Publicada em 2 de outubro de 2006
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Laura Diniz
ENVIADOS ESPECIAIS
PEIXOTO DE AZEVEDO (MT)
Equipes da Força Aérea Brasileira e do Exército conseguiram ontem remover os
dois primeiros corpos das vítimas do acidente envolvendo o Boeing 737-800 do
vôo 1907 da Gol, que caiu com 155 pessoas a bordo na sexta-feira, no trajeto
entre Manaus e Rio. A identificação começará a ser feita na Base Aérea de
Cachimbo, no Pará, mas os trabalhos podem ser estendidos a Cuiabá (MT) e
Brasília (DF), nos casos em que for necessário exame de DNA. Ontem, a
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirmou que houve uma colisão
entre o avião e o jato Legacy, fabricado pela Embraer.
Segundo a diretora da Anac Denise Abreu, técnicos da comissão que apura as
causas do acidente chegaram a essa conclusão depois de começar a ouvir o
conteúdo das duas caixas-pretas do Legacy, que estão em São José dos Campos
(SP), sede da Embraer. “As informações dessas caixas precisam ser cruzadas
com as caixas-pretas do Boeing, que ainda não foram recuperadas. O que dá
para afirmar até agora é que houve uma colisão”, disse ela.
É a primeira vez que a Anac se refere ao acidente como um choque entre
aviões. Antes, tratava essa hipótese como “especulação”. Apenas o presidente
da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, admitia essa possibilidade
desde o sábado.
A hipótese de colisão é reforçada por depoimentos de testemunhas do desastre
aéreo, o maior já registrado no País. Um funcionário da Fazenda Jarinã,
usada como base de operações, contou ao gerente da propriedade, Nilton
Bicalho, que ouviu “um grande estrondo”. Em seguida, viu o avião da Gol “se
movimentando bruscamente, rodopiando e despencando”.
Imagens divulgadas ontem pela FAB mostram o Boeing de cabeça para baixo, com
o dorso, onde fica o trem de pouso, para cima. Isso indicaria que o avião
deu pelo menos uma cambalhota, antes de atingir o chão. O Legacy, por sua
vez, perdeu parte da asa esquerda e do leme.
A Anac vê chances mínimas de se encontrar algum ocupante do Boeing vivo. “É
basicamente impossível afirmar que haja sobreviventes, mas ainda não há
laudo oficial, pois sempre existe a possibilidade de um milagre”, disse
Denise.
São três as questões que intrigam os peritos da Aeronáutica para explicar as
causas do acidente. Eles precisam saber o que levou a tripulação do Legacy a
mudar de rota, o motivo pelo qual ela não respondeu aos alertas por rádio
feitos pelo operadores do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do
Tráfego Aéreo (Cindacta-1) e porque os equipamentos anticolisão dos aviões,
conhecidos como TCAS, não deram o alerta.
Em Brasília, um grupo de 30 parentes e amigos das vítimas fizeram um
protesto no aeroporto, revoltadas com a falta de informações sobre as
buscas.
Eduardo Lleras, que foi até a Serra do Cachimbo em busca de informações
sobre a mulher, o filho e o neto, que embarcaram no vôo 1907, teria sido
orientado a providenciar o velório dos parentes, contou sua sobrinha,
Janayna Leite. Ela está em Londrina (PR), repassando as informações à
família.
Equipes dormem na mata para abrir caminho para legistas
Eduardo Nunomura
Laura Diniz
ENVIADOS ESPECIAIS
PEIXOTO DE AZEVEDO (MT)
Militares e três legistas desceram na mata e começaram ontem o trabalho de
resgate e identificação dos corpos das 155 vítimas do pior acidente da
história da aviação civil brasileira, a queda, na sexta-feira, de um Boeing
da Gol. Eles estavam em dois helicópteros que decolaram às 16h20 (17h20 de
Brasília) da Fazenda Jarinã, em Peixoto de Azevedo, Mato Grosso, usada como
base da logística da operação. Os helicópteros retornaram às 17 horas para a
fazenda com os dois primeiros corpos resgatados, levados num avião
Bandeirante para a Base Aérea de Cachimbo, no Pará, onde legistas tentariam
identificar as vítimas.
Um caminhão frigorífico está à disposição dos peritos para armazenagem dos
corpos. Mais dois veículos desse tipo estão estacionados na Base Aérea do
Cachimbo. Funcionários dos Institutos Médico-Legais de Cuiabá e Brasília
também participarão do trabalho, que não tem data para terminar.
Os primeiros relatos da equipe de resgate que dormiu na selva na noite de
sábado para domingo, formada por 11 militares da Aeronáutica e 5 do
Exército, dão conta de que que “só por milagre” eles poderão encontrar
sobreviventes. “A situação é muito pior do que qualquer um de nós poderia
imaginar”, disse o brigadeiro Jorge Kersul, coordenador-geral das operações
de busca.
Os militares revelaram que há uma grande concentração de destroços em uma
única área, que exala um forte cheiro de corpos queimados. Uma fonte do
grupo disse à reportagem do Estado que o cheiro é forte a ponto de “penetrar
no interior dos helicópteros, mesmo quando as portas estão fechadas”.
Segundo o tenente Jerônimo Inácio, integrante da missão de busca, o corpo do
avião da Gol não está inteiro e as asas são a parte mais preservada do
aparelho. Não é possível, de acordo com o militar, saber se a queda provocou
ou não uma explosão. “Está tudo muito fragmentado. Se o aço ficou assim,
imagine estruturas menos resistentes”, disse Inácio.
MATA FECHADA
A área da queda do avião tem mais de 20 quilômetros quadrados. A mata
fechada e a violência do acidente estão entre os principais obstáculos da
missão. “Se eu encontrar algo e disser que são os restos de uma das vítimas,
vou estar especulando”, afirmou Inácio.
O gerente da Fazenda Jarinã, Nilton Bicalho, disse que não ouviu o estrondo
do acidente e da queda porque estava trabalhando, em cima de um trator. Mas
os funcionários da propriedade, afirmou Bicalho à reportagem do Estado,
falaram sobre o acidente no fim da tarde de sexta-feira. Um deles disse ao
gerente ter ouvido “um grande estrondo”. E, logo em seguida, viu o avião da
Gol “se movimentando bruscamente, rodopiando e despencando”.
“Antes de ver o noticiário na TV, não tínhamos idéia de que algo tão grande
havia acontecido”, afirmou Bicalho. Segundo ele, emissoras de TV foram as
primeiras a entrar em contato com a fazenda.
SETE TENTATIVAS
Os homens da Força Aérea e do Exército localizaram os destroços do Boeing às
9 horas de sábado, depois de sete operações de rastreamento. Os destroços
foram achados 16 horas depois da queda do avião. Do alto, os militares viram
que os pedaços do avião penetraram floresta adentro e se espalharam abaixo
das copas de árvores, de até 40 metros de altura.
Os 16 integrantes da equipe de resgate que dormiram na selva desceram com
combustível e equipamentos para abrir clareiras. Segundo o tenente-coronel
aviador Domingos Afonso Almeida de Deus, 90 homens estão envolvidos
diretamente nas operações. Só no local da queda do Boeing estão 75 pessoas,
trabalhando na abertura da clareira e remoção e pré-identificação dos
corpos. Destes, 32 permaneceriam trabalhando durante toda a noite, de acordo
com nota divulgada pelo Comando da Aeronáutica.
A Fazenda Jarinã fica a 200 quilômetros de Matupá (MT), distância percorrida
entre quatro e cinco horas por estrada de terra. De lá até a área onde estão
os destroços do Boeing da Gol, os militares têm levado cerca de 15 minutos
de vôo em helicópteros.