os
metodistas, os luteranos, os batistas e os anglicanos. É a força religiosa
que mais se expande na Coréia, tendo hoje mais de 9 milhões de fiéis.
Há poucos conflitos ou disputas entre as religiões. Em determinadas ocasiões
na história coreana, credos diferentes se uniram para ajudar o país a
superar momentos difíceis, como na época da dominação japonesa.
Talvez isso ajude a entender o porquê de algumas pessoas adotarem princípios
de outras religiões que não as suas como valores familiares. O
confucionismo, que prega o amor benevolente, a retidão de caráter e o
decoro, faz parte da maioria dos lares da Coréia.