Publicada em 10 de junho de 2005
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Enviado especial
SUCRE, BOLÍVIA
A Bolívia encaminhou-se no fim da noite de ontem para a saída de seu
labirinto político. Depois de dois adiamentos, o Congresso finalmente se
reuniu em Sucre, onde aprovou por unanimidade a renúncia do presidente
Carlos Mesa e escolheu como sucessor o chefe da Suprema Corte, Eduardo
Rodríguez. O escolhido, novato na política, foi empossado pouco depois.
Espera-se que ele convoque eleições antecipadas, possivelmente para
dezembro, e ponha fim ao caos no país.
A sessão parlamentar pôde ser realizada depois que o presidente do
Congresso, senador Hormano Vaca Díez (o primeiro na linha de sucessão
constitucional) e o presidente da Câmara, Mario Cossío (o segundo),
anunciaram que abriam mão da chefia de Estado.
Os líderes do Congresso são rejeitados com veemência pelos movimentos
sociais, que promoveram protestos em La Paz, Sucre e outras cidades exigindo
a escolha de Rodríguez e a convocação de eleições antecipadas. Os protestos
forçaram ontem os congressistas a adiar por duas vezes o início da sessão
parlamentar.
“Anuncio ao povo boliviano que, na sessão do Congresso, se o voto for pela
aceitação da renúncia (de Mesa), Hormando Vaca Díez declinará
irrevogavelmente (da sucessão), e com isso acabou”, disse o senador à
imprensa no início da noite. “Levantem (os protestos) e instalaremos a
sessão aqui mesmo em Sucre.” Os movimentos sociais interpretaram
inicialmente essas declarações como chantagem política e afirmaram que não
aceitariam esse jogo. Mas, pouco depois, os congressistas já começaram a se
mobilizar para iniciar a decisiva reunião.
A tensão, no entanto, continuava alta. Minutos antes da entrevista do
presidente do Congresso, o líder cocaleiro Evo Morales, deputado do
Movimento ao Socialismo (MAS), havia afirmado: “Queremos denunciar que Vaca
Díez usaria regimentos militares para dar um golpe de Estado.”
Mario Cossío também se pronunciou depois dos dois políticos e declarou não
ter apego ao cargo de presidente da república.
No início da tarde, a morte de um mineiro num confronto com soldados
provocara um segundo adiamento da sessão do Congresso, prevista inicialmente
para o período da manhã e, depois, ante os protestos, para as 19 horas
locais. A justificativa dos parlamentares foi a de que a morte criou um
clima muito difícil e hostil para tomar qualquer decisão.
No fim da tarde, com a chegada de mineiros de Potosí, que começaram a
explodir cartuchos de dinamite, lançar pneus queimando na direção dos
militares e gritar “assassinos, assassinos”, a tensão aumentou, fazendo
Sucre parecer com a La Paz paralisada por manifestações. Bombas de gás
lacrimogêneo foram lançadas contra os manifestantes, o que provocou um
grande tumulto e pânico.
O adiamento provocado pelos violentos confrontos indica que, até aquele
momento, Vaca Díez não havia cedido às pressões populares e pretendia
assumir a presidência da república.
Às 18h20 (19h20 de Brasília), o senador deixou a prefeitura de Sucre, onde
se realizavam as reuniões dos parlamentares, e saiu sem dizer nada. Um
deputado disse que Vaca Díez foi para um quartel do Exército, onde estaria
em segurança. Horas depois, reapareceu anunciando sua decisão de renunciar à
sucessão.
A chegada dos mineiros em Sucre, capital constitucional da Bolívia, mudou
por completo o clima da cidade, que pela manhã, quando deveria ter
acontecido a sessão extraordinária do Congresso, estava muito tranqüila. Aos
gritos de “fuzil se cala, o povo não se cala”, os mineiros inflaram os
ânimos dos demais manifestantes.
O incidente que resultou na morte do mineiro ocorreu em Yotala, 15
quilômetros ao sul de Sucre. O mineiro, identificado como Juan Coro, de 52
anos, teria sido alvejado por soldados, segundo manifestantes. Outras duas
pessoas ficaram feridas.
A Petrobrás tem muito interesse nos destinos da Bolívia, já que é uma das
multinacionais que explora o gás boliviano (ler mais nas págs. B1, B3 e B4
do Caderno de Economia).
Militares agirão para garantir integridade
SUCRE, BOLÍVIA
Dentro dos gabinetes, o dia também foi tenso em Sucre ontem. A reunião dos
parlamentares foi precedida de pressões de todas as partes. Pela manhã, o
comandante das Forças Armadas, general Luís Aranda, descartou a
possibilidade de uma guerra civil, sob qualquer cenário político, e disse
que respeitará a decisão do Congresso. Mas afirmou em tom ameaçador: “As
Forças Armadas estão em alerta máxima e atuarão no marco de suas atribuições
para preservar a integridade e a soberania nacional, o império da lei e a
democracia.”
Outra pressão veio de Evo Morales, líder cocaleiro e do partido Movimento ao
Socialismo, que convocou uma “resistência civil”, caso o presidente do
Senado, Hormando Vaca Díez, seja eleito presidente. O presidente da Câmara,
Mario Cossío, afirmou, num intervalo entre sucessivas reuniões à tarde, que
não se sentia à vontade para discutir a posse de Eduardo Rodríguez,
presidente da Suprema Corte – cujo nome é apoiado pelos movimentos sociais.
“Não façamos futurologia. Estamos falando de um terceiro nome na sucessão. É
preciso acontecer muitas coisas até chegar a ele.” Cossío se recusou a
comentar se entre as discussões dos parlamentares estava a possibilidade de
que o novo presidente sairia do Congresso (Vaca Díez ou ele) e assumiria com
a guarida de um estado de sítio. E.N.